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Tag Archives: Picasso

Momentos de Paixão — alguns poemas de Rainer Maria Rilke

13 Quinta-feira Jun 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Erótica, Poetas e Poemas

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Picasso, Rainer Maria Rilke

Man and Nude Woman - 1967-3A voluptuosidade física é uma experiência dos sentidos, tal como o puro olhar ou a pura sensação com que um fruto se derrete na língua — é uma grande e infindável experiência que nos é proporcionada, um conhecimento do mundo, a plenitude e o esplendor de toda a sabedoria.
Das cartas a um jovem poeta, 16 de Julho de 1903.

Abro com esta citação de Rainer Maria Rilke (1875-1926), fresca e verdadeira nos seus 110 anos, que nos diz tão só:

A voluptuosidade física é uma experiência dos sentidos, … um conhecimento do mundo, a plenitude e o esplendor de toda a sabedoria.

Demora a humanidade a interiorizar esta verdade, enrolada em tabus e interditos, e apenas os artistas, na sua superior e antecipada compreensão do mundo, a vão transmitindo.

Untitled-56

Venho hoje com alguns belos poemas de Rilke onde o esplendor desta sabedoria se mostra e a volúpia lida com o absoluto da paixão.

Como eu te chamei! Apelos que ninguém ouvia
e que se dulcificaram em mim.
Agora, degrau a degrau penetro em ti
e o meu sémen sobe, de infantil alegria.
Ó montanha primeva do prazer!
Já sobe à tua íntima crista arfante,
já se aproxima. Entrega-te e sente
como te afundas se ele em cima acenar.

Untitled-27a

Não conheces torres, tu que feneces.
Mas vais descobrir uma agora
no fabuloso espaço que aflora
em ti. Fecha, como numa prece,
o rosto. Foste tu a levantá-la
sem dares por olhares e acenos de mão.
De súbito, é a plena perfeição,
e eu, homem feliz, posso habitá-la.
Ah, lá dentro é como um abraço!
Leva-me à cúpula com os teus afagos:
a ver se em tuas noites mansas lanço
com o ímpeto que põe ventres em fogo
mais sentimentos do que eu próprio alcanço.

Untitled-1a

Oh, não me eleves!
Quem sabe se me ergo.
Levanta apenas ao de leve o rosto
Para que, chovendo eu,
Quase te pareçam ser lágrimas tuas.

Se te assolar a minha tempestade,
coloca-te, direita, frente ao meu vento;
fecha as pálpebras ao meu sopro,
fica cega
desse simples ver-me.

Untitled-42a

Penso desnecessário clarificar no prosaico do vocabulário coloquial a intensa volúpia que escorre desta linguagem poética falando do esplendor do acto amoroso em variada fruição,

Termino com este precioso registo do sortilégio erótico que a escrita pode ter:

Ao escrever-te, saltou seiva
da máscula flor
que à minha humanidade
parece fértil e enigmática.

Sentirás tu, ao leres-me,
distante terna, a doçura
que no feminil cálice
espontânea corre?

Acompanham o artigo imagens da obra erótica da última fase de Picasso. Termino esta espécie de música com Mulher tocando bandolim, pintura de Picasso de 1909, dos primórdios do cubismo e grosso modo contemporânea destes poemas.

Picasso - Mulher tocando bandolim 1909Noticia bibliográfica

O fragmento da carta e os poemas foram transcritos do livro Momentos de Paixão, bela edição de Relógio D’Água Editores, com desenhos de Rodin, poesia e prosa de Rilke, em traduções de João Barrento, José Miranda Justo e Isabel Castro e Silva, Lisboa, 2004.

 

 

 

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Do amor e consequência com Juan de Mena

05 Quarta-feira Jun 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poesia Antiga

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Juan de Mena, Picasso

Reclining Nude with a Man Playing the Guitar - 1970-10Em mais um convite à cultura do século XV, arquivo no blog dois poemas de Juan de Mena (1411-1456), poeta espanhol grosso modo contemporâneo do francês François Villon (1431-1464) de artigo recente.

É outro o assunto desta poesia e é outra também a delicadeza da versificação.

