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vicio da poesia

Category Archives: Poesia Antiga

A criação divina e os poderes da mulher num poema de Anacreontea

02 Segunda-feira Out 2017

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

≈ 2 comentários

Continuo as voltas poéticas pela beleza feminina, desta feita o seu poder, com um poema (24) da colecção de Anacreonteas, poesias à maneira de Anacreonte, compostas bastante mais tarde, e das quais já falei no blog.

 

Detalhes sobre esta colecção de poesias encontram os leitores no artigo [Anacreontica XXXIII].

 

Mas voltando ao poema de hoje, trata o poema de especificar as capacidades que o criador distribuiu de forma diferenciada entre as espécies animais incluindo homens e mulheres.
Nesta distribuição assimétrica, tendo o criador deixado para o final a mulher, quando a ela chegou, apenas a beleza que seduz lhe sobrava. Daí as mulheres a terem recebido na abundância e características que lhes permitem, ao usá-la, derrotar qualquer homem, e todos sabemos como a beleza reveste as mais variadas formas.

 

Do poema grego original transcrevo quatro versões: uma primeira pela pena inspirada de António Feliciano de Castilho (1800-1875). Acompanhando a par e passo o poema original, dá-nos uma graciosíssima poesia em português.
Também o jovem Almeida Garrett (1790-1854) pelos seus trinta anos se mediu com o poema, embora com resultado poeticamente menos feliz que Castilho, e aqui também arquivo.
A seguir, uma tradução actual, fiel do original grego, sem preocupação de fazer poesia em português, por  Carlos A. Martins de Jesus.
Finalmente, Francisco M. G. da Silveira Malhão (1757-1809) dá-nos uma paráfrase com algumas liberdades poéticas em relação ao poema original.

 

Conservei os títulos atribuídos pelos diversos tradutores.

 

Vejamos primeiro Das Mulheres, versão por António Feliciano Castilho:

 

 

Das Mulheres

Deu ao touro a natureza
duras pontas por defesa;
ao corcel a pata bruta;
pé volante à lebre hirsuta;
ao leão presas tiranas.
Deu ao peixe as barbatanas;
vôo ao pássaro; ao varão
deu enfim, deu a razão.

À mulher a natureza
já não tinha mais que dar!…
Tinha apenas a beleza;
só com isso a pode armar.
Quem por lança e por escudo
tem beleza, que mais quer?
Vencem ferro, e fogo, e tudo,
os encantos da mulher.

 

 

 

Na mesma linha de aproximação fiel ao original e com preocupação de poesia em português, A Força da Mulher, versão de Almeida Garrett:

 

A Força da Mulher

Ao touro deu corneas pontas
A próvida natureza,
Deu à lebre a ligeireza,
E a dura pata ao corcel.

A voar ensina as aves,
A nadar ao peixe mudo;
E deu ao leão sanhudo
O dente destruidor:

Aos homens deu a prudência;
À mulher não pôde dá-la…
Acaso quis deserdá-la,
Ou então com que a dotou?

Por armas e por defesa
Deu-lhe as formas engraçadas
Que o ferro, o fogo, as espadas,
Que tudo podem vencer.

 

 

 

A seguir, a tradução directa a partir do grego por Carlos A. Martins de Jesus:

 

 

A Natureza chifres aos touros
deu e cascos aos cavalos,
agilidade de pés às lebres,
aos leões uma boca com dentes,
aos peixes a aptidão de nadar,
às aves a capacidade de voar
e aos homens a inteligência:
para as mulheres nada restava.
Que fazer? Deu-lhes a beleza
em vez de todos os escudos,
em vez de todas as espadas.
E vence mesmo sobre o ferro
e o fogo a mulher que seja bela.

 

 

 

Finalmente a paráfrase de Francisco Manoel Gomes da Silveira Malhão, Ao poder da formosura, dando conta da fluência versificatória que caracteriza a sua poesia:

 

 

Ao poder da formosura

Ao toiro, ao cavalo, às aves,
Aos mudos peixes do mar,
Deu prudente a natureza
Com que a força repulsar.

Ao toiro pôs-lhe na fronte
As pontas de arremeter;
Ao cavalo deu nas patas
Com que fugir, e ofender.

Às aves deu leves penas
Que fendem os densos ares,
Aos peixes as barbatanas
Que rasgam os fundos mares.

Ao leão sanhudo, e fero,
Além das garras valentes,
Deu-lhe boca larga, e funda,
Armada de agudos dentes.

Ao homem, este ser dotado
De mais alta perfeição,
Deu-lhe madura prudência,
Deu-lhe sagrada razão.

Por acaso das mulheres
A mãe comum se esqueceu?
Esgotou os seus tesoiros!
E ao frágil sexo que deu?

Deu-lhe mais; deu-lhe a beleza,
Impenetrável escudo!
Arma por si mais valente,
Que ferro, que fogo, e tudo!

