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Tal como os filhos olham para os pais como entidades assexuadas, sendo para eles quase impossível imaginá-los nos transportes do amor, ainda que seja exactamente por tal ter acontecido que eles nasceram, todos nós quando jovens adultos, temos dificuldade em imaginar tumultos eróticos quando a vida avança para aqueles patamares onde as chamadas terceira e quarta idades aparecem. Eles existem com a acutilancia inerente à biologia de cada um: Que me queres, nesta idade sonolenta / Dos sentidos? diz o poeta.
Recordo hoje frequentemente o que nos meus vinte anos me dizia um senhor com quem amiúde conversava: a idade avança mas só o corpo envelhece, a cabeça fica sempre a mesma — e com isto referia-se ao desejo sexual.
Ocorre-me toda esta conversa a propósito do poema Tentação de Miguel Torga (1907-1995) onde, com o pudor que o caracteriza, disso dá conta:
Tentação
Vénus lançada à praia pelo mar inquieto,
Inquietas os meus olhos, sátiros cansados.
Vem de ti uma luz que o sol não tem,
E sozinha povoas o areal.
Que me queres, nesta idade sonolenta
Dos sentidos?
Lembrar-me e convidar-me a renegar
Os desejos despidos?
Como se algum poeta se esquecesse
E arrependesse
Dos antigos pecados cometidos!
O poema foi escrito na Praia do Pedrógão a 22 de Agosto de 1981, tinha o poeta 74 anos, portanto, e foi publicado no volume XIII do Diário.
Se na poesia este envelhecimento surge, nas artes plásticas também o encontramos.
Picasso (1881-1973) para o final da vida, e já perto dos 90 anos, produziu varias series de gravuras eróticas.
No grupo que escolhi hoje, obras de 1970, a mulher surge como pretexto de veneração e aproximação táctil, e não já envolvida no acto sexual explicito como em series anteriores acontecera.
São obras de arte onde de alguma maneira o artista exorcizou a conhecida impotência sexual que o atingiu à época, fazendo-o não partícipe, mas desejoso, dos prazeres do sexo.