Etiquetas
A visitação desta poesia e dos autores da Geração de 98, do Modernismo ou da Geração de 27, estou a falar de autores de lingua espanhola evidentemente, cruza-se em mim com os relatos de crueldade da guerra civil e as agruras do pós-guerra vividos por quem me foi próximo.
Encontrar na poesia, tantas vezes, o alento que permitiu olhar em frente e querer viver foi, ao fim e ao cabo, a lição que deste convivio aprendi.
Hoje vem ao caso Antonio Machado (1875 – 1939) cuja poesia me acompanha desde os alvores do estado adulto e de que este proverbio foi minha companhia:
Al andar se hace el camino, / y al volver la vista atrás / se ve la senda que nunca / se ha de volver a pisar.
A biografia do poeta toca-me de forma especial. Casado aos 34 anos com Leonor, jovem de 16 anos e a mulher que amava, enviuvou três anos depois. Voltou a apaixonar-se, já passados os cinquenta, por uma casada Guiomar. Fez jus ao que a certa altura escreveu: “Nunca fui mulherengo e repugna-me toda a pornografia. Tive adoração pela minha mulher e não quero voltar a casar.” E não voltou a casar.
É o poeta que de si traça este Retrato a abrir Campos de Castilha (1907-1917):
Mi infancia son recuerdos de un patio de Sevilla,
y un huerto claro donde madura el limonero;
mi juventud, veinte años en tierra de Castilla;
mi historia, algunos casos que recordar no quiero.
Ni un sedutor Mañara, ni un Bradomín he sido
– ya conocéis mi torpe aliño indumentário –,
mas recibi la flecha que me asignó Cupido,
y amé cuanto ellas pueden tener de hospitalario.
Hay en mis venas gotas de sangre jacobina,
pero mi verso brota de manantial sereno;
y, más que un hombre al uso que sabe su doctrina
soy, en el buen sentido de la palabra, bueno.
…
Poesia em que o verso brota de manantial sereno , encontra na natureza e na paisagem de Espanha fonte de inspiração. Por outro lado, a ternura pelas mulheres amadas ressoa longamente na sua poesia, como naquela
Tarde tranquila, casi
con placidez de alma,
para ser joven, para haberlo sido
quando Dios quiso, para
tener algunas alegrias… lejos,
y poder dulcemente recordarlas.
Após a perda da mulher, Leonor, é a Juan Ramon Jiménez que em longa e importante carta confessa: Cuando perdi a mi mujer pensé pegarme un tiro.
Amigos de longa data, conheceram-se nos primeiros anos do século, foi ao livro deste, Arias tristes, publicado em 1903, que dedicou o poema que segue e onde se capta a atmosfera de alguma da poesia de Jiménez, e tão bem sintetizada neste quarteto: Era un acorde lamento / de juventud y de amor / para la luna y el viento, / el agua y el ruiseñor.
A Juan Ramón Jiménez
Era una noche del mes
de mayo, azul y serena.
Sobre el agudo ciprés
brillaba la luna llena,
iluminando la fuente
en donde el agua surtía
sollozando intermitente.
Sólo la fuente se oía.
Después, se escuchó el acento
de un oculto ruiseñor.
Quebró una racha de viento
la curva del surtidor.
Y una dulce melodía
vagó por todo el jardín:
entre los mirtos tañía
un músico su violín.
Era un acorde lamento
de juventud y de amor
para la luna y el viento,
el agua y el ruiseñor.
«El jardín tiene una fuente
y la fuente una quimera…»
Cantaba una voz doliente,
alma de la primavera.
Calló la voz y el violín
apagó su melodía.
Quedó la melancolía
vagando por el jardín.
Sólo la fuente se oía.
São de cariz ora elegíaco, ora filosófico, os poemas reunidos em Provérbios y cantares que integram o livro Campos de Castilla entre os quais estes:
I
Nunca perseguí la gloria
ni dejar en la memoria
de los hombres mi canción;
yo amo los mundos sutiles,
ingrávidos e gentiles
como pompas de jabón.
