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IGNOTO DEO
D.D.D.
Creio em ti, Deus: a fé viva
De minha alma a ti se eleva.
És: o que és não sei. Deriva
Meu ser do teu: luz … e trevas,
Em que – indistintas! – se envolve
Este espírito agitado,
De ti vem, a ti devolve,
O Nada, a que foi roubado
Pelo sopro criador
Tudo o mais, o há-de tragar.
Só vive de eterno ardor
O que está sempre a aspirar
Ao infinito donde veio.
Beleza és tu, luz és tu,
Verdade és tu só. Não creio
Senão em ti; o olho nu
Do homem não vê na terra
Mais que a duvida, a incerteza,
A forma que engana e erra.
Essência! A real beleza,
O puro amor – o prazer
Que não fatiga e não gasta…
Só por ti os pode ver
O que inspirado se afasta,
Ignoto Deus, das ronceiras,
Vulgares turbas: despidos
Das coisas vãs e grosseiras
Sua alma, razão, sentidos,
A ti se dão, em ti vida,
E por ti vida têm, eu, consagrado
A teu altar, me prostro e a combatida
Existência aqui ponho, aqui votado
Fica este livro – confissão sincera
Da alma que a ti voou e em ti só spera.
O meu deus desconhecido é realmente aquele misterioso, oculto e não definido sentimento de alma que a leva às aspirações de uma felicidade ideal, o sonho de oiro do poeta.
Isto escrevia Almeida Garrett na apresentação de Folhas Caídas, o seu último livro de poesia a que já nos referimos quando começámos este blog de percurso imprevisível.
Regresso a ele para, com o poema de abertura do livro a um deus desconhecido, discretear sobre a presença de Deus na poesia romantica da segunda geração, escrita em português.
Sendo os poetas da geração romantica formados na matriz católica, o Deus invocado na sua poesia é sempre o Deus dos cristãos.
Para além das manifestações de fé poetisadas em torno do acredito porque acredito, surgem aqui e além outras formas de refletir poeticamente sobre Deus, de que a obra-prima absoluta será este IGNOTO DEO.
Mas enquadrado neste poetar com Deus em fundo, surge uma vasta produção que se estende até final do século, comentando os vicios e desmandos, e também algumas santas vidas, de um clero rural ou urbano presente na sociedade portuguesa durante séculos.
O interesse, hoje, desta produção poética é histórico, sendo que uma vez por outra a qualidade da factura e da inspiração fazem esses poemas merecedores de lembrança.
É já passado o romantismo, na sua definição histórico-literária, que encontramos a realização maior neste tema com A Velhice do Padre Eterno de Guerra Junqueiro, onde se inclui o poemeto O Melro, que já aqui referi como um hino por excelência à liberdade.
Nestes primordios dos anos 50 de oitocentos, quando Garrett publicou o seu IGNOTO DEO, é a poesia de Camilo Castelo Branco, reunida em Inspirações de onde destaco A Harpa do Céptico e e nos ciclos de poemas O JUIZO FINAL E O SONHO DO INFERNO, ou ainda em HOSSANA! PARÁFRASE DOS SETE SALMOS PENITENCIAIS, que documenta as variadas perspectivas do sentir da segunda geração romantica sobre a religião e as suas praticas envolvendo a intermediação eclesiástica, e dando conta das interrogações juvenis sobre a crença. Camilo à época era um moço com menos de 30 anos.
Não fica o assunto esgotado e outras produções poética visitaremos.