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Tag Archives: Camilo Castelo-Branco

Um epigrama de D. João d’Azevedo

06 Quarta-feira Set 2017

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Camilo Castelo-Branco, D. João d'Azevedo, Paul Cézanne

D. João d’Azevedo, poeta, prosador, jornalista, etc, activo em meados do século XIX, está hoje completamente esquecido. É um epigrama de afiada verve publicado em O Trovador que me faz recordá-lo.


Sendo virtualmente impossível encontrar informação on-line sobre o homem, socorro-me de Camilo Castelo-Branco para deixar aos leitores um retrato do autor, e simultaneamente fruir a fina ironia da escrita de Camilo.


O fragmento que a seguir transcrevo encontra-se no livro No Bom Jesus do Monte, volume que além de ser todo ele de leitura apetecível para quem tiver curiosidade sobre a vida na província minhota por essa época, descreve outras peripécias com o nosso autor de hoje, além das citadas a seguir:

 

 

Em Braga, naquele tempo [1850], entre os sujeitos de nascimento ilustre e dotes de alta inteligência primava D. João de Azevedo, poeta e prosador, jornalista, romancista e dramaturgo. Eu tinha-o visto no Porto, hospedado em casa de Rodrigo Nogueira Soares, embrulhado na coberta da cama, de cócoras entre os cobertores, às duas horas da tarde, falando das delícias bucólicas duma madrugada. D. João adivinhava admiravelmente a formosura duma aurora de Julho, que ele nunca tinha visto. As suas alvoradas não lhas anunciava o regorgeio dos passarinhos: era o tilintar dos talheres na mesa de jantar.
Desmentia ele triunfantemente os que dizem que as cabeças dos dorminhocos, cerradas de vapores, carecem da lucidez da ideia e fluência da palavra. D. João d’Azevedo, com as pálpebras ainda quebradas do langor do sono, e a preguiça a estirar-lhe a inércia dos músculos, encadeava frases com suma elegância, elegância de ironia, de sátira,
descaridosa com as fragilidades humanas; mas, de fora parte a maledicência, perdoável a ouvidos de rapazes, que lhe desculpavam os seus bons quarenta anos, era  sedutor!

 

in Camilo Castelo-Branco, No Bom Jesus do Monte, 1864, pg. 26-27.
Modernizei a ortografia.

 

 

 

Epigrama

O homem chora mal nasce,
Adulto chora também;
Curvado já sobre a campa,
Mais dor no peito inda tem

 

Aos vinte chora porque ama,
Aos trinta ver-se iludido;
E quando desce ao sepulcro,
Até por ter existido.

 

 

in O Trovador,  colecção de poesias contemporâneas redigidas por uma sociedade d’académicos, Coimbra, 1848, pg. 303.

 

 

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Paul Cézanne (1839-1906), Homem fumando cachimbo de 1892.

Pareceu-me adequado ao espírito do poema o ar meditativo do homem pintado por Cézanne.

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Camilo e os amigos

16 Quarta-feira Ago 2017

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Aristóteles, Camilo Castelo-Branco, Goya

A amizade é coisa séria, que em tempos de Facebook tanta gente trata com volubilidade, mas é no vai-vem da vida que a sua verdadeira qualidade se vê:

 

Amigos cento e dez, e talvez mais,
Eu já contei. Vaidades que eu sentia!
Pensei que sobre a terra não havia
Mais ditoso mortal entre os mortais.
…
Um dia adoeci profundamente.
Ceguei. Dos cento e dez houve um somente
Que não desfez os laços quase rotos.
…

 

Isto escreveu Camilo Castelo-Branco no soneto que à frente transcrevo.

 

 

Já antes trouxe ao blog uma curta reflexão de Aristóteles (384 a.C.-322a.C.) sobre a amizade, que em parte aqui retomo:

…
Os que têm a amizade com base na utilidade gostam uns dos outros pelo bem que os outros lhes fazem; os que têm uma amizade com base no prazer, gostam uns dos outros pelo próprio prazer que lhes dá.
…

 

Estas formas de amizade são, portanto, meramente acidentais. E são, sobretudo, as formas que frequentemente a amizade reflecte. Há, no entanto, relações de amizade bem mais profundas, sobre as quais Aristóteles reflecte na sua Ética a Nicómaco, as quais frequentemente surgem nos romance com o tempo qualificados de juvenis, e por vezes vemos plasmadas no cinema, ainda que na nossa vida pessoal delas não tenhamos a experiência.