Porque o rosto feiticeiro,
Duma galante mulher,
Abranda o peito mais duro,
Resiste ao maior poder.

 

 

Em apêndice, e para os leitores de grego, a versão do poema hoje generalizadamente aceite.

 

24
Φύσις κέρατα ταύροις,
ὁπλὰς δ’ ἔδωκεν ἵπποις,
ποδωκίην λαγωοῖς,
λέουσι χάσμ’ ὀδόντων,
τοῖς ἰχθύσιν τὸ νηκτόν,
τοῖς ὀρνέοις πέτασθαι,
τοῖς ἀνδράσιν φρόνημα·
γυναιξὶν οὐκέτ’ εἶχεν.
τί οὖν; δίδωσι κάλλος
ἀντ’ ἀσπίδων ἁπασῶν,
ἀντ’ ἐγχέων ἁπάντων·
νικᾶι δὲ καὶ σίδηρον
καὶ πῦρ καλή τις οὖσα.

 

 

Notícia bibliográfica

 

Poemas transcritos das seguintes obras:

António Feliciano de Castilho (1800-75), A Lyrica de Anacreonte, Paris, 1866;

Almeida Garrett (1790-1854), Flores sem fruto; Lisboa, IN, 3ª Ed., 1874;

Francisco da Silveira Malhão (1757-1809), As Odes de Anacreonte Parafraseadas, Impressão Regia, Lisboa, 1804;

Carlos A. Martins de Jesus, Anacreontea, Poemas à maneira de Anacreonte, editor José Ribeiro Ferreira, colecção Florir Perene nº 12, Coimbra, 2000.

 

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Da beleza numa fábula de Filinto Elísio com passagem pelo filósofo Kant

28 Quinta-feira Set 2017

Posted by viciodapoesia in Crónicas, Poesia Antiga

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Bernardo Strozzi, Diego Velasquez, Filinto Elísio, Immanuel Kant, Quentin MASSYS

Isto da beleza tem muito que se lhe diga. Ainda que pareça existir um cânon universalmente aceite sobre o que é belo (estou apenas a falar da beleza física), basta começar a listar onde identificamos a beleza para que a controvérsia surja. E a poesia ecfrástica a começar no Cântico dos Cânticos está aí para o provar.

Fundamentalmente subjectivo, o juízo sobre o belo dificilmente põe de acordo duas pessoas, e logo que sobre si próprios se debrucem, a disparidade não pode ser maior.

Nesta volúvel conversa, não resisto a citar o filósofo Immanuel Kant (1724-1804):

…
Se uma certa porção de vaidade em nada diminui uma mulher aos olhos do sexo masculino, não obstante, quando tal se torna mais visível, contribui para dividir o belo sexo. Elas julgam-se entre si muito duramente, quando se percebe que uma obscurece os encantos das demais, e as que têm grandes pretensões de sedução raras vezes são amigas, no verdadeiro sentido da palavra.
…

 

O nosso sábio filósofo, atribuindo-se o papel de árbitro, que não exactamente o de Páris na lenda, mas entre o que respeita a homens e a mulheres, antes escrevera:

…
A virtude da mulher é uma virtude bela, a do sexo masculino deve ser uma virtude nobre.
…
A vaidade que se costuma reprovar ao belo sexo, se é defeito, é então um defeito belo. Pois, os homens tão dados a galantear as senhoras, mais não fazem do que avivar os seus encantos e ficariam numa situação delicada, se elas não estivessem dispostas a aceitar os seus avanços lisonjeadores. Esta inclinação é o estímulo a mostrar-se receptivo e a observar o decoro, para dar livre curso a uma jovialidade espirituosa, e também a brilhar através das invenções volúveis do traje se lhe realçam beleza. Nisto nada há de ofensivo para os outros, aliás, se inspirada pelo bom gosto, é coisa tão encantadora que seria má educação censurá-la com críticas peguilhantes.
…
(1)

Esta reflexão sobre a condição feminina no século XVIII é contemporânea da avaliação feminino/masculino feita na fábula de Filinto Elisio (1734-1819) por interpostos animais, macaca e burro, como convém a estas moralidades, e que a seguir transcrevo.

 

A macaca e o burro

No cristal de uma fonte clara e pura
Uma macaca estava contemplando
             a sua formosura:
Os momos*, e os pulinhos revezando,
Da sua presunção indícios dava.
E de ser bela, com prazer, gozava.
           Um burro, que pastava
Não longe do mostrengo presunçoso,
Condoído as orelhas sacudia.
           E consigo dizia:
Se, ao menos, o meu porte grave e airoso;
Se a minha voz tonante ela tivera,
De ser vaidosa, a permissão lhe eu dera.

* macaquices

Temos assim esboçados claros exemplos das virtude bela e virtude nobre na distinção precisa do nosso filósofo.

