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vicio da poesia

Monthly Archives: Março 2013

100.000 visitas ao blog – Obrigado!

29 Sexta-feira Mar 2013

Posted by viciodapoesia in Crónicas

≈ 5 comentários

Hoje foram ultrapassadas 100.000 (cem mil) visitas ao blog.

Um enorme OBRIGADO a todos os que, com o seu interesse, contribuíram para este surpreendente número em pouco mais de 3 anos de vida, num blog maioritariamente dedicado à poesia.

Destas 100.000 visitas, quase 80.000 aconteceram o ano passado e já este ano.

O blog cresce em audiência de forma exponencial, e este 2013 vai com uma média de 245 visitas diárias. Com todos vós faremos a poesia mais presente à nossa volta. OBRIGADO LEITORES!

Autor do blogA foto é de Elizabeth Lamego Grant, fotógrafa por paixão, a quem daqui agradeço o fotografado sorriso, e com ele apresentar-me aos leitores do blog em prazenteira face.

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As Pietá de Michelangelo e o poema Stabat Mater

29 Sexta-feira Mar 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte

≈ 1 Comentário

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Michelangelo

Michelangelo-Pietá do Vaticano detalhe da Virgem

Em Sexta-feira da Paixão trago-vos as Pietá de Michelangelo (1475-1564)

São esculturas em que a dor viva quase faz sangrar a pedra, seja na perfeição plástica de Maria (em cima) e do Cristo (a seguir) da escultura da Basílica do Vaticano (hoje mutilada no nariz de Maria e que ainda tive a felicidade de contemplar intacta e sem vidro de protecção),

Michelangelo-Pietá do Vaticano detalhe do Cristo

Michelangelo-Pietá do Vaticano

seja na rugosidade áspera do sofrimento nas Pietá de Florença,

Michelangelo-Pietá Galeria dell'Academia

Michelangelo-Pietá Museo dell'Opera del Duomo, Florence

ou no inacabado da Pietá de Milão.

Michelangelo-Pietà Rondanini inacabada

Dá conta deste sofrimento o poema medieval Stabat Mater que aqui arquivo no original em latim e na tradução oficial da Igreja Católica.

Stabat Mater

1 Stabat Mater dolorosa iuxta crucem lacrimosa dum pendebat Filius

  De pé, a mãe dolorosa junto da cruz, lacrimosa, via o filho que pendia

2 Cuius animam gementem contristatam et dolentem pertransivit gladius

  Na sua alma agoniada enterrou-se a dura espada de uma antiga profecia

3 O quam tristis et afflicta fuit illa benedicta Mater Unigeniti

  Oh! Quão triste e quão aflita entre todas, Mãe bendita, que só tinha aquele Filho

4 Quae moerebat et dolebat et tremebat cum videbat nati poenas inclyti

  Quae moerebat et dolebat Pia Mater dum videbat nati poenas inclyti

  Quanta angústia não sentia, Mãe piedosa quando via as penas do Filho seu!

5 Quis est homo qui non fleret Matri Christi si videret in tanto supplicio?

  Quem não chora vendo isso: contemplando a Mãe de Cristo num suplício tão enorme?

6 Quis non posset contristari Matrem Christi contemplari dolentum cum filio?

  Quem haverá que resista se a Mãe assim se contrista padecendo com seu Filho?

7 Pro peccatis suae gentis vidit Iesum in tormentis et flagellis subditum

  Por culpa de sua gente Vira Jesus inocente Ao flagelo submetido

8 Vidit suum dulcem natum moriendo desolatum dum emisit spiritum

  Vê agora o seu amado pelo Pai abandonado, entregando seu espírito

9 Eia Mater, fons amoris, me sentire vim doloris fac ut tecum lugeam

  Faze, ó Mãe, fonte de amor que eu sinta o espinho da dor para contigo chorar

10 Fac ut ardeat cor meum in amando Christum Deum ut sibi complaceam

  Faze arder meu coração do Cristo Deus na paixão para que o possa agradar

11 Sancta Mater, istud agas crucifixi fige plagas cordi meo valide

  Ó Santa Mãe dá-me isto, trazer as chagas de Cristo gravadas no coração.

12 Tui nati vulnerati tam dignati pro me pati poenas mecum divide

  Do teu filho que por mim entrega-se a morte assim, divide as penas comigo.

13 Fac me vere tecum flere crucifixo condolere donec ego vixero

    Fac me tecum pie flere crucifixo condolere donec ego vixero

  Oh! Dá-me enquanto viver com Cristo compadecer chorando sempre contigo.

14 Iuxta crucem tecum stare te libenter sociare in planctu desidero

     Iuxta crucem tecum stare et me tibi sociare in planctu desidero

  Junto à cruz eu quero estar quero o meu pranto juntar Às lágrimas que derramas

15 Virgo virginum praeclara mihi iam non sis amara fac me tecum plangere

  Virgem, que às virgens aclara, não sejas comigo avara dá-me contigo chorar.

16 Fac ut portem Christi mortem passionis eius sortem et plagas recolere

      Fac ut portem Christi mortem passionis fac consortem et plagas recolere

  Traga em mim do Cristo a morte, da Paixão seja consorte, suas chagas celebrando.

17 Fac me plagis vulnerari cruce hac inebriari ob amorem filii

     Fac me plagis vulnerari fac me cruce inebriari et cruore filii

  Por elas seja eu rasgado, pela cruz inebriado, pelo sangue de teu Filho!