No outro dia, de passagem, referi como em minha opinião Howard Hawks filmou a amizade como ninguém. No anterior artigo com Aristóteles, foram outros os filmes onde de amizade se tratava, o pretexto da reflexão. Hoje é um soneto irónico e amargo de Camilo Castelo-Branco (1825-1890) que reflecte sobre este sentimento precioso.

 

No soneto, a abrir, o poeta embala-se na multidão de amigos que tem, e em como tal facto o faz feliz. Segue-se a evidência de algum cansaço decorrente das exigências de alimentar tal fluxo de amizades (e como isto espelha tanto do comportamento de hoje em relação aos amigos do Facebook, e a quase obrigação de comentar frequentes inanidades). Infelizmente, ao autor aconteceu a tragédia que põe à prova as amizades verdadeiras. E de tantos amigos glorificados, apenas restou um, como o soneto refere em amarga e irónica conclusão.

 

 

Os Meus Amigos

Amigos cento e dez, e talvez mais,
Eu já contei. Vaidades que eu sentia!
Pensei que sobre a terra não havia
Mais ditoso mortal entre os mortais.
 
Amigos cento e dez, tão serviçais,
Tão zelosos das leis da cortesia,
Que eu, já farto de os ver, me escapulia
Às suas curvaturas vertebrais.
 
Um dia adoeci profundamente.
Ceguei. Dos cento e dez houve um somente
Que não desfez os laços quase rotos.

— Que vamos nós (diziam) lá fazer?
Se ele está cego, não nos pode ver…
Que cento e nove impávidos marotos!

 

 

Para o Luis que além do mais, me ajudou a localizar a publicação original do soneto.

 

 

Notícia bibliográfica

 

O soneto, inédito à data da morte de Camilo (1 de Junho de 1890), teve publicação póstuma nesse ano, na Revista Illustrada, (vol I, ano 1890, nº 11 de 15 Setembro, pág. 123).
A revista, quinzenal, iniciou publicação em Abril de 1890.
Informação do Camilianista Henrique Marques, Camilliana, ed. 1894.

 

 

Abre o artigo a imagem de um pormenor da pintura de Goya (1746-1828), A merenda à beira do Manzanares.

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Perdida! — um poema de Camilo Castelo-Branco

27 Quinta-feira Abr 2017

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Camilo Castelo-Branco, Edgar Degas

A vida faz-se muito de desencontros, momentos falhados, ou fugazes olhares de felicidade entrevista. Afinal, o sonho a escapar-se no bulício dos dias.
Uma dessas perdas conta-a Camilo Castelo-Branco (1825-1895) no poema Perdida! escrito em 1850. Nele encontramos a flor, metáfora da mulher e sua beleza, no registo caro aos poetas ultra-românticos que Camilo, nos seus inícios de escritor também foi.
Neste poema estamos nos antípodas das imagens de flores e sentimentalidade trabalhadas pela mesma época por Maria Browne (1797-1861), e que no artigo anterior mostrei.
Será contemporâneo destes poemas o encontro (com laivos de paixão?) ocorrido entre Camilo e Maria Browne que levou ao duelo do escritor com o filho desta, e que relatos da época referem com motivações obscuras, sendo esse relacionamento insinuado.
Registado o pormenor biográfico, passemos ao poema onde o poeta faz gala da sua fogosidade viril e do imparável desejo de descobrir que assalta a juventude de todas as épocas ( Camilo tinha 25 anos), aqui registado na irrefreável cavalgada para o desconhecido, mais empolgante que a permanência na envolvente que se conhece.

 

 

Perdida!

 

Veloz, qual flecha impelida
O meu cavalo corria…
Eu tinha a febre da raiva,
Abrasava-me a agonia,
E o cavalo generoso
O meu ódio concebia.

Os precipícios transpunha
Sem as rédeas sofrear!
Longe, ao longe eu ansiava
Este horizonte alargar;
Procurava mundos novos,
Faltava-me ali o ar.

E, de relance, deviso
Linda flor em ermo Val,
Mal aberta, e aljofrada
Pelo orvalho matinal,
Reacendendo solitária
Seu perfume virginal.

Nenhum homem lhe tocara,
Nem talvez a vira ali!
Tive orgulho de encontrá-la,
Que outra mais bela não vi.
Mas o ímpeto indomável
Do cavalo não venci.

E perdi-a! Não me lembro
Onde vi tão linda flor!
Sei que lá me fica a alma
Como um feudo pago à dor.
Outros lábios viral dar-lhe
Férvido beijo d’amor.