Na fábula estamos perante três interlocutores: a macaca, o burro, e o leitor. Se no texto da fábula fica claro como os protagonistas se vêm a si próprios; ao leitor, o entendimento da qualidade e extensão da beleza é aspecto em aberto, deixando à sua sensibilidade a  liberdade de avaliar.

(1) in Immanuel Kant de Observações sobre o sentimento do belo e do sublime, tradução de Pedro Panarra, Edições 70, Lisboa, 2017.

Abrem e fecham o artigo dois extremos de beleza canónica: A Vénus ao espelho pintada por Diego Velasquez (1599-1660), e A velha marquesa imortalizada por Quentin Massys (1466-1530). Pelo meio temos uma mulher de idade a cuidar do seu aspecto, pintada por Bernardo Strozzi (1581-1644) em 1635. Nos seus contrastes e simbologia revelam as diferenças entre o ideal e o real na nossa imaginação.

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E as lágrimas deixai para a noite da separação — poema de Al-Mutanabbi(?)

26 Terça-feira Set 2017

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Al-Mutanabbi, Reza Abbasi

A expressão emocional através dos olhos é indissociável do género humano e os poetas embrulham-se nela das mais diversas formas e um pouco em todas as épocas e latitudes. Apenas o génio poético reflecte a maior ou menor felicidade na sua enunciação.

Hoje viajamos até ao médio-oriente, ao encontro de uma sua formulação especialmente feliz, num poema atribuído a Al-Mutanabbi (915-965), nascido no Iraque, e poeta maior do panteão árabe ao tempo da desintegração do califado dos Abássidas. (E como a história desses tempos ilumina as lutas de hoje por Síria e Iraque).

 

Poema

Chegou-me uma carta da amada dizendo que virá,
e os meus olhos inundaram-se de lagrimas;

venceu-me a felicidade a tal ponto
que esta enorme alegria me fez chorar.

Olhos meus, as lágrimas são vosso costume
e chorais na felicidade e no desgosto,

recebei com semblante risonho o dia do encontro
e as lágrimas deixai para a noite da separação.

 

Citado em Teresa Garulo, Diwan de las poetisas de Al-Andalus, Ediciones Hiperión, Madrid, 1998.

Tradução de Carlos Mendonça Lopes

 

Abre o artigo a imagem de uma miniatura persa por Reza Abbasi (1565 – 1635), de 1634, representando um jovem português, que bem podia ficar comovido até às lágrimas com a notícia da visita da amada distante.

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De Almeida Garrett ao filósofo Alain

24 Domingo Set 2017

Posted by viciodapoesia in Crónicas, Poesia Antiga

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Alain, Almeida Garrett

Uma das vantagens do sonho em relação à realidade é a possibilidade de com ele fugir à dor. Isto mesmo escreve Almeida Garrett (1799-1854) no poema Quando Eu Sonhava:

…
Uma quimera, um vão sonho,
Eu sonhava — mas vivia:
Prazer não sabia o que era,
Mas dor, não na conhecia …

 

 

Com efeito, enquanto sonhamos, dispensamos as dificuldades da realidade no processo de conseguir o que nos fará feliz.

 

 

Como refere o filósofo francês Émile-Auguste Chartier, conhecido pelo pseudónimo Alain (1868-1951), num dos seus Propos —… sobretudo, o que me parece evidente, é que é impossível ser-se feliz se não se quer sê-lo;—.
A afirmação não é apenas retórica. Se olharmos dentro de nós sem subterfúgios ou desculpas e perguntarmos até onde estamos dispostos a ir para ser felizes, veremos quanto os obstáculos aparentemente intransponíveis nos tolhem o caminho.

 

Esta atitude do pensar explicitada por Alain é a menos comum de todas: a de que é preciso querer ser feliz para eventualmente o ser. E Almeida Garrett no poema Quando Eu Sonhava dá a visão mais comum: a imobilidade como solução para não correr riscos, trocando-os pelos sonhos que os permitem iludir.

 

 

 

Quando Eu Sonhava

 

Quando eu sonhava, era assim
Que nos meus sonhos a via;
E era assim que me fugia,
Apenas eu despertava,
Essa imagem fugidia
Que nunca pude alcançar.
Agora, que estou desperto,
Agora a vejo fixar…
Para quê? — Quando era vaga,
Uma ideia, um pensamento,
Um raio de estrela incerto
No imenso firmamento,
Uma quimera, um vão sonho,
Eu sonhava — mas vivia:
Prazer não sabia o que era,
Mas dor, não na conhecia …

 

in Folhas Caídas.

 

 

 

E retomo a exortação de Alain:
… é sempre difícil ser feliz; é um combate contra muitos acontecimentos e contra muitos homens; pode acontecer que se seja vencido; há sem qualquer dúvida acontecimentos inultrapassáveis e desgraças mais fortes que o estóico aprendiz; mas o dever mais claro é, talvez, nunca se admitir vencido antes de ter lutado com todas as forças. E sobretudo, o que me parece evidente, é que é impossível ser-se feliz se não se quer sê-lo; é preciso portanto querer a própria felicidade e construí-la.

