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Quando aqui deixei poesia de Ângelo de Lima (1872-1921), destaquei o poema A MEU PAI, no qual o poeta dá conta da dor pela ausência do pai.

Olhando de outra perspectiva a ligação entre pais e filhos, é a dor paternal que trago hoje, através do grito contido de Camilo Castelo Branco (1825-1890):

Aqui estou quase cego, paralytico; ao lado de um filho querido e mentecapto que já tentou matar-me. Haverá grandes desgraçados, que comparados commigo, se considerem quasi felizes”.

Vem este desabafo numa carta a João de Deus (1830-1896) a propósito do livro de condolências “A Maior Dor Humana” por este organizado na sequência da morte quase simultânea dos dois filhos adolescentes de Teófilo Braga (1843-1924).

Camilo faz acompanhar a carta com o soneto que abre o livro e lhe dá o título:

A Maior Dor Humana

Que immensas agonias se formaram

Sob os olhos de Deus! Sinistra hora

Em que o homem surgiu! Que negra aurora,

Que amargas condições o escravisaram!


As mãos, que um filho amado amortalharam,

Erguidas buscam Deus. A Fé implora.

E o céo que respondeu? As mãos baixaram

Para abraçar a filha morta agora.


Depois, um pai que em trevas vai sonhando,

E apalpa as sombras d’elles onde os viu

Nascer, florir, morrer!…

Desastre infando!


Ao teu abysmo, pai, não vão confortos,

És coração que a dor impedreniu,

Sepulchro vivo de dois filhos mortos.

S. Miguel de Seide , 27 de junho de 1887.

O soneto, despido de sentimentalismos vãos, traça na sua secura, a compreensão masculina do amor paternal “Ao teu abysmo, pai, não vão confortos, / És coração que a dor impedreniu,”.

Não temos afagos nem recordações de ternuras ou graças, apenas, na aflição, as mãos que “Erguidas buscam Deus. A Fé implora.

Camilo à data tinha já conhecido de perto a morte do filho Manuel Plácido aos 19 anos. Sabia sobre o que escrevia. Jorge, o filho mentecapto referido na carta, tinha nesta altura 21 anos. Acompanhamos na correspondência de Camilo a experiência do pai com este filho, a quem se referiu sempre com a ternura seca dos seus modos.

É este A Maior Dor Humana um livro onde se condensa, não a dor do pai pelos filhos mortos, mas a visão social e pessoal da paternidade no final do século XIX.

O livro, hoje uma raridade bibliográfica, contém poemas, entre os quais  Poesia da Morta de Gomes Leal (1848-1921), é do melhor que o poeta produziu, e recolhe relatos de imprensa sobre as exéquias. Constitui no seu todo um documento sociológico notável.

Esta relação pai/filho não é a mesma dos nossos dias. Hoje os homens sentem-se socialmente autorizados a mostrar o amor pelos filhos através de manifestações de carinho e afecto, vedados em épocas passadas, e vistos inclusive como sinais de menor masculinidade.

Referência bibliográfica e iconográfica:

A Maior dor Humana – Coroa de saudades offerecida a Theophilo Braga e sua Esposa para a Sepultura de seus Filhos por João de Deus e entretecida pela piedade de …, dada à estampa pela piedade de Anselmo de Morais, 1889.

A pintura que encima o artigo é de Max Ernst (1891-1976) titulada Pietá.