1850

 

in Ao Anoitecer da Vida, livro de poemas publicado pela primeira vez em 1873.

 

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Edgar Degas (1834-1917), O Jokey.

 

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A Maior Dor Humana e o grito contido de Camilo Castelo Branco

18 Terça-feira Out 2011

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Camilo Castelo-Branco

Quando aqui deixei poesia de Ângelo de Lima (1872-1921), destaquei o poema A MEU PAI, no qual o poeta dá conta da dor pela ausência do pai.

Olhando de outra perspectiva a ligação entre pais e filhos, é a dor paternal que trago hoje, através do grito contido de Camilo Castelo Branco (1825-1890):

“Aqui estou quase cego, paralytico; ao lado de um filho querido e mentecapto que já tentou matar-me. Haverá grandes desgraçados, que comparados commigo, se considerem quasi felizes”.

Vem este desabafo numa carta a João de Deus (1830-1896) a propósito do livro de condolências “A Maior Dor Humana” por este organizado na sequência da morte quase simultânea dos dois filhos adolescentes de Teófilo Braga (1843-1924).

Camilo faz acompanhar a carta com o soneto que abre o livro e lhe dá o título:

A Maior Dor Humana

Que immensas agonias se formaram

Sob os olhos de Deus! Sinistra hora

Em que o homem surgiu! Que negra aurora,

Que amargas condições o escravisaram!


As mãos, que um filho amado amortalharam,

Erguidas buscam Deus. A Fé implora.

E o céo que respondeu? As mãos baixaram

Para abraçar a filha morta agora.


Depois, um pai que em trevas vai sonhando,

E apalpa as sombras d’elles onde os viu

Nascer, florir, morrer!…

Desastre infando!


Ao teu abysmo, pai, não vão confortos,

És coração que a dor impedreniu,

Sepulchro vivo de dois filhos mortos.

S. Miguel de Seide , 27 de junho de 1887.

O soneto, despido de sentimentalismos vãos, traça na sua secura, a compreensão masculina do amor paternal “Ao teu abysmo, pai, não vão confortos, / És coração que a dor impedreniu,”.

Não temos afagos nem recordações de ternuras ou graças, apenas, na aflição, as mãos que “Erguidas buscam Deus. A Fé implora.”

Camilo à data tinha já conhecido de perto a morte do filho Manuel Plácido aos 19 anos. Sabia sobre o que escrevia. Jorge, o filho mentecapto referido na carta, tinha nesta altura 21 anos. Acompanhamos na correspondência de Camilo a experiência do pai com este filho, a quem se referiu sempre com a ternura seca dos seus modos.

É este A Maior Dor Humana um livro onde se condensa, não a dor do pai pelos filhos mortos, mas a visão social e pessoal da paternidade no final do século XIX.

O livro, hoje uma raridade bibliográfica, contém poemas, entre os quais  Poesia da Morta de Gomes Leal (1848-1921), é do melhor que o poeta produziu, e recolhe relatos de imprensa sobre as exéquias. Constitui no seu todo um documento sociológico notável.

Esta relação pai/filho não é a mesma dos nossos dias. Hoje os homens sentem-se socialmente autorizados a mostrar o amor pelos filhos através de manifestações de carinho e afecto, vedados em épocas passadas, e vistos inclusive como sinais de menor masculinidade.

Referência bibliográfica e iconográfica:

A Maior dor Humana – Coroa de saudades offerecida a Theophilo Braga e sua Esposa para a Sepultura de seus Filhos por João de Deus e entretecida pela piedade de …, dada à estampa pela piedade de Anselmo de Morais, 1889.

A pintura que encima o artigo é de Max Ernst (1891-1976) titulada Pietá.

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Deus e a segunda geração romantica: uma abordagem

25 Quarta-feira Maio 2011

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Almeida Garrett, Camilo Castelo-Branco

IGNOTO DEO

D.D.D.

Creio em ti, Deus: a fé viva

De minha alma a ti se eleva.

És: o que és não sei. Deriva

Meu ser do teu: luz … e trevas,

Em que – indistintas! – se envolve

Este espírito agitado,

De ti vem, a ti devolve,

O Nada, a que foi roubado

Pelo sopro criador

Tudo o mais, o há-de tragar.

Só vive de eterno ardor

O que está sempre a aspirar

Ao infinito donde veio.

Beleza és tu, luz és tu,

Verdade és tu só. Não creio

Senão em ti; o olho nu

Do homem não vê na terra

Mais que a duvida, a incerteza,

A forma que engana e erra.