 

 

Aqui ficam as afirmações e o conselho de um homem sábio, para quem a vida foi o desafio de a viver na sua diversidade e prazer, conhecendo a guerra por experiência própria, e os homens nas suas situações limite.
É um filósofo fora de moda para prejuízo de quem se dispensa de pensar pela própria cabeça e se limita a seguir pelos caminhos seguros do já conhecido.

 

 

Não sei de traduções em português de obras do filósofo. Nas colecções de bolso francesas encontram-se algumas compilações temáticas. A colecção dos seu Propos bem como outros textos relevantes encontram-se editados na colecção Pléiade da editora francesa Gallimard.

 

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Matisse, A tristeza do rei.

 

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À volta da cor dos olhos com um poema de Almeida Garrett

20 Quarta-feira Set 2017

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Almeida Garrett, Janos Balazs, Júlio Diniz

A relação entre olhos, olhar, e poesia, é uma constante na tradição poética portuguesa pelo menos desde Bernardim Ribeiro, e até aos nossos dias, com, por exemplo, a poesia de Sophia de Melo Breyer Andersen.
Ainda que na poesia de Sophia “a cor dos olhos e a argúcia do olhar” marque presença densa, com a, por vezes, implícita assumpção de que os olhos são espelho da alma, é a uma mais ligeira percepção que hoje me dedico: a arreigada crença de que a cor dos olhos dita disposições de carácter.

Recordo eu, de quando era miúdo, uma canção ainda popular à época, Olhos Castanhos, suponho que inicialmente sucesso no Brasil, cantada por Francisco José, que punha os olhos em alvo às miúdas com olhos dessa cor,
…
Olhos bons com coração
Os teus, castanhos leais.
…

e enfurecia a mais ver as belas possuidoras de olhos verdes e azuis, pois a canção rezava assim:
…
Olhos azuis são ciúme
E nada valem pra mim
…
Olhos verdes são traição
São cruéis como punhais
…

Os olhos negros, encanto ocasional para Almeida Garrett, como veremos mais à frente (e escrevo ocasional pois ao que consta o homem ter-se-á encantado com olhos em todas as cores do arco-iris), eram verdadeiramente vilipendiados na canção:
…
Olhos negros são queixume
D’uma tristeza sem fim.

(Quem quer a vida acompanhada de uns olhos queixosos?)

Acontece que os termos em que a canção encomiava os olhos castanhos casavam à maravilha com o que diziam umas quadras que no princípio do romance As Pupilas do Sr. Reitor, Daniel, miúdo de doze para treze anos, cantava em toada popular a Margarida, rapariga da sua idade. E como o livro era leitura adequada à juventude, tudo isto contribuía para o desenvolvimento das mais variadas fantasias entre cor dos olhos e disposições inatas de modos de ser, levando a arrufos e alegrias de incipientes namoros.
São no entanto, estas fantasias e por vezes equívocos, extensíveis a épocas mais recuadas, e nem sei se ainda hoje fazem caminho. Talvez haja poetas a quem os olhos azuis ou verdes encheram de encanto e louvaram em poesia; o que de momento desconheço. Mas veremos o que diz de uns Olhos Negros Almeida Garrett (1799-1854):

…
Só negros, negros os quero;
Que, em lhes chegando a paixão,
Se um dia disserem sim…
Nunca mais dizem que não.

Ao contrário, o nosso Daniel do romance de Júlio Dinis não cuidava de fidelidades mas tão só de sedução:

Morena, morena,
Dos olhos castanhos,
Quem te deu, morena,
Encantos tamanhos?
…
São os meus pecados
Uns olhos assim.
Morena, morena,
Tem pena de mim.
…

E assim andamos à volta do olhar tentando espreitar a alma.
Termino com o poema de Almeida Garrett:

Olhos Negros

Por teus olhos negros, negros
Trago eu negro o coração,
De tanto pedir-lhe amores…
E eles a dizer que não

E mais não quero outros olhos,
Negros, negros como são
Que os azuis dão muita esp’rança
Mas fiar-me eu neles, não.

Só negros, negros os quero;
Que, em lhes chegando a paixão,
Se um dia disserem sim…
Nunca mais dizem que não.
I84…

in Flores sem Fruto

Em nota final, e para quem não o recorde, aqui ficam os olhos castanhos cantados a Margarida por Daniel no romance As Pupilas do Sr. Reitor de Júlio Dinis:

Morena, morena,
Dos olhos castanhos,
Quem te deu, morena,
Encantos tamanhos?

Encantos tamanhos
Não vi nunca assim.
Morena, morena,
Tem pena de mim.