18 Inflammatus et accensus, per te, Virgo, sim defensus in die iudicii

    Flammis ne urar succensus, per te, Virgo, sim defensus in die iudicii

    Flammis orci ne succendar, per te, Virgo, fac, defendar in die iudicii

  No Julgamento consegue que às chamas não seja entregue quem por ti é defendido

19 Fac me cruce custodiri morte Christi praemuniri confoveri gratia      Christe cum sit hinc (iam) exire da per matrem me venire ad palmam vicoriae

  Quando do mundo eu partir daí-me ó Cristo conseguir, por vossa Mãe a vitória

20 Quando corpus morietur fac ut animae donetur paradisi gloria. Amen

  Quando meu corpo morrer possa a alma merecer do Reino Celeste a glória. Amém.

O poema foi objecto e inspiração musical de algumas obras-primas no século XVIII, sobretudo, e a minha preferência vai, inteira, pela espiritualidade que se desprende da música, para a composição de Joseph Haydn.

Aqui fica a sugestão de audição.

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Uma manhã, no golfo de Corinto… e mais poemas de António Patrício

28 Quinta-feira Mar 2013

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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António Patrício

Traveller 01

É a um itinerário de amor e de prazer que nos convidam estes poemas de António Patrício (1878-1930), irmãos daquele soneto / obra-prima — Saudade do teu corpo — que em tempos aqui transcrevi.

São memória da felicidade do corpo que a mente revisita num folhear de lembranças, e a mestria o verso sublima.

Uma manhã, no golfo de Corinto…

Uma manhã, no golfo de Corinto,
comemos grandes cachos-moscatel.
O mar, de leite e azul, tinha veios de absinto;
e o teu corpo, ao sol, como um sabor a mel.

Enlaçámo-nos nus entre loureiros-rosas,
róseos e brancos, alternando, até à praia.
— Não tornam mais a vir as horas dolorosas:
sumiram-se ao cair subtil da tua saia.

E boca contra boca, a sorver bagos de âmbar,
bem brunidos de sol, e sempre a arder em sede,
assim ficámos nós até que veio a tarde
deitar-nos devagar sua mística rede.

Mostraste-me a sorrir, no golfo, uma medusa:
“Queria viver assim, disseste, a vida toda.”
Tínhamos vinho com resina numa infusa,
e bebemo-lo os dois para acabar a boda.

Fomos nadar depois: a água era tão densa,
que nos trazia mornamente, ao colo,
num puro flutuar, beatitude imensa,
entre reflexos, a arrolar, de rolo em rolo…

A noite veio enfim: estendidos na areia,
pusemo-nos então a entristecer calados.
Como dois mármores: um tritão e uma sereia
que o golfo adormecia em soluços velhos.

Passamos agora da Grécia para o outro lado do mar, e é na velha Turquia que a memória do prazer passeia.

Poema de EYÚB

Tenho saudades de Eyúb…
Da cidadezinha-cemitério
a subir as ruas da colina,
dos ciprestes com ninhos de cegonha,
das stelas sem fez, dos turbantes em ruína.
Pé ante pé, como se fosse um crime,
tu entravas, de pálpebras cerradas,
no pátio sombreado da mesquita!
Na fonte ritual, de mármores rosados,
com inscrições de sonho, a malaquite e lazúli,
faziam-se, em silêncio, as abluções:
caíam com preguiça as folhagens dos plátanos,
no mosaico do chão estremeciam pombas.
Ao pé do túmulo dos derviches santos
erguia-se, a sorrir, o nosso perfumista.
E no teu sac-a-main, em vidros fasciados,
o génio dos jardins que ninguém visitou
e um velho nos vendeu em tardes de Setembro
dormia entre cartões e o teu bâton de rouge.
Corríamos Eyúb em todos os sentidos:
ruas de mausoléus arrendadas de acácias,
— fumávamos ao sol, nos mármores partidos —;
havia um ar de além narcotizando tudo:
os vivos que passavam como mortos,
o Corno de Oiro, ao longe, esfumado e de vidro.
Nenhum de nós falava.
E, porosa à tristeza, a tua argila eslava
impregnava-se, bebia a vida em torno,
para ma dar depois em luxúria e em sonho.
No cimo da colina,
Era a velada imensa dos ciprestes.
Voltávamos, então, a fitar Estambul,
reconhecendo cada domo, os minaretes.

E cada minarete, à voz do muezzin,
era um caule a florir, em orações, no ar.
Arrefecia um pouco: e nós os dois, descendo,
colados e com ritmo, entre calhaus rolando,
saíamos enfim do cemitério imenso.
Os mortos, em Eyúb, adormeciam todos…
À colina violácea as cegonhas voltavam.
E o ópio da terra muçulmana
doria tudo numa paz sem nome.

Ao pé do embarcadoiro,
olhando a água, a goles muito lentos,
bebíamos café que um cafégi trazia.
E na penumbra glauca as medusas bailavam:
Vénus, ao fundo, era no golfo um cális de oiro…
E ainda os nossos olhos a fitavam,
quando, em barco de sombra, o vapor atracava,
E, sem ruído, a gente turca se escoava.

Oh! a volta, oh! a volta,
na água espessa de noite, em dezenas de escalas,
até tocar por fim na ponte, em Estambul.
Nós íamos os dois como que entorpecidos,
sem um só movimento, enluvando os sentidos,
como a dizer adeus às coisas que passavam.

E passava o Phanar cor de sangue coalhado
(o sangue de Bizâncio a crepitar na tarde),
misérrimos jardins com um minarete pobre
(aonde vai rezar um muezzin em farrapos),
e que é como um pombal, como o pombal deserto
de que o génio de Allah fosse a invisível pomba.