Essência!  A real beleza,

O puro amor – o prazer

Que não fatiga e não gasta…

Só por ti os pode ver

O que inspirado se afasta,

Ignoto Deus, das ronceiras,

Vulgares turbas: despidos

Das coisas vãs e grosseiras

Sua alma, razão, sentidos,

               A ti se dão, em ti vida,

E por ti vida têm, eu, consagrado

A teu altar, me prostro e a combatida

Existência aqui ponho, aqui votado

Fica este livro – confissão sincera

Da alma que a ti voou e em ti só spera.

O meu deus desconhecido é realmente aquele misterioso, oculto e não definido sentimento de alma que a leva às aspirações de uma felicidade ideal, o sonho de oiro do poeta.

Isto escrevia Almeida Garrett na apresentação de Folhas Caídas, o seu último livro de poesia a que já nos referimos quando começámos este blog de percurso imprevisível.

Regresso a ele para, com o poema de abertura do livro a um deus desconhecido, discretear sobre a presença de Deus na poesia romantica da segunda geração, escrita em português.

Sendo os poetas da geração romantica formados na matriz católica, o Deus invocado na sua poesia é sempre o Deus dos cristãos.

Para além das manifestações de fé poetisadas em torno do acredito porque acredito, surgem aqui e além outras formas de refletir poeticamente sobre Deus, de que a obra-prima absoluta será este IGNOTO DEO.

Mas enquadrado neste poetar com Deus em fundo, surge uma vasta produção que se estende até final do século, comentando os vicios e desmandos, e também algumas santas vidas, de um clero rural ou urbano presente na sociedade portuguesa durante séculos.

O interesse, hoje, desta produção poética é histórico, sendo que uma vez por outra a qualidade da factura e da inspiração fazem esses poemas merecedores de lembrança.

É já passado o romantismo, na sua definição histórico-literária, que encontramos a realização maior neste tema com A Velhice do Padre Eterno de Guerra Junqueiro, onde se inclui o poemeto O Melro, que já aqui referi como um hino por excelência à liberdade.

Nestes primordios dos anos 50 de oitocentos, quando Garrett publicou o seu IGNOTO DEO, é a poesia de Camilo Castelo Branco, reunida em Inspirações de onde destaco A Harpa do Céptico e e nos ciclos de poemas O JUIZO FINAL E O SONHO DO INFERNO,  ou ainda em HOSSANA! PARÁFRASE DOS SETE SALMOS PENITENCIAIS, que documenta as variadas perspectivas do sentir da segunda geração romantica sobre a religião e as suas praticas envolvendo a intermediação eclesiástica, e dando conta das interrogações juvenis sobre a crença. Camilo à época era um moço com menos de 30 anos.

Não fica o assunto esgotado e outras produções poética visitaremos.

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Camilo e o burro em três cartas memoráveis

14 Sábado Maio 2011

Posted by viciodapoesia in Crónicas

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Camilo Castelo-Branco

Faço hoje um parentesis na poesia para transcrever três bem-humoradas cartas de Camilo Castelo Branco (1825 – 1890) sobre a compra de um burro e sua devolução à procedência pois “revelou furias lascivas, dom-juanescas, a cada femia que encontrava”.

Conservei a ortografia da primeira edição das cartas, respeitadora do manuscrito.

 Meu presado Am.0

Se fôr capaz de ler esta carta sem se rir, está V. Ex.cia á prova do humorismo indigena.

Os meus medicos, suspeitosos de que as m.as pernas vão paralysar, mandam-me dar passeios a cavallo.

Eu tenho um, como recordação de bons tempos; mas já não me atrevo a montal-o. Aconselharam me a equitação em burro, pacifico, sem manhas, nem erothismos mto violentos. É impossivel encontrar no Minho um burro em taes condiçoens; por que, alguns que ainda existem, são abbades. Mandaram-me procural-o no campo de Coimbra, onde permanece ainda a raça do burro espirituoso e meio academico da Mealhada e dos Fornos.

Lido isto. V. Ex.cia encarrega um dos seus carreiros de me comprar um jumento, nas condiçoens therapeuticas acima referidas – burro que não exceda 6 ou 7 libras. Apalavrado que esteja, envio a V. Ex.cia a qta que me designar, e o burro vem pa Famalicão, tomar pte nas minhas contemplaçoens bucolicas por estas montanhas.