Regresso ao deleite do amor e à sua explicitação poética, alargando a evidência de quanto o assunto é importante para a humanidade e capaz de inspirar as mais delicadas manifestações do espírito.

Depois de ontem, pela voz de Herberto Hélder (1930), sabermos poeticamente como a visita da amada transforma a noite em arco-íris, hoje Juan de Mena conta-nos, numa canção, do sofrimento de deixar os braços da amada:
…
oh, que morte que perdi / em viver, quando parti / dos braços de minha dama.

Canção

Onde estou eu nesta cama,
a maior dor que senti
é pensar quando parti
dos braços de minha dama.
Junto ao mal com que contendo
por estarmos longe nós,
tantas vezes me arrependo
quantas me lembro de vós:
tanto que espalham a fama
que por isso adoeci
os que sabem que parti
dos braços de minha dama.
Embora eu sofra e me cale,
esta queixa não menos perto
a acho, para meu mal,
quanto de vós eu deserto.
Se meu fim é que me chama,
oh, que morte que perdi
em viver, quando parti
dos braços de minha dama.

Conhecido que está o efeito da separação quando se ama, vejamos o efeito de um amor não respondido nestes perdidos tempos de há quase 600 anos:

Primeiro o coup-de-foudre:

Vossos olhos me fitaram / com tão discreto fitar, / feriram e não deixaram / em mim nada por matar.

L'aubade - 1965-4
Depois, a ausência de resposta satisfatória:

Eles, inda não contentes / com minha mente vencida, / dão-me tão cruéis tormentos / que atormentam minha vida:

depois que me dominaram / com tão discreto fitar, / feriram e não deixaram / em mim nada por matar.

Conclui-se a canção com o despeito de amor não correspondido, como provavelmente na humanidade de hoje também acontece:

Para crer no que tu vejas, / na minha pena dorida, / dê-te Deus tão triste vida /
que ames e nunca sejas / amada nem bem querida.

E com esta vida tal / penso bem que tu crerás / no tormento sem igual / que, sem eu merecer, me dás.
Já que morte me desejas, / sem por mim ser merecida, / dê-te Deus tão triste vida
que ames e sempre sejas / desamada e mal querida.

Deixo-vos com a canção sem mais intromissões.

Canção

Vossos olhos me fitaram
com tão discreto fitar,
feriram e não deixaram
em mim nada por matar.
Eles, inda não contentes
com minha mente vencida,
dão-me tão cruéis tormentos
que atormentam minha vida:
depois que me dominaram
com tão discreto fitar,
feriram e não deixaram
em mim nada por matar.
Para crer no que tu vejas,
na minha pena dorida,
dê-te Deus tão triste vida
que ames e nunca sejas
amada nem bem querida.
E com esta vida tal
penso bem que tu crerás
no tormento sem igual
que, sem eu merecer, me dás.
Já que morte me desejas,
sem por mim ser merecida,
dê-te Deus tão triste vida
que ames e sempre sejas
desamada e mal querida.

Traduções de José Bento in Antologia da Poesia Espanhola das Origens ao Século XIX, ed. Assírio & Alvim, Lisboa 2001.

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Visita da Mulher Amada – poema de Herberto Helder a partir de poema arábico-andaluz

04 Terça-feira Jun 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poetas e Poemas

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Herberto Helder, Picasso

The Lovers - 1923-13Vieste um pouco antes de soarem os sinos cristãos, quando o crescente lunar se abria no céu,

como a branca sobrancelha de um velho ou a curva delicada de um pé.

E, apesar da noite, o arco-íris brilhou no horizonte, o arco de muitas cores, cauda enorme de pavão.

(Ben Hazm)

Espécie de condensada versão de O Amor em Visita, famoso poema de Herberto Helder (1930), neste poema de Ben Hazm mudado para português encontramos tudo o que a imaginação precisa para reconhecer o esplendor do acto: E, apesar da noite, o arco-íris brilhou no horizonte

O original do poema vem atribuído, sem mais informação, a Ben Hazm, poeta arábico-andaluz que não consegui identificar.
Como a ortografia dos nomes árabes não está normalizada em português, poderá tratar-se, ou não, de Ibn Hazm Al-Andalusí, filósofo-poeta, autor de O Colar da Pomba, ainda que nesta obra não tenha conseguido encontrar um original que pudesse ter conduzido a esta versão.
Ficam pois os leitores com o belo poema em português, e com a curiosidade não satisfeita de qual o original que lhe deu origem.