Morena, morena,
Dos olhos rasgados,
Teus olhos, morena,
São os meus pecados.

São os meus pecados
Uns olhos assim.
Morena, morena,
Tem pena de mim.

Morena, morena
dos olhos galantes,
Teus olhos, morena.
São dous diamantes.

São dous diamantes
olhando-me assim.
Morena, morena,
Tem pena de mim.

Morena, morena.
Dos o!hos morenos,
o olhar desses olhos
Concede-me ao menos.

Concede-me ao menos
não sejas assim.
Morena, morena.
Tem pena de mim.

 

Apêndice musical

Completo esta ligeira digressão com as letras de duas canções: Olhos Castanhos e Olhos Negros (Ochi cherniye).
Primeiro a canção famosa em Portugal na voz de Francisco José entre outros; finalmente os olhos negros de uma famosa canção russa: Ochi cherniye.

Olhos Castanhos

Teus olhos castanhos de encantos tamanhos
São pecados meus
São estrelas fulgentes, brilhantes, luzentes
Caídas dos céus
Teus olhos risonhos, são mundos, são sonhos
São a minha cruz
Teus olhos castanhos de encantos tamanhos
São raios de luz.

Olhos azuis são ciúme
E nada valem pra mim
Olhos negros são queixume
D’uma tristeza sem fim.

Olhos verdes são traição
São cruéis como punhais
Olhos bons com coração
Os teus, castanhos leais.

Teus olhos castanhos …

Letra de Alves Coelho

Agora Ochi cherniye. E aqui, estes olhos negros são também belos, só que da sua constância nada sabemos.

Ochi cherniye

Olhos negros, olhos apaixonados
Olhos ardentes e belos
Como eu os amo, como eu os temo
Sabe, eu vos vi em má hora

Oh, não é à toa que vocês são mais escuros que as trevas!
Vejo um lamento em vós, pela minha alma
Vejo em vós uma chama vitoriosa:
Queimando nela, um pobre coração.

Mas eu não estou triste, não estou desolado,
O meu destino me conforta:
Tudo o que de melhor na vida Deus nos deu,
Num sacrifício eu entreguei aos olhos ardentes!

Tradução encontrada na net assinada por Érika Batista.

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura do húngaro Janos Balazs (1905-1977) – Mulher cigana.

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S. Gonçalo d’Amarante — poema de Luís Augusto Palmeirim

18 Segunda-feira Set 2017

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Keith Haring, Luis Augusto Palmeirim

De mãos dadas com a religiosidade popular corre pelo país uma brejeirice de mal disfarçada conotação sexual, sobretudo associada aos chamados Santos Populares, que se manifesta na poesia e nas canções populares. Dou um exemplo para São Gonçalo de Amarante, casamenteiro das velhas, na invocação de uma devota desejosa de casar:

 

São Gonçalo de Amarante
Valei-me que bem podeis
Já tenho teias de aranha
No sítio que vós sabeis.

 

 

Eco e memória pagã de divindades itifálicas, São Gonçalo de Amarante é um santo casamenteiro de mulheres sem idade quando passada a primeira juventude. Vale a pena precisar que para a Igreja católica São Gonçalo não é santo mas beato.
A imagem do beato que ainda hoje se conserva na sacristia da sua igreja em Amarante, Portugal, é dotada de poderoso instrumento sexual tornado visível em erecção ao ser puxado um fio. E esse atributo de virilidade a lembrar Príapo, o itifálico deus romano, encontrou lugar na doçaria popular de Amarante — os quilhões de São Gonçalo — doce em forma de pénis e testículos que pode ser comprado nos tamanhos adequados à cliente.

 

 

O poema que a seguir transcrevo, S. Gonçalo d’Amarante, de Luís Augusto Palmeirim (1825-1893), é uma invocação ao santo, para que reoriente o seu poder de intersecção para as moças casadoiras, proporcionar-lhes vários namorados, e abandone as velhas a que se dedica a arranjar marido, em troca de muito melhores recompensas.
O poema foi por tal forma popular que hoje a primeira quadra passa por ser quadra popular de autor desconhecido.

 

S. Gonçalo d’Amarante

S. Gonçalo d’Amarante,
Casamenteiro das velhas,
Porque não casais as moças?
Que mal vos fizeram elas!

Sejam as velhas beatas
Vos rezem com santidade
São de mais, há-as de sobra
Na vossa santa irmandade.

Rezar-vos-ei, ó meu santo,
Três padres-nossos cantados.
Se por cada um me deres
Três esbeltos namorados.

Irei descalça ouvir missa
No dia do vosso nome
Se eu alcançar boa paga
Deste amor que me consome.

Nem todas as velhas juntas
Levarão tantos bentinhos
Como encobertos nesta alma
Levarei ternos carinhos.