Pergunta-me agora V. Excia em que ponto da carta lhe cumpria rir-se? É na estouvanice de o ir distrahir das suas leituras pedindo-lhe que me compre um burro.

Vou ler o seu livrinho, na certeza de que encontro novidades.

Peço-lhe a finesa de depor aos pés de sua Exma Esposa os meus respeitos.

De V. Ex.

Velho am.o obg.do

Camillo Castello Br.o

19/3/1886


Meu exmo amigo

Vejo que é mais facil encontrar ahi e aqui uma dusia de viscondes do que um burro regular. Talvez se desse a evolução darwinista. A gente vê passar o visconde e não vê o burro incluso. Requer-se o olho scientifico, experimental que V. Ex. não tem nem eu.

Muito lhe agradeço o resultado das suas pesquisas. Hoje deve V. Ex.cia receber um vale de 24$ rs para pagar o meu companheiro de excursoens e travessias por estas serras.

O burro queira V. Ex. enviar-m’o pela viaferrea. Não vejo melhor meio de transporte, nem deveremos esperar a navegação aeria, salvo se V. Ex.cia vir que elle, batendo as azas do genio, pode esvoaçar até aqui, como o negro melro da cantiga. V. Ex.a terá a bonde de me avisar do dia em que o illustre peregrino chega a Famalicão para as auctorides o cumprimentarem na gare.

Dei-lhe o incommodo de responder ao meu teleg. e não pude ir a Coimbra. fui hontem ao Bom Jesus ver o Peito de Carv.o e regressei mto doente. Mal posso já sahir de casa. Se V. Ex.cia me quizer ver, tem de vir aqui.

Peço os meus respeitos para sua ex.ma Esposa, minha Senhora.

De V. Ex.cia

Amo obgm.o

Camillo Castello Br.o

8/4/1886


Meu presado Am.o e Ex.mo Sr.

Cá está o onagro. Não o posso ver porque estou de cama com rheumatismo; mas ouço-o ornear valentemt.e. Desde Famalicão  até aqui, não obstante ter passado mal a noite, revelou furias lascivas, dom-juanescas, a cada femia que encontrava. Logo que chegou, investiu para dois garranos que tenho. O deabo tem dentro d’elle o que quer que seja do Marquez de Vallada. Parece mmo um christão! Meu filho Nuno veio dizer-me á cama que não consentia que eu o montasse (o burro) em qto lhe durasse a crise erothica.

Assim farei pa não ser victima de paixoens que me escangalharam a mim, sem ser de todo burro.

Remetto-lhe, meu presado amigo, 2:250 rs. Vão inclusos n’essa qta fabulosa os teleg. apensos ao burro.

Mil agradecimentos e mil desejos de lhe provar qto sou

De V. Ex.

Am.o grato

Camillo Castello Bro

20/4/1886

E quatro dias depois foi o burro despachado à procedência por indecente e má figura, supõe-se:

Meu presado Amigo

e Ex.mo Sr.

Como supplemento ás Notas diplomaticas sobre o burro, salvo seja, vai esta como recibo das 5 libras, reis 22$500.

A posteride, alem de ver que fomos de boas contas, maravilhar-se-ha vendo quaes eram as preocupações de dois escriptores assas methaphisicos. Se V. Ex.cia conservar esse pachiderme, e elle render o espirito em sua casa, peço-lhe que o embalsame e lhe ponha entre as orelhas a nossa correspondencia. Elle fez gemer os arames do telegrapho, e promettia fazer-me gemer com as costelas fracturadas. Oxalá que a final V. Ex.cia não seja victima d’esse burro e nunca lhe sacrifique a dedicada jumenta do olho unico.

De V. Ex.cia

Velho Amigo

Camillo

26/4/1886

Não é este o burro da história mas provavelmente, com este olhar lânguido, semelha uma das fêmeas que provocou as fúrias eróticas do burro.

As cartas, dirigidas a Adelino das Neves e Melo, amigo de longa data e residente em Coimbra, foram publicadas pela primeira vez por J. M. Teixeira de Carvalho em 1922. Famosas desde então têm conhecido diversas edições.

Os problemas de saúde de Camilo, que acabaram por o levar ao suicidio, são bem conhecidos, mas à data das cartas não tinham ainda atingido os paroxismos que a correspondência de 1889 e 1890 revela.

Já antes desta operação de aquisição de burro, Camilo recebera o conselho médico de se exercitar a cavalo, e numa carta do ano anterior, datada de 10/4/1885 e dirigida ao amigo Manuel Negrão, vivendo à época em Mosteiró, surge o pedido de compra de “egua, cavallo, garrano etc.,”.