O poema de Herberto Helder vem publicado em O Bebedor Nocturno poemas mudados para português, qual êxtase poético para quem à noite procure embebedar-se com poesia. O livro foi publicado por Assírio & Alvim, Lisboa 2010.

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O sexo e a idade II — Picasso e soneto de Fernando Assis Pacheco

03 Segunda-feira Jun 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poetas e Poemas

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Fernando Assis Pacheco, Picasso

Dois bebedores catalães 1934-16Há dias, quando tomávamos cerveja, eu e o meu filho, ele explicava-me as exigências rituais do brinde berlinense sob pena de o não as observar conduzir a sete anos de mau sexo.
Isso, nem pensar! Os que sobram já são poucos, exclamei.

Na verdade, a vida é finita, e por mais ajuda de Viagra, o fim chegará. Aí resta a memória, e felizes os homens que possam lembrar para si algo parecido com o que este soneto/homenagem de Fernando Assis Pacheco (1937-1995) deixa transparecer.

Pus-vos a mão um dia sem saber
que tão robusta e certa artilharia
iria pelos anos fora ser
sinal também de lêveda alegria

amigos meus colhões quanto prazer
veio até mim em vossa companhia
a hora que tiver já de morrer
morra feliz por tanta cortesia

adeus irmãos é tempo de ceder
à dura lei que manda arrefecer
o fogo leviano em que eu ardia

camaradas leais do bem foder
o brio a fleuma cumpre agradecer
sem vós teria sido uma agonia

Lisboa
29-XI-94, 23-XII-94

Soneto publicado no livro Respiração Assistida, edição Assírio & Alvim, Lisboa, 2003.

1966-2Este desenho de Picasso, de 1966, é certeiro na elucidação do papel dos testículos na vida sexual de um homem (veja-se a figuração que conduz ao entumescimento ou não), como o soneto, de outra forma, refere.

Acrescento agora, em continuação do artigo anterior, algumas gravuras de Picasso (1881-1973), desta vez não de 1970, mas produzidas pouco antes, em 1968, tinha o pintor 87 anos, e conhecidas como Raphael e a Fornarina. Nesta série, ao par amoroso, pintor e amante, em actividade sexual, surge-nos uma figura tutelar observando os amorosos. Interpretações psicanalíticas falam do pai do artista, figura presente no seu imaginário e que aqui se liberta. Outras interpretações associam antes esta figuração à impotência sexual de Picasso que no anterior artigo referi. A leitura terá outra complexidade psicológica se se conhecer a biografia de Raphael, a tempestuosa relação com a que ficou conhecida por Fornarina, e a forma como as mulheres amadas por Picasso participaram da sua pintura, aspectos pontualmente abordados no blog e a que no futuro certamente voltarei. Por agora este pequeno grupo de gravuras permite ilustrar o poder do erótico na mente humana para além da idade biológica.

picasso11

picasso10

picass014

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Rafael e a Fornarina 1968-15

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O sexo e a idade I — Picasso e Tentação de Miguel Torga

02 Domingo Jun 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Crónicas, Poetas e Poemas

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Miguel Torga, Picasso

Untitled-32

Tal como os filhos olham para os pais como entidades assexuadas, sendo para eles quase impossível imaginá-los nos transportes do amor, ainda que seja exactamente por tal ter acontecido que eles nasceram, todos nós quando jovens adultos, temos dificuldade em imaginar tumultos eróticos quando a vida avança para aqueles patamares onde as chamadas terceira e quarta idades aparecem. Eles existem com a acutilancia inerente à biologia de cada um: Que me queres, nesta idade sonolenta / Dos sentidos? diz o poeta.

Recordo hoje frequentemente o que nos meus vinte anos me dizia um senhor com quem amiúde conversava: a idade avança mas só o corpo envelhece, a cabeça fica sempre a mesma — e com isto referia-se ao desejo sexual.