Ah! Deitai-vos, deitai-vos…
Dormi nos contrafortes das mesquitas,
minaretes de Eyúb e de Constantinopla:
da Sulimanié e de Santa Sofia,
todos vós, todos vós; adormecei: deitai-vos…
Devagarinho: há névoa já: ninguém nos vê…
Como os mortos de Eyúb, adormecei. Silêncio.
Se houver estrelas é mais tarde. Adormecei.

Termina este curto deambular por memórias de paixão com a nostálgica recordação do anuncio do fim.

Em Prinkipo

O Outono de cristal enredomava a ilha.

Era uma elísea luz que os ciprestes fiavam

em rocas verde-bronze: os pinhais plumulavam.

Ouvimos não sei quê; e era – maravilha! –

era uma migração de cegonhas que vinha

em triângulos, gris, sobre a calma marinha,

num ritmo musical, musicalmente absorto,

como seguindo no ar o fantasma de um morto.

Suspendeu-nos os dois o lindo acorde de asas

que vinha do Mar Negro, entre jardins e casas.

E como a migração, rósea e gris despedida,

também em ti dissesse o adágio da partida,

tu colaste-te a mim: deste-me o teu terror:

era a Morte a passar por sobre o nosso amor.

Muito tempo passou. – Onde estás tu agora? –

Queria saber se em ti a magia dessa hora,

aquela migração de cegonhas que vinha,

rósea e gris, a vibrar, na atmosfera marinha,

voa e revoa ainda, irreal maravilha,

no Outono de cristal que enredomava a ilha.

Os poemas foram transcritos de Poesia Completa, Assírio & Alvim, Lisboa s/d (1980).

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Miguel Torga – quatro poemas de Cântico do Homem

27 Quarta-feira Mar 2013

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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Miguel Torga

Michelangelo-Creation_of_Adam_detail-1508-1512-III

A curtos espaços releio a poesia de Miguel Torga (1907-1995). Vogo por entre os poemas num deambular de interrogações sobre o sentido deste viver de homem só em frente ao mundo.

Bato à porta da minha solidão,
E ninguém abre!
Na grande noite que me rodeou,
Quem vinha ao meu encontro, desviou
A direcção fraterna da ternura…

Trevas — é o que ficou
Na concha de que fiz a sepultura.

São poesia que insiste em fugir-nos no pouco amável do seu verso, e onde as exigências do existir nos confrontam.

Livre não sou, que nem a própria vida
Mo consente.
Mas a minha aguerrida
Teimosia
É quebrar dia a dia
Um grilhão da corrente

Livre não sou, mas quero a liberdade.
Trago-a dentro de mim como um destino.
E vão lá desdizer o sonho do menino
Que se afogou, e flutua
Entre nenúfares de serenidade
Depois de ter a lua!

Hoje paro em mais dois poemas do livro Cântico do Homem pela primeira vez publicado em 1950.

Sonho perdido

Como foi que o meu sonho se perdeu
No liso descampado desta vida?
Distraída
Atenção
Que tão ingloriamente empobreceu
Quem não tinha outro vinho e outro pão!

Na fundura dos bolsos não encontro
Nem sequer a lembrança desenhada
Do seu calor!
Perdi o sonho… E resta-me o pudor
Deste triste poema ressequido…
Perdi o sonho… E nunca se encontrou
Nenhum sonho perdido.

Último Reduto

Meu coração é bom naturalmente.
Gosta do mar, da terra e das crianças.
Bate uma vida inteira sem mudanças,
Se ninguém o magoar.
No seu calor, é quente
Qualquer amor que o venha visitar.

Fonte dum rio que dá volta ao corpo
Da humanidade,
Nunca, em nenhuma idade,
Empobreceu a força do caudal!
Generosa, fecunda e permanente,
A vermelha corrente
Regou sempre a secura do areal.

E querem duvidar desta certeza!
Querem que uma represa
De amargura
Seja a vil sepultura
Dum braço que sempre se alargou!
Querem que a noite da desilusão
Se dobre sobre cada pulsação
Da onda que a ternura levantou!

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Cantiga da Condessa de Die (sec. XII-XIII)

26 Terça-feira Mar 2013

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Condessa de Die

Iluminura 10x500

É famosa a cantiga da Condessa de Die (sec. XII-XIII) onde a supremacia da vontade da mulher no seio do casal se afirma sem ambiguidades:

Não há nenhum mór prazer
Que vos ter com’a marido.
Se de vós for prometido
Fazerdes quant’eu quiser.

Ao longo do poema, sem falsos pudores, a Condessa fala-nos do amor, físico, evidentemente, em termos que poucas mais vezes uma mulher ousou em poesia:

Ai quero ao meu cavaleiro
Apertar às tetas brancas!
O corpo dou-lh’eu inteiro,
Cavalgará minhas ancas!

Este poema é parte do glorioso corpus da poesia Provençal, berço da poesia europeia pós-latina, e raiz do entendimento do poeta como cantor do amor na devoção da amada, que foi o seu entendimento social até ao século XIX. Nele apenas os sexos entre evocador e evocado se trocam.

A versão de Jorge de Sena que transcrevo procura em português moderno conservar o sabor peculiar desta forma de dizer amor em poesia.

CANTIGA

Grã coita tenho sofrido
Por homem que desdenhei.
Que sempre seja sabido
Quanto o amo e amarei.
É-me agora fementido
Por amor que eu recusava.
E doida eu’stava em vestido
Ou se nua me deitava.

Ai quero ao meu cavaleiro
Apertar às tetas brancas!
O corpo dou-lh’eu inteiro,
Cavalgará minhas ancas!
Cá lh’estou mais que rendida
Flora o foi de Brancaflor,
É todo seu meu amor,
Minh’alma, os olhos, e a vida.