Me gusta verlos pintarse
de sol e grana, volar
bajo el cielo azul, temblar
súbitamente y quebrarse.
XXIX
Caminante, son tus huellas / Caminhante, são teus rastos
el camino y nada más; / o caminho e nada mais;
caminante, no hay camino, / caminhante, não há caminho
se hace camino al andar. / faz-se o caminho ao andar.
Al andar se hace el camino, / Ao andar faz-se o caminho,
y al volver la vista atrás / e ao olhar-se para trás
se ve la senda que nunca / vê-se a senda que jamais
se ha de volver a pisar. / se voltará a pisar.
Caminante no hay camino / Caminhante, não há caminho,
sino estelas en la mar. / somente sulcos no mar.
Vai longo o artigo e há que pôr-lhe fim. Se tivesse que escolher apenas um poema da obra de Antonio Machado, escolheria este:
Anoche cuando dormía / De noite quando dormia
soñé ¡bendita ilusión! / sonhei, bendita ilusão!,
que una fontana fluía / que uma nascente fluía
dentro de mi corazón. / dentro do meu coração.
Dí: ¿por qué acequia escondida, / Por que ribeira escondida,
agua, vienes hasta mí, / água, vens tu até mim,
manantial de nueva vida / manancial de nova vida
en donde nunca bebí? / onde jamais eu bebí?
Anoche cuando dormía / De noite quando dormia
soñé ¡bendita ilusión! / sonhei, bendita ilusão!,
que una colmena tenía / que uma colmeia vivia
dentro de mi corazón; / dentro do meu coração;
y las doradas abejas / e as douradas abelhas
iban fabricando en él, / iam fabricando nele,
con las amarguras viejas, / com as amarguras velhas,
blanca cera y dulce miel. / branca cera e doce mel.
Anoche cuando dormía / De noite quando dormia
soñé ¡bendita ilusión! / sonhei, bendita ilusão!,
que un ardiente sol lucía / que um ardente sol luzia
dentro de mi corazón. / dentro do meu coração.
Era ardiente porque daba / Era ardente porque dava
calores de rojo hogar, / o calor de um rubro lar,
y era sol porque alumbraba / e sol porque alumiava,
y porque hacía llorar. / porque fazia chorar.
Anoche cuando dormía / De noite quando dormia
soñé ¡bendita ilusión! / sonhei, bendita ilusão!,
que era Dios lo que tenía / que era Deus o que eu trazia
dentro de mi corazón. / dentro do meu coração.
Noticia bibliográfica:
Das Poesías Completas de Antonio Machado em espanhol existem hoje diversas e acessíveis edições, por exemplo o nº 33 da Coleccíon Austral da Editorial Espasa Calpe. Em português encontram-se alguns poemas traduzidos na monumental e notável ANTOLOGIA DA POESIA ESPANHOLA CONTEMPORÂNEA, da responsabilidade – selecção e tradução – de José Bento, editada por Assírio & Alvim em 1985. As versões em português aqui transcritas foram retiradas dessa edição.
Noticia Pictográfica:
A foto é de Dorothea Lange (1895 – 1965). A cópia é contemporânea, obtida a partir do negativo original, propriedade da Biblioteca do Congresso dos EUA. A foto foi tirada nos anos 30 do século XX no âmbito do programa da FSA (Farm Security Administration).
Adoro o poema XXIX há muitos anos e não sabia o autor! Pensava que era de Pablo Neruda!lamento a ignorância e agora fiquei a saber. E gostei muito de todos os outros poemas da Antonio Machado. Obrigada.
GostarGostar
Son envolviente los poesias de Antonio Machado, qie denotan mucha sensilidad y reposo en nuestro corazón – mui bellas – Aquiles Settimi
GostarGostar