Diz a carta:

Meu Negrão.

A medicina manda-me cavalgar. Tenho um garrano de 20 annos, indigno de confiança. Ha muito que o jubilei com mais um terço do ordenado. Em feira não compro burro, porque o compral-o é espiga certa. Queria que tu por ahi me comprasses besta conhecida – egua, cavallo, garrano etc., coisa que se pareça comigo nos annos e na pacatez, e que não exceda 12 libras. Ha eguas abbaciais excellentes. Não discuto quanto ao tamanho, nem idade. Forte de pernas para prescindir da mão de rêdea, e nada de pulmoeira.

Lembras-te da orça que comprei ao José Augusto? Aquillo a cada passo, na angustia dos seus bofes, era uma trovoada… que não ha ahi dizel-o sem offensa do nariz.

…

Esta carta foi publicada pela primeira vez pelo Visconde de Villa-Moura em 1913 no livro Camillo Inédito, prefaciado e anotado pelo editor.

As cartas de Camilo são um mundo fascinante sobre o homem, sobre os seus contemporâneos e sobre a riqueza vocabular e expressiva da lingua. Enquanto tesouro da literatura portuguesa e retrato único do homem, aguardam uma edição crítica que as enquadre no tempo e na biografia do escritor.

Tendo sido publicadas de forma avulsa em revistas e colectâneas desde a morte do escritor e sobretudo no inicio do século XX, foram por duas vezes reunidas, uma por Alexandre Cabral para Livros Horizonte e outra por Justino Mendes de Almeida para a edição em papel biblia da Lello& Irmão Editores, sem que a totalidade das cartas conhecidas tenha sido incluida, nem, quando era possivel, a contraparte epistolográfica dos destinatários. Permanecem assim, ainda cheias de valor, algumas das edições avulsas anotadas e comentadas com preciosos detalhes sobre os personagens a as peripécias a que se referem.

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Com Camilo em viagem

29 Quarta-feira Dez 2010

Posted by viciodapoesia in Crónicas, Poesia Antiga

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Camilo Castelo-Branco

Em viagem, um qualquer volume da obra de Camilo em papel bíblia é companhia preciosa.

No pouco peso de um livro temos mil páginas do melhor de Portugal. Saboreamos a língua, contactamos os costumes, encontramos conhecidos e contrastamos o nosso apego à imobilidade com a visão do mundo que passa.

Desta feita carreguei-me com os volumes X e XI. Poupo a descrição do conteúdo dos volumes e salto para o que aqui me traz, o Cancioneiro Alegre, irrepetível colecção de poesias entre o despautério e a mais cintilante graça.

Nesta quadra de fartas comesainas, quando o prazer da mesa encontra as tradições pantagruélicas, um poema na tradição herói-cómica e de especial assunto, incluido no Cancioneirio e atribuido a um Anónimo, deu-me a medida da continuidade que nos garante o lugar no mundo.

Longe que estou dos instrumentos do saber, não consegui averiguar se, tal como suspeito, o poema é da autoria do próprio Camilo.

Compõe-se o poema de quinze décimas distribuídas por três partes. Tem uma introdução em quatro sextilhas e termina de novo numa sextilha. A extensão do poema, UM JANTAR DE BARÕES,  levou-me numa primeira fase, e para evitar indigestão, a pensar ater-me apenas à sua transcrição parcial. À medida que avançava na transcrição, pareceu-me inaceitável qualquer corte, tal a preciosa concatenação de episódios de que o poema dá conta.

Após uma invocação às musas pedindo inspiração para tão árduo cometimento: Musa da sopa e do cozido, inspira-me! /… / Transforma o estro meu em lombo assado; / Da minha inspiração faz um pudim., na primeira parte do poema temos a descrição do Barão: D’Alcatruzes é chamado, / Porque, sendo ainda moço, / Muitos baldes d’água fresca / Dizem que tirou dum poço. E mais adiante: É barão; não vale a pena / Discutir-lhe os nobres feitos; / É barão dos Alcatruzes, / Já tem pagos os direitos.

A segunda parte apresenta-nos os comensais em acto após anunciar o banquete: Da terrina a caudal sopa / Em silêncio é devorada. / Só então fingiram d’homens, / Porque não disseram nada. / Mas venceu a natureza!, e é ouvi-los pela voz do poeta.