Aí meu amigo velido!
S’em meu poder vos tomar
E convosco me deitar
E d’amor eu vos beijar,
Não há nenhum mór prazer
Que vos ter com’a marido.
Se de vós for prometido
Fazerdes quant’eu quiser.

Acrescento o original da canção em langue d’oc

Estat ai en greu cossirier

per un cavallier qu’ai agut,

e vuoil sia totz temps saubut

cum ieu l’ai amat a sobrier.

Ara vei qu’ieu sui trahida

car ieu non li donei m’amor

don ai estat en gran error

en lieig e quand sui vestida.

Ben volria mon cavallier

tener un ser en mos bratz nut,

qu’el s’en tengra per ereubut

sol qu’a lui fezes cosseillier.

Car plus m’en sui abellida

no fetz Floris de Blanchaflor,

lui eu l’austrei mon cor e m’amor

mon sen, mos huoillis e ma vida.

Bel amics avinens e bos,

cora.us tenrai en mon poder?

E que jagues ab vos un ser

e qu.us des un bais amoros?

Sapchatz, gran talen n’auria

qu.us tengues en luoc del marit

ab so que m’aguessetz plevit

de far tot so qu’eu volria.

Por fim uma versão da canção em francês moderno para aqueles que dominam a língua poderem apreciar melhor o trabalho de virtuose da palavra levado a cabo por Jorge de Sena.

J’ai été en cruelle douleur

pour un chevalier que j’ai eu,

je veux qu’il soit pour toujours su

que je l’aimais par-dessus tout.

Mais je vois que je suis trahie

car je ne lui donnai pas tout l’amour,

j’ai fait une terrible erreur

au lit ou encore vêtue.

Je voudrais tant mon chevalier

tenir un soir entre mes bras nu

et qu’il se trouve comblé,

que je lui serve de coussin.

Je suis plus amoureuse de lui

que jamais Floris de Blanchefleur,

je lui donne mon coeur, mon amour,

mon sens, mes yeux et ma vie.

Bel ami élégant et bon,

quand vous tiendrai-je en mon pouvoir ?

Quand coucherai-je avec vous un soir,

vous donnant un baiser amoureux ?

Sachez que j’ai grand désir

de vous à la place du mari,

pourvu que vous m’ayez promis

de faire tout ce que je voudrais.

A versão para francês moderno é de Jacques Roubaud.

A identidade da Condessa de Die (sec. XII-XIII) permanece misteriosa sendo umas vezes considerada esposa de Guilherme I de Valentinois, de nome próprio Beatrice, outras tida como filha de Guigne V, delfim de Viennois. A sua obra conhecida compõe-se quatro cansos e uma tenso com Raimbaut d’Orange, e datam do virar dos sec. XII e XIII. E é o máximo que com segurança hoje se pode afirmar.

Noticia bibliográfica

A tradução de Jorge de Sena consta da sua antologia Poesia de 26 séculos, Fora do texto, Coimbra, 1993.

A transcrição do poema original, da moderna tradução francesa e da noticia biográfica, foram feitas a partir do livro Le Moyen Âge flamboyant, Poesie et peinture, 2006, deslumbrante edição de Diane de Selliers onde poesia medieval e iluminuras raras se confrontam.

O livro propõe-se, e consegue, revelar uma idade média insuspeitada, impressionante de vivacidade e expressão, duma humanidade transbordante de ternura, de espírito, de humor, em estreita comunhão com a natureza.

Em português apenas podemos ter uma pálida ideia deste universo poético com as parcas, mas belas, traduções de Augusto de Campos e mais recentemente da obra de Guilherme IX de Aquitânia por Arnaldo Saraiva, sendo que as traduções de Segismundo Spina, no seu clássico A Lírica Trovadoresca, porque em prosa, apenas tenuemente aproximam esta poesia.

Condessa de Die

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Canto – um poema de amor de Irene Lisboa (talvez esquecido)

25 Segunda-feira Mar 2013

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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Irene Lisboa

Klimt_Gustav-Hope_II

Já tinha alguns anos de publicação em livro a obra poética de Irene Lisboa (1892-1958) quando este exultante poema de entrega ao amor surgiu numa revista em 1944.

… e o vento,
o vento dos altos a que me dei,
a ti me trouxe
a ti me entregou.
Se em mim já estavas!
Pela boca, pelos olhos e pelas mãos,
arreigado e voraz,
meu invasor enternecido.
…

Desenvolve-se o poema, e mais à frente, na ênfase do verso repetido, regressa a força da entrega à paixão:

…
Mas o vento…
o vento dos altos a que me dei,
mais do que o resto a ti me trouxe,
a ti me entregou.
Como se eu te esperasse
e te pudesse fugir,
sôfrego quiseste-me prender.
Eu presa já estava…
…

Mas a longa,
a magnânima tarde
não me concedeu asas…
Por isso a minha mão dentro da tua,
sensível e cativa,
te disse, te repetiu longamente, à saciedade,
o que bem querias saber
e até o que sentias.
Te confessou quanto lhe pediste.

Na emoção do encontro e do afastamento seguimos pelos versos decantados onde o amor escorre em palavras de desejo e resignação.

…
Cinco vidas…
Mas uma, apenas, ardente, violenta e dissipada,
uma só não te bastaria?
Uma,
quintuplicada, centuplicada na hora inefável,
no momento embriagado…
Uma, para me dares, para eu de ti receber,
vergada, sucumbida?
…

É, sem duvida, um belo poema de amor, e dorme nas páginas esquecidas de uma revista literária hoje rara.