Ocorre-me toda esta conversa a propósito do poema Tentação de Miguel Torga (1907-1995) onde, com o pudor que o caracteriza, disso dá conta:

Tentação

Vénus lançada à praia pelo mar inquieto,
Inquietas os meus olhos, sátiros cansados.
Vem de ti uma luz que o sol não tem,
E sozinha povoas o areal.
Que me queres, nesta idade sonolenta
Dos sentidos?
Lembrar-me e convidar-me a renegar
Os desejos despidos?
Como se algum poeta se esquecesse
E arrependesse
Dos antigos pecados cometidos!

O poema foi escrito na Praia do Pedrógão a 22 de Agosto de 1981, tinha o poeta 74 anos, portanto, e foi publicado no volume XIII do Diário.

Se na poesia este envelhecimento surge, nas artes plásticas também o encontramos.

Picasso (1881-1973) para o final da vida, e já perto dos 90 anos, produziu varias series de gravuras eróticas.

Untitled-19

No grupo que escolhi hoje, obras de 1970, a mulher surge como pretexto de veneração e aproximação táctil, e não já envolvida no acto sexual explicito como em series anteriores acontecera.

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São obras de arte onde de alguma maneira o artista exorcizou a conhecida impotência sexual que o atingiu à época, fazendo-o não partícipe, mas desejoso, dos prazeres do sexo.

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Picasso pelo Dia da Mãe

05 Domingo Maio 2013

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Picasso

Mother and Child - 1963-34

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Máxima de Alfred Jarry e pintura de Picasso

29 Segunda-feira Abr 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Crónicas

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Alfred Jarry, Picasso

Man and Nude Woman - 1969-1aAo olhar esta pintura de Picasso (1881-1973),  do final da vida – 1969, e interrogando-me sobre que conversariam os personagens, ocorreu-me,  perante o ar dubitativo da jovem mulher que tapa os ouvidos, que talvez o homem filosofasse tentando esconder os efeitos da idade e lhe citasse Alfred Jarry (1873-1907):

“L’amour est un acte sans importance, puisqu’on peut le faire indéfiniment.“

ou em português:

“O amor é um acto sem importância, uma vez que o podemos fazer indefinidamente.”

Será?

Até que acabe podemos sempre pensá-lo!

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Picasso – o período azul

28 Domingo Abr 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte

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Picasso

1901-19

Embora correspondendo a um curto período no inicio da carreira de Picasso (1881-1973), nos 20 anos do pintor, a fase azul (1901-1904), contém um conjunto de obras-primas de uma singularidade surpreendente na obra do mestre, e impar no contexto da época que as viu nascer.

Radicam elas, em assunto, no realismo de final do século XIX, dando a ver a condição miserável das gentes. Mas é na técnica pictórica que se revela a sua profunda originalidade e carácter único.

Na técnica do desenho, o afastamento da escola realista é total, oferecendo as pinturas uma ausência de perspectiva no envolvimento do assunto principal, sendo o preenchimento do espaço feito no máximo com justaposição de planos, permitindo antecipar o que seria a concepção cubista da representação espacial.

Num tempo em que o colorido da natureza triunfava e a fantasia fauvista fazia da alacridade o motivo, as pinturas do período azul de Picasso surgem nimbadas de monocromia, com um domínio absoluto do azul, revelando de forma pungente a desolação e crueza de uma existência que a pintura escolhia como assunto e um desenho de mestre tornava eternamente vívidas.

São pinturas de gente, em retrato, em grupo ou em actividades de sobrevivência, onde numa ou outra um simbolismo de religiosidade cristã sobressai.

Aqui fica uma pequena escolha. A abrir, a originalidade do retrato: na técnica e no assunto.

Woman with Her Hair Up - 1904-5

Celestina or Woman with a Cast - 1904-1

A vida…

La Vie (Life) - 1903-19

o seu simbolismo…

Mother and Child on the Seashore - 1902-7

e o vivê-la.

Poor People on the Seashore - 1903-20

The Blind Man's Meal - 1903-16

The Old Guitar Player - 1903-3

The Old Jew (Blind Old Man and Boy) - 1903-4

Termino com os esperançosos casais deste inicio do século XX.