Chega a terceira parte, e com ela o pós-pasto, com brindes e discursos como o inenarrável chorrilho saido da boca do barão de Pimpinelas, e onde o barão literato faz o pleno do despautério com “Repercutem, simbolizam / Acrimónias insolúveis, / Nos acrósticos volúveis / D’epopeias que eternizam / …” e por aí fora. Refere-nos o poeta como Sucedeu o grito ao pasmo! / Nunca se viu coisa assim!.

O epílogo relata de forma sucinta o rescaldo de tão lauto festim: E a pândega findou. Mas alta noite, / Disseram-nos fiéis informações / Que grande movimento houve de tripas,…

Para além do retrato da boçalidade dos convivas, titulares de nobreza paga a contado, para quem a ignorância da língua é um estatuto, e que Camilo amplamente fustigou nos seus romances, temos no poema vasta matéria de sátira social para comportamentos bem perto de nós.

Para garantir que as continuidades existem, mesmo sem barões dos Alcatruzes ou Asnos de Puxar Nora, refiro o que já aboquei neste remanso de férias.

Longe do cosmopolitismo culinário da capital e ainda que a televisão tente fazer alguma mossa na tradição, já apareceu na mesa, e destaco: cordeiro de leite vindo expressamente de Trás-os-Montes (só não sei se deixou alguma pastora chorosa) assado com castanhas, de lamber beiços e dedos (pois segurar os ossos é de lei). Houve também cataplana de mariscos, de comer até rebentar, feijoada de lingueirão a pedir para não ficar na panela, uns cascabulhos (ostras) abertas ao calor e camarão da costa. O peixe para grelhar faltou pois o mar não tem estado de feição, mas prometem-me para amanhã caldeirada de eirozes.

Dos mimos não sei se fale. Broas de cobiçada receita que leva três dias a cozinhar, e os fritos! filhós com mel: de flor, simples, e dobradas; empanadilhas com recheio de batata doce e amendoa; fatias douradas (rabanadas), sonhos de desfazer na boca, bolinhóis tenros como manteiga. Já agora conto dos doces, bolos sobretudo, e de amendoa evidentemente (a torta, o morgado, o toucinho do céu, os engana-visitas, os olhos de sogra, etc) mas também o folhado de Tavira, o pastel de Londres e o casado, para matar saudades. E isto para não falar do aportuguesado bolo inglês, perdição de quem está à mesa.

Páro aqui. Chamam-me para umas ameijoas à Bulhão Pato e por isso vos deixo com UM JANTAR DE BARÕES.

Bom ano 2011


UM JANTAR DE BARÕES


Invocação

Musa da sopa e do cozido, inspira-me!

Pândega musa, que sorris ao vate

Em molho de açafrão, e de tomate,

Um cego adorador… achaste em mim:

Transforma o estro meu em lombo assado;

Da minha inspiração faz um pudim.


Tu, filha dos barões, musa do unto,

Nasceste na cozinha entre caçoilas;

Saudaram-te no berço alhos, cebolas,

Do cominho tiveste uma ovação;

Depois, trajando galas de toucinho,

Eu vi-te nas bochechas de um barão.


Namorado de ti, fiz-te meiguices

Por detraz de um peru, e tu de lá

Sorriste-me através da nédia pá

De vitela gentil, rica de arroz!

Ai! era!… e nem eu sei se foi mais linda

Aquela gorda pata… que te pôs!


Tu fizeste de mim um novo Cláudio,

Inspiraste-me a fé num rodovalho.

Traguei indigestões, arrotos d’alho,

Bernardas na barriga suportei.

Tomei chá de macela… e, em prémio disto,

O teu auxilio, ó musa, não terei?!


I

Dentro e fora iluminado

O palácio dum barão,

Fulgurante representa

Um enorme lampião.

Jorram límpidas vidraças

Sobre as populosas praças

Ondas trémulas de luzes.

Vai lá dentro grande gozo,

Nesse alcáçar radioso

Do barão dos Alcatruzes.


D’Alcatruzes é chamado,

Porque, sendo ainda moço,

Muitos baldes d’água fresca

Dizem que tirou dum poço.

Nenhum outro mais destreza

Revelou na árdua empresa

De puxar acima um balde.

Um que seja tão robusto

Há-de vir mui tarde e a custo

Do concelho de Ramalde.


É barão; não vale a pena

Discutir-lhe os nobres feitos;

É barão dos Alcatruzes,

Já tem pagos os direitos.

Inda é mais; pois, além disto,

É comendador de Cristo

Com bastante indiscrição.