S. Gonçalo d’Amarante
Brincalhão e galhofeiro,
Fazei-vos antes das moças
Devoto casamenteiro.

Que eu vos prometo por todas,
(Casando a nosso contento)
Muita crença na virtude,
Muita fé no casamento.

Promessas que fazem moças,
Têm tal condão e verdade,
Que o santo deixou as velhas,
Pelas moças… por bondade…

E a datar desta promessa,
Feita ao bom de S. Gonçalo,
Não há uma só donzela
Que possa deixar de amá-lo.

Que a todas o bom do santo
Deu alma pra seis amores,
A qual deles o mais falso,
Em seus dons e seus favores!

S. Gonçalo d’Amarante
Um dos meus três namorados
Irá rezar-vos por mim
Os padres-nossos cantados.

E só se dirá, mentindo,
Dum santo tão galhofeiro,
Que inda é, como era dantes,
Das velhas casamenteiro!

 

 

in Poesias, 1ª edição, Imprensa Nacional, 1851.
Modernizei a ortografia.

 

Nota iconográfica

Sirvo-me, para ilustrar este artigo, não do artefacto da imagem do santo, mas de uma das pinturas de Keith Haring (1958-1990), onde o instrumento amplamente figura.

 

Nota final

O culto ao beato português São Gonçalo espalhou-se da Índia ao Brasil onde hoje é de popular devoção um pouco por todo o país.
Os quilhões de São Gonçalo acima referidos foram doces de venda proibida durante o Salazarismo.

 

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John Donne — Nascer do dia

16 Sábado Set 2017

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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John Donne, MEMMO DI FILIPPUCCIO

Depois da noite misteriosa, filosófica, e solitária, de Fernando Pessoa no poema de artigo anterior, [O primeiro de DOIS EXCERTOS DE ODES / de Pessoa/Álvaro de Campos], passemos a uma mais prosaica, acompanhada e prazenteira noite, a tal ponto que chegada a alvorada, o que apetece é continuar.

Falo do poema Break of day — Nascer do dia — de John Donne (1572-1631). Nele, o prosaico revela-se na terceira estrofe, no comentário a como a urgência dos negócios se impõe à continuação dos prazeres do amor que a noite viveu, sublinhando com uma ironia que é peculiar à poesia de John Donne, quanto os prazeres do amor apenas estão permitidos sem baias  a quem anda longe de negócios.

 

…
Quem tem negócios e ama erra tanto
Quanto um homem casado que queira namorar.

 

 

É também, toda ela ironia, mas também prazenteira, a segunda estrofe do poema, [… / Eu quero gostosamente continuar / …], contrariando a ideia corrente da necessidade de viver o amor às escondidas para evitar falatórios [A luz não tem língua, é toda só olhos./ …]. Por outro lado, o poema na primeira estrofe parodia o que foi assunto recorrente na poesia amorosa antiga: a alba, o amanhecer, como o fim do tempo de felicidade junto da amada:

 

Está bem, é dia — e que importância tem?
Ou, por isso, irás sair do meu lado?
Deveremos levantar-nos só porque está luz?

 

Talvez o mais famoso relato desta despedida contrariada seja a que encontramos em Romeo e Julieta de Shakespeare, na cena em que pela primeira vez dormiram (?) juntos.

 

Basta de conversa, vamos ao poema:

Nascer do dia

 

Está bem, é dia — e que importância tem?
Ou, por isso, irás sair do meu lado?
Deveremos levantar-nos só porque está luz?
Deitámo-nos nós porque era noite?
O Amor, que apesar do escuro nos trouxe aqui,
Deverá, a despeito da luz, manter-nos juntos.

A luz não tem língua, é toda só olhos.
Se pudesse falar tão bem quanto espia,
O pior que diria é que, estando bem,
Eu quero gostosamente continuar
E que amo tanto o meu coração e honra
Que, de quem os guarda, não me apartaria.

São os negócios que daqui te afastam?
Oh, essa é a pior doença do amor:
O pobre, o louco, o falso, podem o amor
Acolher, mas nunca o homem atarefado.
Quem tem negócios e ama erra tanto
Quanto um homem casado que queira namorar.

 

 

 

Break of Day

 

‘Tis true, ‘tis day, what though it be?
O wilt thou therefore rise from me?
Why should we rise because ‘tis light?
Did we lie down because ‘twas night?
Love, which in spite of darkness brought us hither,
Should in despite of light keep us together.

Light hath no tongue, but is all eye;
If it could speak as well as spy,
This were the worst that it could say,
That being well I fain would stay,
And that I loved my heart and honour so,
That I would not from him, that had them, go.

Must business thee from hence remove?
Oh, that’s the worst disease of love,
The poor, the foul, the false, love can
Admit, but not the busied man.
He which hath business, and makes love, doth do
Such wrong, as when a married man doth woo.

Tradução de Helena Barbas

 

 

Nota bibliográfica

Transcrito de Poemas Eróticos, Assírio & Alvim, Lisboa, 1995.

