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Tag Archives: Keith Haring

S. Gonçalo d’Amarante — poema de Luís Augusto Palmeirim

18 Segunda-feira Set 2017

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Keith Haring, Luis Augusto Palmeirim

De mãos dadas com a religiosidade popular corre pelo país uma brejeirice de mal disfarçada conotação sexual, sobretudo associada aos chamados Santos Populares, que se manifesta na poesia e nas canções populares. Dou um exemplo para São Gonçalo de Amarante, casamenteiro das velhas, na invocação de uma devota desejosa de casar:

 

São Gonçalo de Amarante
Valei-me que bem podeis
Já tenho teias de aranha
No sítio que vós sabeis.

 

 

Eco e memória pagã de divindades itifálicas, São Gonçalo de Amarante é um santo casamenteiro de mulheres sem idade quando passada a primeira juventude. Vale a pena precisar que para a Igreja católica São Gonçalo não é santo mas beato.
A imagem do beato que ainda hoje se conserva na sacristia da sua igreja em Amarante, Portugal, é dotada de poderoso instrumento sexual tornado visível em erecção ao ser puxado um fio. E esse atributo de virilidade a lembrar Príapo, o itifálico deus romano, encontrou lugar na doçaria popular de Amarante — os quilhões de São Gonçalo — doce em forma de pénis e testículos que pode ser comprado nos tamanhos adequados à cliente.

 

 

O poema que a seguir transcrevo, S. Gonçalo d’Amarante, de Luís Augusto Palmeirim (1825-1893), é uma invocação ao santo, para que reoriente o seu poder de intersecção para as moças casadoiras, proporcionar-lhes vários namorados, e abandone as velhas a que se dedica a arranjar marido, em troca de muito melhores recompensas.
O poema foi por tal forma popular que hoje a primeira quadra passa por ser quadra popular de autor desconhecido.

 

S. Gonçalo d’Amarante

S. Gonçalo d’Amarante,
Casamenteiro das velhas,
Porque não casais as moças?
Que mal vos fizeram elas!

Sejam as velhas beatas
Vos rezem com santidade
São de mais, há-as de sobra
Na vossa santa irmandade.

Rezar-vos-ei, ó meu santo,
Três padres-nossos cantados.
Se por cada um me deres
Três esbeltos namorados.

Irei descalça ouvir missa
No dia do vosso nome
Se eu alcançar boa paga
Deste amor que me consome.

Nem todas as velhas juntas
Levarão tantos bentinhos
Como encobertos nesta alma
Levarei ternos carinhos.

S. Gonçalo d’Amarante
Brincalhão e galhofeiro,
Fazei-vos antes das moças
Devoto casamenteiro.

Que eu vos prometo por todas,
(Casando a nosso contento)
Muita crença na virtude,
Muita fé no casamento.

Promessas que fazem moças,
Têm tal condão e verdade,
Que o santo deixou as velhas,
Pelas moças… por bondade…

E a datar desta promessa,
Feita ao bom de S. Gonçalo,
Não há uma só donzela
Que possa deixar de amá-lo.

Que a todas o bom do santo
Deu alma pra seis amores,
A qual deles o mais falso,
Em seus dons e seus favores!

S. Gonçalo d’Amarante
Um dos meus três namorados
Irá rezar-vos por mim
Os padres-nossos cantados.

E só se dirá, mentindo,
Dum santo tão galhofeiro,
Que inda é, como era dantes,
Das velhas casamenteiro!

 

 

in Poesias, 1ª edição, Imprensa Nacional, 1851.
Modernizei a ortografia.

 

Nota iconográfica

Sirvo-me, para ilustrar este artigo, não do artefacto da imagem do santo, mas de uma das pinturas de Keith Haring (1958-1990), onde o instrumento amplamente figura.

 

Nota final

O culto ao beato português São Gonçalo espalhou-se da Índia ao Brasil onde hoje é de popular devoção um pouco por todo o país.
Os quilhões de São Gonçalo acima referidos foram doces de venda proibida durante o Salazarismo.

 

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Agora és um animal que pensa — poema de Daniel Faria

16 Terça-feira Fev 2016

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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Daniel Faria, Keith Haring

Haring_Keith- Apocalypse 3 500pxAmei a vida

Como se fora um castigo

 

Cantei-a

Como se fora um feitiço

…

 

 

Intensa meditação sobre a morte em diálogo com Deus, da leitura da obra poética de Daniel Faria (1971-1999) saímos com uma estranha sensação onde a serenidade se enlaça à branda aceitação do destino.

Transcrevo alguns poemas.

 

 

*

Mas tu existes.

Os dias somam ruína à ruína

E o a vir multiplicará

A miséria.

Apodreço não adubando a terra

E cada dia somado a cada hora

Não completa o tempo.

Sei que existes e multiplicarás

A tua falta.

Somarei a tua ausência à minha escuta

E tu redobrarás a minha vida.

 

 

**

Agora és um animal que pensa

Amanhã um animal que dorme

Mas tens uma noite inteira para dormires do mesmo lado

 

Hoje és um dia que começa outra vez

Como se hoje pudesses plantar o dia que não acaba

Um animal que come a sombra diurna daquilo que é pensado

 

És um alimento

Agora és um alimento que dorme

Do mesmo lado da mão direita de quem colhe

 

Como se hoje pudesses plantar-te no que frutifica

E igualares-te no silêncio a uma pedra fechada

Uma pedra em sua natureza humilde de coisa que vive

Em seu mistério de coisa que sem sementes se propaga

 

Agora és um animal que se propaga no sono

Que pesa menos do que o sonho ou um pássaro

Um animal que se eleva em seu instinto de máquina

 

És agora uma máquina montada para a morte

Uma avaria dentro dela que lentamente desgasta.

E fabricas um homem que se afasta

 

Do mundo

 

 

Ezequiel  (Ez12, 1-20)

 

Arruma as tuas alegrias

E faz as malas como se fosses emigrante

 

Leva contigo todas as coisas

E parte de dia como se fosses emigrante

Para que possas levar também a luz

 

Abre a cal. O flanco do muro

Porque vais como emigrante e precisas

De regressar

 

Na parede faz uma abertura

Para que os que passam vejam o teu rosto

E não digam: vai beber ao poço

Vai visitar um parente no estrangeiro

Ninguém chora por razões assim

 

Parte de tarde, dobrando a luz

Cobrindo o rosto de cinza e sombra

Porque és um povo que abandona a tua casa

E nos teus passos eu arraso o teu país

 

 

Cigarra

 

Amei a vida

Como se fora um castigo

 

Cantei-a

Como se fora um feitiço

 

Agora chora

Esse canto calado

Sacie-te a voz

Agasalhe-te o pranto

 

Que fizeste no Verão?

Vendeste o teu canto?

 

Não vendi

Dei-o às aves

A qualquer viandante

 

Oh leva-me flores

Quando já o meu corpo

Caído não cante

 

Poemas transcritos de Daniel Faria, Poesia, Edição de Vera Vouga, Edições quasi, 2003.

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Keith Haring (1958-1990), Apocalipse 3.

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