Mal diria Cristo, outrora,

Que seria posto agora

No peito dum vendilhão!


E mais ele, que os tocava

Com terrivel azorrague!

Mas os Judas vendem Cristo,

Ponto é haver quem pague.

E o barão dos Alcatruzes

Neste século das luzes

Também fez de fariseu.

E, também, se necessário,

Representa de Calvário

Onde a cruz se suspendeu.


II

Num salão vasto, opulento

Um banquete se vai dar;

Nos cristais reflecte o ouro

A fulgir, a cintilar.

Os rubis e a cor da opala

Transfiguram esta sala

Em olímpicas mansões.

Mas a alma cai por terra

Quando vê que ali se encerra

Dúzia e meis de barões.


Da terrina a caudal sopa

Em silêncio é devorada.

Só então fingiram d’homens,

Porque não disseram nada.

Mas venceu a natureza!

Um barão por sobre a mesa

Estendendo o prato diz:

“Ó compadre!isto é qu’ébô!

Venha sopa, e acabô!

Cá de mim torno à matriz!”


O barão de Cogumelos,

Junto estando à baronesa

Que se diz dos Sacatrapos,

Quis fazer-lhe uma fineza.

Arrastou pra junto dela

Um peru, e a cabidela

No prato lhe despejou.

E lhe diz: “Cá isto é nosso;

Coisa que não tenha osso

É pró estâmago, e arrimou!”


Outro diz à gorda esposa

Que bem perto de si tem:

“Bai-le bobendo po’riba,

Ó mulher, come-le bem!”

Este pede ao seu vizinho

“Que lh’atice bem no binho

Qu’é da bela Companhia.”

Diz aquele ao seu fronteiro

“Que lhe chegue um frango inteiro,

E biba a santa alegria!”


III

As saúdes já começam;

É um gosto agora vê-los:

Estas caras representam

Tomates de cotovelos

E, através do escarlate

Do legítimo tomate,

Transuda um óleo que brilha.

Cada qual tem as orelhas

Encarniçadas vermelhas

Como as asas de uma bilha.


Pega no copo e exclama

O barão de Pimpinelas:

“Vito sério! um home fala

Sem preâmbulos nem aquelas!

À saúde e alegria

Desta bela companhia

E com toda a estifação!

Pra que todos cá binhamos

Estifeitos como bamos

De casa do sor barão!”


E os hurras retumbaram

Pela sala do festim!

Baltasar nos seus banquetes

Nunca ouviu gritar assim!

Sobre a mesa deram murros,

Saudaram com grandes urros

O barão dos Alcatruzes;

Mas alguns com mágua sua,

Já cuidavam ver a Lua,

Não podendo ver as luzes.


Mas, entre eles, um existe,

Literato em seu conceito,

A palavra pede, e reina

Um silêncio de respeito.

Ele diz: “Risonhas galas

Que refrangem nestas salas

Repercutem, simbolizam

Acrimónias insolúveis,

Nos acrósticos volúveis

D’epopeias que eternizam.


Pandemónios exauríveis

De indeléveis congruências,

Requintados se escurecem

Nos empórios das ciências

E libérrimos se escudam

Nas facanhas que transsudam

Em fantasiosas luzes.

E, portanto, a mais aludo,

Quando, férvido, saúdo

O barão dos Alcatruzes!”


Sucedeu o grito ao pasmo!

Nunca se viu coisa assim!

O orador foi abraçado

Com furor, com frenesim!

“Isto é qu’é!” dizia um,

Convertido em rubro atum,

Beterraba até não mais.

“Viva Cic’ro!” outro dizia,

Despejando a malvazia

Com grasnidos infernais.


IV

E a pândega findou. Mas alta noite,

Disseram-nos fiéis informações

Que grande movimento houve de tripas,

E grande salto deram as torneiras

Das pipas convertidas em barões

Ou, antes, dos barões tornados pipas.

Aditamento

Pouco depois de ter escrito este artigo, constatei que o poema Um Jantar de Barões era efectivamente de Camilo Castelo Branco como no corpo do texto suspeitei, e foi previamente publicado em FOLHAS CAÍDAS APANHADAS NA LAMA.

Entretanto, o tempo passou e não mais recordei actualizar a informação no post, o que agora faço.

Este FOLHAS CAÍDAS APANHADAS NA LAMA foi por sua vez referido no blog a propósito do folheto A Vespa do Parnaso, num artigo/paródia a pretexto da Nova poesia Portuguesa em … 1854.

 

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