1903-9

The Two Friends - 1904-8

The Couple - 1904-10

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Fragmentos de Álvaro de Campos

10 Quarta-feira Abr 2013

Posted by viciodapoesia in Crónicas, Poetas e Poemas

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Álvaro de Campos, Fernando Pessoa, Picasso

Bust of a Man - 1972-2

Ora até que enfim…, perfeitamente…
Cá está ela!
Tenho a loucura exactamente na cabeça.

Meu coração estourou como uma bomba de pataco,
E a minha cabeça teve o sobressalto pela espinha acima…
…

*

Arrumar a vida, pôr prateleiras na vontade e na acção.
Quero fazer isto agora, como sempre quis, com o mesmo resultado;
Mas que bom ter o propósito claro, firme só na clareza, de fazer qualquer coisa!

Vou fazer as malas para o Definitivo,
Organizar Álvaro de Campos,
E amanhã ficar na mesma coisa que antes de ontem – um antes de ontem que é sempre…
Sorrio do conhecimento antecipado da coisa-nenhuma que serei.
Sorrio ao menos; sempre é alguma coisa o sorrir…
Produtos românticos, nós todos…
E se não fôssemos produtos românticos, se calhar não seríamos nada.
Assim se faz a literatura…
Santos Deuses, assim até se faz a vida!
…

*
Não sei. Falta-me um sentido, um tacto
Para a vida, para o amor, para a glória…
…

Ainda que seja pouco adequado transcrever de um poema apenas um seu fragmento, cortando-lhe eventualmente o sentido que o conjunto revela, há versos que nos tocam por vezes como faíscas e queimam à flor da pele.

Alguns desses que no acaso do folhear, a leitura foi soltando, resolvi aqui transcrever, com as minhas desculpas aos puristas que considerem tal feito um atentado às obras. A totalidade de cada poema pode ser sempre encontrada a partir do primeiro verso, trancrito, em qualquer edição da obra de Alvaro de Campos.

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Carpe diem, Odes, Livro 1, 11, de Horácio, no 500º artigo do blog

03 Domingo Fev 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Crónicas, Poesia Antiga

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Horacio, Picasso

Picasso_Pablo-Figures_on_a_BeachPublico hoje o quingentésimo artigo no blog. Longe de veleidades de especialista, e apenas como homem comum que encontra prazer nas matérias do intelecto e do corpo, tenho preenchido o blog com artigos ao sabor do que ao espírito me ocorre, flanando nos acasos de leituras e acontecimentos.

No propósito de atribuir um significado especial a este artigo, de alguma maneira simbólico deste escrever, escolhi a Ode a Leucónoe de Horácio (65 a.C.- 8 a.C.), ode nº11 do Livro 1 das Odes, conhecida pelo seu último verso:

carpe diem, quam minimum credula postero.

Esta ode tem, ao longo dos séculos, despedaçado os esforços daqueles que defendem uma vida de sacrifício em prol de um além de maravilhas. E a ode dirigida a uma mulher, Leucónoe, diz tão só: não sabemos que vida nos espera para além da morte, os deuses sabem o que nos convém ainda que o não entendamos, por isso, aproveita o dia que passa.

Isto é dito na concisão do latim, numa forma poética que não cessa de encantar gerações e a que as traduções apenas trazem uma pálida aproximação.

Antes de passar às traduções, e para o leitor poder saborear o verso, aqui fica o original em latim:

1 Tu ne quaesieris — scire nefas — quem mihi, quem tibi
2 finem di dederint, Leuconoe, nec Babylonios
3 temptaris numeros. Ut melius, quidquid erit, pati,
4 seu plures hiemes, seu tribuit Iuppiter ultimam,

5 quae nunc oppositis debilitat pumicibus mare
6 Tyrrhenum: sapias, vina liques, et spatio brevi
7 spem longam reseces. Dum loquimur, fugerit invida
8 aetas: carpe diem, quam minimum credula postero.

Começo uma volta pelas traduções que conheço, com um fragmento da ode inserido em Literatura de Roma Antiga.