Podemos procurar com lupa até encontrar tão eloquente evocação poética de um beijo ardente quanto esta:

…
Ou, sequer, a lembrança inconfundível
do repente doce e acre
em que me beijaste,
como se eu fosse uma folha,
uma baga de árvore
e tu uma rajada.
Em que me aspiraste
ou em que me sorveste…
Não me ficaria a boca em sangue?
Deixaste-me,
deixaste a tua escrava um pouco atemorizada,
meu senhor.
…

A este poema aplicam-se como luva as palavras de José Gomes Ferreira escritas num prefácio a umas “Poesias completas de Irene Lisboa” que nunca se publicaram: …tema do Amor que é um dos mais difíceis de analisar na poesia de Irene Lisboa porque, no fim de contas, reflecte o que existe no espírito e no corpo de todas as mulheres e a grande poetisa dos Pequenos Poemas Mentais tentava dia a dia, desencantar e exprimir sem o reduzir à resignação biológica feminina mais ou menos alindada com palavras de galanteio suficientes.

Sendo a obra poética de Irene Lisboa hoje praticamente desconhecida, e encontrar os seus livros tarefa beneditina de pesquisa em alfarrabistas, vale talvez a pena transcrever o que sobre a obra diz Jorge de Sena em Líricas Portuguesas III, onde republicou os Pequenos Poemas Mentais acima referidos:

“É hoje considerada um dos grandes escritores portugueses, pela originalidade incomparável do seu estilo e da sua personalidade, tendo criado uma vasta obra que se destaca pela delicadeza e subtileza de tom e por uma ironia discretamente desapegada e lúcida, mas no fundo aberta a uma ternura selvagem, uma humanidade áspera, uma ácida doçura.
Os seus poemas pouco publicados em livro e dispersos, porém— e toda a sua prosa possui um timbre da mais límpida poesia, uma poesia ao mesmo tempo finamente civilizada e acremente campestre —, através do requinte de uma consumada arte do ocasional e do momentâneo, igualmente constituem, no seu aspecto aparentemente descosido, e vagamente meditativo, a afirmação de uma das mais notáveis figuras líricas contemporâneas: lirismo feminino que é plácida desenvoltura de um espírito implacável, indomitamente livre e liberto.“

Deixo-vos com o poema.

CANTO

… e o vento,
o vento dos altos a que me dei,
a ti me trouxe
a ti me entregou.
Se em mim já estavas!
Pela boca, pelos olhos e pelas mãos,
arreigado e voraz,
meu invasor enternecido.

*

Cinco vidas, nada menos,
cinco vidas querias ter.
Cinco vidas…
Mas uma, apenas, ardente, violenta e dissipada,
uma só não te bastaria?
Uma,
quintuplicada, centuplicada na hora inefável,
no momento embriagado…
Uma, para me dares, para eu de ti receber,
vergada, sucumbida?
É primavera! saíu-me da boca.
E tu sorriste.
Sorriste, creio.
Primavera e todas as estações…
Chuva e sol, tempo sem idade.

*

Aqueles suaves, langues verdes, tão cariciosos;
os redondos troncos
e os musgos fofos;
os melros agrestes
e as campainhas roxas daquelas flores da minha infância,
de que me ensinaste o nome tão doce, tão estranho…
E as loucas nuvens corredias
e as pedras hieráticas
e as veredas amáveis,
como se os ofereciam!
Amavam-nos,
Não o viste?
No passo certo em que ambos íamos
tudo, tudo nos prendia
e nós tudo deixávamos.
Mas o vento…
o vento dos altos a que me dei,
mais do que o resto a ti me trouxe,
a ti me entregou.
Como se eu te esperasse
e te pudesse fugir,
sôfrego quiseste-me prender.
Eu presa já estava…

*

E assim continuámos.

*

Aquela hora não esquece.
Não pode esquecer,
nem se repete.

*

Mudarás tu ou mudarei eu.
O mundo acena-te.
E não se é nada…
Mas a hora, a hora, a hora tão cobiçada,
a hora que chegou,
passando, não passa…
morrendo, ficou…
Nos ramos,
nas heras luzentes,
na chuvinha suspensa,
nas voltas do caminho,
na frescura aspirada,
na solidão alegríssima e confidente,
em ti e em mim.
Ficou.
Está.
Mas a ninguém o confesses
nem disso te convenças.

*

Permanece,
está naquelas flores rosadas,
quasi sem cor, dos lindos arbustos…
Tornaremos jamais a vê-los sem nos lembrarmos?
Eles… somos nós passando,
Tu, silencioso;
eu, aconchegada.
Na tua mão quente,
a minha, presa e enraizada,
tão segura e tão confiante,
era uma dádiva.
Naquele breve momento
tu a recebias e guardavas.

*

Assim, inteira, a mim me guardasses!

*

Ou, sequer, a lembrança inconfundível
do repente doce e acre
em que me beijaste,
como se eu fosse uma folha,
uma baga de árvore
e tu uma rajada.
Em que me aspiraste
ou em que me sorveste…
Não me ficaria a boca em sangue?
Deixaste-me,
deixaste a tua escrava um pouco atemorizada,
meu senhor.
Se eu pudesse voar,
soltar-me dos teus braços,
iria como um pássaro, receoso e deslumbrado,
de árvore em árvore, de ramo em ramo,
sem nada ver, tonto, tonto,
até que de novo o chamasses.

*

Mas a longa,
a magnânima tarde
não me concedeu asas…
Por isso a minha mão dentro da tua,
sensível e cativa,
te disse, te repetiu longamente, à saciedade,
o que bem querias saber
e até o que sentias.
Te confessou quanto lhe pediste.

Publicado no nº4 da revista Litoral em 1944.

Breve comentário bibliográfico.