 

Abre o artigo a imagem de um detalhe de um fresco do  Palazzo del Podestà em San Gimignano por MEMMO DI FILIPPUCCIO 1300-10.

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Carta — poema de Bulhão Pato

10 Domingo Set 2017

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Bulhão Pato, Joaquín Sorolla

Quem parte leva saudades, quem fica saudades tem, é um provérbio adequado a estes dias de despedidas de fim de verão.
Oportunidade de reencontros afectivos, as férias de verão são, para alguns, ainda uma forma de gozar este tempo na repetição  das rotinas de vilegiatura que durante longos anos fizeram tradição.

Desde sempre, com pontuais excepções, passei as férias de verão na praia, e chegado Setembro, começam as despedidas entre quem talvez se reencontre no próximo ano. E é nesta perspectiva que as saudades surgem, trazidas pelos afastamentos ditados pelas responsabilidades da vida, a que o despreocupado tempo de verão deu folga. Dessas saudades fala o poema-carta de Bulhão Pato (1828-1912) que a seguir transcrevo.

É uma carta saudosa de quem viu partir os que ama, e recorda as irrelevâncias afectivas que nos enchem a alma, com o desejo final que o afastamento não traga consigo o esquecimento: Y nó te olvides de mi!
Na sua simplicidade tocante, o poema dá conta de sentimentos límpidos, do afecto dos pequenos acontecimentos, e da emoção dos nadas do quotidiano vivido na companhia de quem se ama.

CARTA

Quando partiste ainda havia
Um sol como de verão.
Partiste, e logo a invernia
— Triste do meu coração —
Rompeu de cara sombria.

Mar que vias da janela,
Tão sereno e tão azul,
Torvo ao largo se encapela
Com as lufadas do sul,
Dando núncios da procela.

Uma avesita arribada,
Que à tarde poisou aqui,
Soltou um pio magoada;
Como eu as tenho de ti
Teve saudades, coitada!

Saudades… se breve espero
Ver-te, que estás a dois passos?
Sempre a um pai é desespero
Não ter a filha nos braços,
E eu como a filha te quero.

De passagem te direi
Que ontem, descendo o valado,
Com a casa defrontei,
E, vendo tudo fechado,
Por vergonha não chorei.

Quando do alto do casal
Me avistavam da janela,
Que alegria triunfal! …
Eras tu, e a Filomela,
E os lenços num vendaval!

— «Depressa, que o tio espera,
Jantar na mesa, são horas.»
E a tentar cara severa,
E rindo como as auroras
Dos dias da primavera!

Agora vêm da invernia
As cordas d’água puxadas
Na força da ventania,
E essas janelas cerradas,
E eu sem a vossa alegria!…

Já nem sei o que escrevi…
Vou fechar a carta. Adeus!
Guarda um beijo para ti,
Dá-me um abraço nos teus,
Y nó te olvides de mi!

1899.

 

in Faíscas de fogo morto, Tipografia da Academia Real das Ciências, Lisboa, 1908.

Acompanham o artigo imagens de pinturas de Joaquín Sorolla (1863-1923).

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Lesebuch (Livro de leitura) de J. W. Goethe

08 Sexta-feira Set 2017

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Goethe, Omar Khayyam

O mais singular livro dos livros
É o Livro do Amor;
Li-o com toda a atenção:
Poucas folhas de alegrias,
De dores cadernos inteiros;
Apartamento faz uma secção,
Reencontro! um breve capítulo,
Fragmentário. Volumes de mágoas
Alongados de comentários,
Infinitos, sem medida.
Ó Nisami ! – mas no fim
Achaste o justo caminho;
O insolúvel, quem o resolve?
Os amantes que tornam a encontrar-se.

De Divan Ocidental-Oriental (West-Östlichen Divan (1814-1836)) de J. W. Goethe (1749-1832) vem esta síntese dos efeitos do amor na vida de cada um, retomando as admiráveis lições de Rumi e Omar Khayyam, de condensar supremos ensinamentos nos versos de um pequeno poema.

Reflexão de maturidade sobre o amor, este Divan de Goethe dá conta de como viver o amor nos muda o mundo:

Que maravilha é ver
Que maravilha é ver todo este mundo!
Mais belo que nenhum é o mundo dos poetas:
Variegados, claros ou prateados, ao fundo,
Os campos, dia e noite, têm luzes a brilhar.
Tudo me é belo, hoje; pudesse assim ficar!
Para ver hoje assim, o Amor me deu lunetas.

Remetendo directamente para a poesia de Omar Khayyam, vem este

Se estou sozinho

Se estou sozinho,
Que melhor cantinho?
O meu vinho
Bebo-o sozinho,
Ninguém me põe impedimentos,
E  tenho os meus próprios pensamentos.