Não indagues — sacrílego é sabê-lo — que fim nos tenham, a mim e a ti, destinado os deuses
…
melhor será suportar o que vier
…

sê sábia, coa o vinho e encerra em curto espaço a longa esperança.
Ainda estamos a falar, e já o tempo malfazejo nos terá escapado:
colhe o hoje e preocupa-te o menos possível com o amanhã

Continuemos neste percurso com a versão, poeticamente conseguida, de David Mourão-Ferreira:

Não procures, Leucónoe — ímpio será sabê-lo —,
que fim a nós os dois os deuses destinaram;
não consultes sequer os números babilónicos:
melhor é aceitar! E venha o que vier!
Quer Júpiter te dê inda muitos Invernos,
quer seja o derradeiro este que ora desfaz
nos rochedos hostis ondas do mar Tirreno,
vive com sensatez destilando o teu vinho
e, como a vida é breve, encurta a longa esp’rança.
De inveja o tempo voa enquanto nós falamos:
trata pois de colher o dia, o dia de hoje,
que nunca o de amanhã merece confiança.

Sigo com duas traduções a que chamaria, talvez, filológicas, pela sua tentativa de devolver em português o significado literal das expressões do poema original.

Primeiro, a mais antiga, da ilustre e operosa professora Maria Helena da Rocha Pereira:

Não pudemos, Leucónoe, saber — que não é lícito — qual o fim
que os deuses a ti ou a mim quererão dar,
nem arriscar os cálculos babilónios. Quão melhor é sofrer o que vier,
quer sejam muitos os invernos que Jove nos der, quer seja o último
este, que agora atira o Mar Tirreno contra as roídas rochas.
Sê sensata, filtra o teu vinho e amolda a curto espaço
uma longa esperança. Enquanto falamos, terá fugido o invejoso tempo.
Colhe a flor do dia, pouco fiando do que depois vier a suceder.

Agora a recente tradução de Pedro Braga Falcão substancialmente devedora da anterior, sobretudo nos versos 6 e 7:

Tu não perguntes ( é-nos proibido pelos deuses saber) que fim a mim, a ti,
os deuses deram, Leucónoe, nem ensaies cálculos babilónicos.
Como é melhor suportar o que quer que o futuro reserve,
quer Júpiter muitos invernos nos tenha concedido, quer um último,

este que agora o Tirreno mar quebranta ante os rochedos que se lhe opõem.
Sê sensata, decanta o vinho, e faz de uma longa esperança
um breve momento. Enquanto falamos, já invejoso terá fugido o tempo:
colhe cada dia, confiando o menos possível no amanhã.

Colhendo a lição das traduções anteriores, termino a propor uma minha versão para tão intemporal poema:

Não indagues, Leucónoe — sacrílego é sabê-lo — que fim, a mim e a ti,
os deuses destinaram, nem astrológicas(*)
previsões procures. Melhor é suportar o que vier,
quer muitos invernos Júpiter nos dê, quer seja o último,
este, que agora desfaz nas gastas rochas, as ondas do mar Tirreno.
Sê sensata, decanta o vinho, amolda à vida breve
a longa expectativa. Nós falamos, e o invejoso tempo voa:
colhe cada dia, acredita pouco no que amanhã virá.

(*) nec Babylonios traduzível por cálculos babilónicos ou babilónios, refere-se à arte da astrologia desenvolvida na Babilónia, e muito em voga entre os romanos à época, daí a versão que preferi.

Noticia bibliográfica

Tradução de David Mourão-Ferreira in Vozes da Poesia Europeia I, Revista Colóquio Letras, nº163

Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira in ROMANA, 6ªedição aumentada, Guimarães, 2010

Tradução de Pedro Braga Falcão in Horácio, Odes, Livros Cotovia, 2008

Fragmento in Literatura de Roma Antiga, Direcção de Mario Citroni, FCG, 2006. A revisão da tradução da obra é de Walter de Sousa Medeiros

Duas notas sobre a ilustração do artigo

Só podiam ser obras de Picasso dando conta do prazer de viver, as ilustrações para o artigo. Pela obra do artista, uma permanente alegoria desse prazer, e pelo meu gosto pessoal, que nesta obra encontro fonte de recorrente felicidade. E nela, o hedonismo da praia, o mar, o corpo ao sol, afinal o prazer do hoje, na sedução do beijo da amada que abre o artigo, e a inocente brincadeira familiar com que o fecho.

Picasso_Pablo-On_the_Beach

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