A mais recente edição das obras de Irene Lisboa, de meu conhecimento, data da década de 90 e foi publicada pela Editorial Presença sob direcção de Paula Morão. Nesta edição, a poesia de Irene Lisboa, publicada originalmente em livro com o pseudónimo de João Falco, foi reunida no volume I, poesia I, com o título: um dia e outro dia… outono havias de vir. E por aqui ficou, que eu saiba. Houve um prometido volume de poesia inédita que não viu a luz do dia, suponho, e a poesia dispersa por publicações periódicas não foi objecto de qualquer recolha.

A organizadora da edição mencionada defendeu uma peregrina tese de doutoramento que publicou em livro, IRENE LISBOA vida e escrita, Editorial Presença, Lisboa, 1989, onde tratando da relação vida/escrita da mulher, consegue passar completamente ao lado da poesia de Irene Lisboa, quase como se esta fosse marginal à obra e não criação paralela à prosa ao longo da vida literária.

Na verdade a obra poética, dispersa (a partir de 1940 Irene Lisboa nunca mais publicou poesia em livro) exige primeiro a sua recolha para depois sobre ela reflectir. Mas numa obra literária onde a poesia conhecida surge a cada passo como voz interior que se liberta, pretender dissecar vida e escrita passando-lhe ao lado, interroga-nos sobre o sentido da tarefa e conclusões, para dizer o mínimo.

Pesquisar esta poesia perdida dá trabalho. Que maçada! É tão mais fácil perorar sobre edições acessíveis. Enfim!

Venha o investigador sério e probo que meta mãos à tarefa e nos dê estes poemas que, pelo conhecido, se adivinham de enorme valor. Eu, leitor, agradeço.

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Antonio Machado – Parábolas I

23 Sábado Mar 2013

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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Antonio Machado, Magritte

Magritte_Rene-Beautiful_World

Regresso à poesia de António Machado (1875-1939) com a primeira das parábolas publicadas em Campos de Castilla (1907-1917).

Poema sobre a realidade e o sonho, nele, uma vez mais, António Machado  e o seu filosofar poético tocam-nos no mais fundo da alma.

Era un niño que soñaba / un caballo de cartón.

Abrió los ojos el niño / y el caballito no vio.

Fazendo uso da sua simplicidade enganosa, que não é senão mestria de génio, somos levados da infância à velhice embalados na música dos versos, tentando encontrar a fronteira entre sonho e realidade, sem sucesso.

Deixo-vos a tradução de José Bento, primeiro, seguida do original em castelhano.

Tentai a leitura do poema original em voz alta e sentir-se-á melhor o prodígio de musicalidade que este poema é.

Era um menino a sonhar

com um cavalo de cartão.

O menino abriu os olhos

e não viu o cavalinho.

Com um cavalinho branco

ele voltou a sonhar;

pelas crinas o prendia…

Assim não te escaparás!

Mal o conseguiu prender,

logo o menino acordou.

Tinha a sua mão fechada.

O cavalinho voou!

O menino ficou sério,

pensando não ser verdade

um cavalinho sonhado.

Já não voltou a sonhar.

E o menino se fez moço

e o moço teve um amor,

e dizia à sua amada:

Tu és de verdade ou não?

Quando o moço se fez velho

pensava: Tudo é sonhar,

o cavalinho sonhado

e o cavalo de verdade.

E quando chegou a morte,

o velho ao seu coração

perguntava: Tu és sonho?

Quem saberá se acordou!

Era un niño que soñaba

un caballo de cartón.

Abrió los ojos el niño

y el caballito no vio.

Con un caballito blanco

el niño volvió a soñar;

y por la crin lo cogía…

¡Ahora no te escaparás!

Apenas lo hubo cogido,

el niño se despertó.

Tenía el puño cerrado.

¡El caballito voló!

Quedóse el niño muy serio

pensando que no es verdad

un caballito soñado.

Y ya no volvió a soñar.

Pero el niño se hizo mozo

y el mozo tuvo un amor,

y a su amada le decía:

¿Tú eres de verdad o no?

Cuando el mozo se hizo viejo

pensaba: Todo es soñar,

el caballito soñado

y el caballo de verdad.

Y cuando le vino la muerte,

el viejo a su corazón

preguntaba: ¿Tú eres sueño?

¡Quién sabe si despertó!

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Diadapoesia comemorado com Alvaro de Campos e iluminado por Baselitz

22 Sexta-feira Mar 2013

Posted by viciodapoesia in Crónicas

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Álvaro de Campos, Fernando Pessoa, Georg Baselitz

Baselitz_Georg-Rebel

Confesso que me passou completamente ao lado a existência de um Dia Mundial da Poesia. De resto, encontrava-me em estado de felicidade absoluta, fazendo da vida pura poesia. Mas como estes eventos esperam comemoração, entrego ao engenheiro Campos a responsabilidade da coisa.

Vai com um dia de atraso, pois o homem, ontem, talvez se encontrasse entre eflúvios alcoólicos.

Tenho escripto mais versos que verdade.
Tenho escripto principalmente
Porque outros teem escripto.
Se nunca tivesse havido poetas no mundo,
Seria eu capaz de ser o primeiro?
Nunca!
Seria um individuo perfeitamente consentivel,
Teria casa propria e moral.
Senhora Gertrudes!
Limpou mal este quarto:
Tire-me essas idéas de aqui!

O poema foi atribuído a Alvaro de Campos por Teresa Rita Lopes, e publicado pela primeira vez no volume II da sua obra, PESSOA POR CONHECER, Editorial Estampa, Lisboa, 1990.

As pinturas que acompanham o artigo a abrir e a fechar são do pintor alemão Georg Baselitz (1938).