Ao falar em Omar Khayyam a propósito deste poema de Goethe, poderia recordar tantos dos seus ruba’iyat, mas retenho este ruba’i em especial:

Dizem-me: “Não bebas mais, Kayam!”
Eu respondo: “Ao beber
ouço o que me dizem as rosas   as tulipas e os jasmins
escuto mesmo aquilo que a minha amada não me pode dizer”

Não sei se seria o caso com Goethe e Marianne von Willemer, que, quando afastado dela lhe aconteceria:
“escuto mesmo aquilo que a minha amada não me pode dizer”

Foi para esta Marianne von Willemer que o poeta escreveu em 15 de Setembro de 1815 a metáfora da fusão de dois amantes simbolizada na folha de Gingko Biloba:
Será um ser vivo apenas / Em si mesmo em dois partido?
Serão dois que se elegeram / E nós julgamos num unidos?

Gingko Biloba

A folha desta árvore que de Leste
Ao meu jardim se veio afeiçoar,
Dá-nos o gosto de um sentido oculto
Capaz de um sábio edificar.

Será um ser vivo apenas
Em si mesmo em dois partido?
Serão dois que se elegeram
E nós julgamos num unidos?

Para responder às perguntas
tenho o sentido real:
Não vês por meus cantos como
Sou uno e duplo, afinal?

Deixo-vos com o que suponho ser o fac-simile do poema:

Noticia bibliográfica
As traduções dos poemas de Goethe são de Paulo Quintela, e constam da 2ªedição corrigida de Poemas publicada em 1958 Por Ordem da Universidade de Coimbra.

A poesia de Omar Khayyam consta da antologia O vinho e as Rosas – Antologia de poemas sobre a embriaguês organizada por Jorge Sousa Braga e luxuosamente editada por Assírio & Alvim em 1995.

Para o nome deste poeta não encontrei grafia normalizada, e surge nas edições em livro tanto Omar Kayam ou Khayyam, como Umar-i Kahayyam, ou em espanhol, Omar Jayyam.

 

Nota Final

Este artigo foi antes publicado no blog em Junho de 2012.

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Um epigrama de D. João d’Azevedo

06 Quarta-feira Set 2017

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Camilo Castelo-Branco, D. João d'Azevedo, Paul Cézanne

D. João d’Azevedo, poeta, prosador, jornalista, etc, activo em meados do século XIX, está hoje completamente esquecido. É um epigrama de afiada verve publicado em O Trovador que me faz recordá-lo.


Sendo virtualmente impossível encontrar informação on-line sobre o homem, socorro-me de Camilo Castelo-Branco para deixar aos leitores um retrato do autor, e simultaneamente fruir a fina ironia da escrita de Camilo.


O fragmento que a seguir transcrevo encontra-se no livro No Bom Jesus do Monte, volume que além de ser todo ele de leitura apetecível para quem tiver curiosidade sobre a vida na província minhota por essa época, descreve outras peripécias com o nosso autor de hoje, além das citadas a seguir:

 

 

Em Braga, naquele tempo [1850], entre os sujeitos de nascimento ilustre e dotes de alta inteligência primava D. João de Azevedo, poeta e prosador, jornalista, romancista e dramaturgo. Eu tinha-o visto no Porto, hospedado em casa de Rodrigo Nogueira Soares, embrulhado na coberta da cama, de cócoras entre os cobertores, às duas horas da tarde, falando das delícias bucólicas duma madrugada. D. João adivinhava admiravelmente a formosura duma aurora de Julho, que ele nunca tinha visto. As suas alvoradas não lhas anunciava o regorgeio dos passarinhos: era o tilintar dos talheres na mesa de jantar.
Desmentia ele triunfantemente os que dizem que as cabeças dos dorminhocos, cerradas de vapores, carecem da lucidez da ideia e fluência da palavra. D. João d’Azevedo, com as pálpebras ainda quebradas do langor do sono, e a preguiça a estirar-lhe a inércia dos músculos, encadeava frases com suma elegância, elegância de ironia, de sátira,
descaridosa com as fragilidades humanas; mas, de fora parte a maledicência, perdoável a ouvidos de rapazes, que lhe desculpavam os seus bons quarenta anos, era  sedutor!

 

in Camilo Castelo-Branco, No Bom Jesus do Monte, 1864, pg. 26-27.
Modernizei a ortografia.

 

 

 

Epigrama

O homem chora mal nasce,
Adulto chora também;
Curvado já sobre a campa,
Mais dor no peito inda tem

 

Aos vinte chora porque ama,
Aos trinta ver-se iludido;
E quando desce ao sepulcro,
Até por ter existido.

 

 

in O Trovador,  colecção de poesias contemporâneas redigidas por uma sociedade d’académicos, Coimbra, 1848, pg. 303.

 

 

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Paul Cézanne (1839-1906), Homem fumando cachimbo de 1892.

Pareceu-me adequado ao espírito do poema o ar meditativo do homem pintado por Cézanne.

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