Baselitz_Georg-Male_Nude

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Floralia de Klimt à entrada da Primavera

21 Quinta-feira Mar 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte

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Gustav Klimt

Klimt_Gustav-Country_Garden_with_Sunflowers

Assinalemos a chegada da Primavera ao hemisfério norte com algumas pinturas de Gustav Klimt (1862-1918) onde a presença de flores, fascínio e ornamento da natureza, domina.

Foi com uma surpresa deslumbrada que em certa visita a Viena descobri esta outra pintura de Klimt, até aí, para mim, pintor de figuras longilineas envoltas em mantos feéricos, surgindo como estereótipo de uma certa ideia de Arte Nova de que o quadro O Beijo será, talvez, o mais famoso ícone.

Contrariamente às pinturas alegóricas, carregadas de uma presença simbólica, as pinturas de paisagens são obras em que apenas uma atmosfera se sente, e convidam-nos tão só a uma atitude contemplativa, desligada de reflexões estéticas ou filosóficas.

Os temas de paisagem são parte importante da obra do artista, cerca de um quarto do que deixou, e são, de certa forma, o contraponto de oficio à reflexão do significado da arte na vida, que a sua restante pintura convida a meditar.

Captando a natureza no seu indiferente renascer e fluir, ao olhar estas pinturas somos levados a fruir tão só essa continuidade temporal, que de alguma maneira sabemos, acontecerá nos dias que se avizinham.

Feito o intróito, é tempo de a anunciada viagem pictórica acontecer.

Klimt_Gustav-Farmhouse_in_Upper_Austria

Klimt_Gustav-Water_Castle

Klimt_Gustav-Poppy_Field

Klimt_Gustav-Park

Klimt_Gustav-Unterach_am_Attersee

Klimt_Gustav-Houses_at_Unterach_on_the_Attersee

Klimt_Gustav-Flowering_Field

Klimt_Gustav-Beech_Grove_I

Klimt_Gustav-Schloss_Kammer_on_the_Attersee

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Alberto Caeiro – Poema VIII de O Guardador de Rebanhos no Dia do Pai

19 Terça-feira Mar 2013

Posted by viciodapoesia in Cânone XXI, Convite à arte, Poetas e Poemas

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Alberto Caeiro, Fernando Pessoa, Louis Gallait

louis Gallait 1848

Somos filhos antes de sermos pais. Em cada idade sentimos o Dia do Pai de forma adaptada ao percurso por onde a vida nos levou.

Depois que somos pais, somos também filhos de maneira diferente. Mas por mais adultos e suficientes que sejamos, só a perda do Pai nos faz sentir como a partir daí estamos na vida por nossa conta. É essa referência que nos moldou ao crescer, que nos acompanha pela vida e nos faz desejar assinalar de forma especial a passagem do Dia do Pai, diferente do seu ou do nosso aniversário.

Uma vez pais, cada filho é sempre uma espécie do nosso Menino Jesus. Foi sentindo isso que escolhi assinalar este Dia do Pai com a transcrição do poema VIII de O Guardador de Rebanhos, de Alberto Caeiro, o heterónimo de Fernando Pessoa, que termina precisamente com esta identificação:

Esta é a história do meu Menino Jesus. / Por que razão que se perceba /Não há de ser ela mais verdadeira / Que tudo quanto os filósofos pensam /E tudo quanto as religiões ensinam?

O poeta diz num verso lapidar como cada filho vive em nós e nos integra:

…

Ele dorme dentro da minha alma

…

A irreverência, por vezes chocante para católicos, que numa leitura superficial do poema a espaços surge, como por exemplo neste fragmento:

…

Um dia que Deus estava a dormir

E o Espírito-Santo andava a voar,

Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.

Com o primeiro fêz que ninguém soubesse que êle tinha fugido.

Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.

Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz

E deixou-o pregado na cruz que há no céu

E serve de modêlo às outras.

Depois fugiu para o Sol

E desceu pelo primeiro raio que apanhou.

ganha a dimensão da liberdade de pensar e faz sentir a complexidade dos sentimentos que nos atravessam perante a força avassaladora da fé, na sua negação do irracional. Irracional que está sempre presente no amor com que banhamos os nossos filhos desde o dia em que nascem até que deles nos despedimos, talvez com o desejo secreto que o poeta desvela:

Quando eu morrer, filhinho,

Seja eu a criança, o mais pequeno.

Pega-me tu ao colo

E leva-me para dentro da tua casa.

Despe o meu ser cansado e humano

E deita-me na tua cama.

E conta-me histórias, caso eu acorde,

Para eu tornar a adormecer.

E dá-me sonhos teus para eu brincar

Até que nasça qualquer dia

Que tu sabes qual é.

Deixo-o, leitor, com o poema.

Para quem o conhece, fica o prazer do reencontro. Para quem o lê pela primeira vez, no final será, eventualmente, outra pessoa.

VIII

Num meio-dia de fim de primavera

Tive um sonho como uma fotografia.            

Vi Jesus Cristo descer à terra.

           

Veio pela encosta de um monte

Tornado outra vez menino,

A correr e a rolar-se pela erva

E a arrancar flores para as deitar fora

E a rir de modo a ouvir-se de longe.

           

Tinha fugido do céu.

Era nosso demais para fingir

De segunda pessoa da trindade.

No céu era tudo falso, tudo em desacôrdo

Com flores e árvores e pedras.

No céu tinha que estar sempre sério

E de vez em quando de se tornar outra vez homem

E subir para a cruz, e estar sempre a morrer

Com uma côroa tôda à roda de espinhos

E os pés espetados por um prego com cabeça,

E até com um trapo à roda da cintura

Como os pretos nas ilustrações.

Nem sequer o deixavam ter pai e mãe

Como as outras crianças.

O seu pai era duas pessoas –

Um velho chamado José, que era carpinteiro,

E que não era pai dêle;

E o outro pai era uma pomba estúpida,

A única pomba feia do mundo

Porque não era do mundo nem era pomba.

E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.

Não era mulher: era uma mala

Em que ele tinha vindo do céu.

E queriam que êle, que só nascera da mãe,

E nunca tivera pai para amar com respeito,

Pregasse a bondade e a justiça!

           

Um dia que Deus estava a dormir

E o Espírito-Santo andava a voar,

Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.

Com o primeiro fêz que ninguém soubesse que êle tinha fugido.

Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.

Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz

E deixou-o pregado na cruz que há no céu

E serve de modêlo às outras.

Depois fugiu para o Sol

E desceu pelo primeiro raio que apanhou.

Hoje vive na minha aldeia comigo.

É uma criança bonita de riso e natural.

Limpa o nariz ao braço direito,

Chapinha nas pôças de água,

Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.

Atira pedras aos burros,

Rouba a fruta dos pomares

E foge a chorar e a gritar dos cães.

E, porque sabe que elas não gostam

E que tôda a gente acha graça,

Corre atrás das raparigas

Que vão em ranchos pelas estradas

Com as bilhas às cabeças

E levanta-lhes as saias.

           

A mim ensinou-me tudo.

Ensinou-me a olhar para as coisas.

Aponta-me tôdas as coisas que há nas flores.

Mostra-me como as pedras são engraçadas

Quando a gente as tem na mão

E olha devagar para elas.

           

Diz-me muito mal de Deus.

Diz que ele é um velho estúpido e doente,

Sempre a escarrar no chão

E a dizer indecências.

A Virgem-Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.

E o Espírito-Santo coça-se com o bico

E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.

Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.

Diz-me que Deus não percebe nada

Das coisas que criou –

«Se é êle que as criou, do que duvido» -.

«Êle diz, por exemplo, que os sêres cantam a sua glória,

Mas os sêres não cantam nada.

Se cantassem seriam cantores.

Os seres existem e mais nada,

E por isso se chamam sêres».

E depois, cansado de dizer mal de Deus,

O Menino Jesus adormece nos meus braços

E eu levo-o ao cólo para casa.

           

…………………………………………………………

           

Êle mora comigo na minha casa a meio do outeiro.

Êle é a Eterna Criança, o deus que faltava.

Êle é o humano que é natural,

Êle é o divino que sorri e que brinca.

E por isso é que eu sei com tôda a certeza

Que êle é o Menino Jesus verdadeiro.

           

E a criança tão humana que é divina

É esta minha quotidiana vida de poeta,

E é porque êle anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,

E que o meu mínimo olhar

Me enche de sensação,

E o mais pequeno som, seja do que fôr,

Parece falar comigo.

           

A Criança Nova que habita onde vivo

Dá-me uma mão a mim

E a outra a tudo que existe

E assim vamos os três pelo caminho que houver,

Saltando e cantando e rindo

E gozando o nosso segrêdo comum

Que é o de saber por tôda a parte

Que não há mistério no mundo

E que tudo vale a pena.

           

A Criança Eterna acompanha-me sempre.

A direcção do meu olhar é o seu dedo apontando.

O meu ouvido atento alegremente a todos os sons

São as cócegas que êle me faz, brincando, nas orelhas.

           

Damo-nos tão bem um com o outro

Na companhia de tudo

Que nunca pensamos um no outro,

Mas vivemos juntos e dois

Com um acôrdo íntimo

Como a mão direita e a esquerda.

           

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas

No degrau da porta de casa,

Graves como convém a um deus e a um poeta,

E como se cada pedra

Fôsse todo um universo

E fôsse por isso um grande perigo para ela

Deixá-la cair no chão.

           

Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens

E ele sorri, porque tudo é incrível.

Ri dos reis e dos que não são reis,

E tem pena de ouvir falar das guerras,

E dos comércios, e dos navios

Que ficam fumo no ar dos altos mares.

Porque êle sabe que tudo isso falta àquela verdade

Que uma flor tem ao florescer

E que anda com a luz do sol

A variar os montes e os vales

E a fazer doer aos olhos os muros caiados.

           

Depois êle adormece e eu deito-o.

Levo-o ao colo para dentro de casa

E deito-o, despindo-o lentamente

E como seguindo um ritual muito limpo

E todo materno até êle estar nu.

           

Ele dorme dentro da minha alma

E às vezes acorda de noite

E brinca com os meus sonhos.

Vira uns de pernas para o ar,

Põe uns em cima dos outros

E bate as palmas sòzinho

Sorrindo para o meu sono.

           

……………………………………………..

       

Quando eu morrer, filhinho,

Seja eu a criança, o mais pequeno.

Pega-me tu ao colo

E leva-me para dentro da tua casa.

Despe o meu ser cansado e humano

E deita-me na tua cama.

E conta-me histórias, caso eu acorde,

Para eu tornar a adormecer.

E dá-me sonhos teus para eu brincar

Até que nasça qualquer dia

Que tu sabes qual é.

           

……………………………………………………

           

Esta é a história do meu Menino Jesus.

Por que razão que se perceba

Não há de ser ela mais verdadeira

Que tudo quanto os filósofos pensam

E tudo quanto as religiões ensinam?

A transcrição ortográfica segue o texto fixado por Teresa Sobral Cunha na sua edição dos Poemas Completos de Alberto Careiro, Editorial Presença, Lisboa, 1994.

A pintura que abre o artigo é do belga Louis Gallait pintada presumivelmente em 1848.

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