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António Patrício — Vilancete

22 Sexta-feira Set 2017

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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António Patrício, Picasso

É de alucinação que fala o poema Vilancete de António Patricio (1878-1930).

Sentindo a presença viva da amada que partiu: … / Aparece irrealmente: / vem agora que está morta / sem bater à minha porta. /… , o poema conta-nos uma serena aceitação da morte de quem amamos:
…
Se o luar doira a vidraça,
ficamos juntos a ver
como a lua vem benzer
a cada coisa que passa.
Assim a noite esvoaça…
E por fim a amiga morta
sai sem nunca abrir a porta.

Nele não há vislumbre de desespero ou angústia, apenas uma espécie de saudade que o desgosto suavizou:
…
Como um perfume no escuro,
como na alma um perdão,
surge assim no coração
que por ela se fez puro.
…

Para os leitores que o recordem, lemos neste poema uma forma mitigada de viver com a lembrança da amada morta que Teixeira de Pascoaes exacerbou em Elegia do Amor.

Vilancete

Não mais bate à minha porta
aquela que nos sorria…
Coração: a amiga é morta.

Entra agora fluidamente
por onde quer, como quer;
com suas mãos de mulher
não bate: truz, truz! tremente.
Aparece irrealmente:
vem agora que está morta
sem bater à minha porta.

Como um perfume no escuro,
como na alma um perdão,
surge assim no coração
que por ela se fez puro.

Não há janela nem muro
que resista à amiga morta:
abre, sem abrir, a porta.

Vem sentar-se à minha mesa,
sonha ao canto da lareira,
só por ela a noite inteira
a candeia fica acesa.
Que eu já não tenho surpresa
quando ela vem, doce morta,
sem bater à minha porta.

Se o luar doira a vidraça,
ficamos juntos a ver
como a lua vem benzer
a cada coisa que passa.
Assim a noite esvoaça…
E por fim a amiga morta
sai sem nunca abrir a porta.

Este sentir a presença de fantasmas, diz-nos a medicina, é desvio mental que vale a pena vigiar. Há certamente luto por fazer em quem assim o sinta, e nós, leitores desprevenidos, precisamos ter presente que um poema é apenas ficção, não um relato emocional verídico com que possamos ter empatia.

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Picasso (1881-1973), A sombra de 1957.

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Uma manhã, no golfo de Corinto… e mais poemas de António Patrício

28 Quinta-feira Mar 2013

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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António Patrício

Traveller 01

É a um itinerário de amor e de prazer que nos convidam estes poemas de António Patrício (1878-1930), irmãos daquele soneto / obra-prima — Saudade do teu corpo — que em tempos aqui transcrevi.

São memória da felicidade do corpo que a mente revisita num folhear de lembranças, e a mestria o verso sublima.

Uma manhã, no golfo de Corinto…

Uma manhã, no golfo de Corinto,
comemos grandes cachos-moscatel.
O mar, de leite e azul, tinha veios de absinto;
e o teu corpo, ao sol, como um sabor a mel.

Enlaçámo-nos nus entre loureiros-rosas,
róseos e brancos, alternando, até à praia.
— Não tornam mais a vir as horas dolorosas:
sumiram-se ao cair subtil da tua saia.

E boca contra boca, a sorver bagos de âmbar,
bem brunidos de sol, e sempre a arder em sede,
assim ficámos nós até que veio a tarde
deitar-nos devagar sua mística rede.

Mostraste-me a sorrir, no golfo, uma medusa:
“Queria viver assim, disseste, a vida toda.”
Tínhamos vinho com resina numa infusa,
e bebemo-lo os dois para acabar a boda.

Fomos nadar depois: a água era tão densa,
que nos trazia mornamente, ao colo,
num puro flutuar, beatitude imensa,
entre reflexos, a arrolar, de rolo em rolo…

A noite veio enfim: estendidos na areia,
pusemo-nos então a entristecer calados.
Como dois mármores: um tritão e uma sereia
que o golfo adormecia em soluços velhos.

Passamos agora da Grécia para o outro lado do mar, e é na velha Turquia que a memória do prazer passeia.

Poema de EYÚB

Tenho saudades de Eyúb…
Da cidadezinha-cemitério
a subir as ruas da colina,
dos ciprestes com ninhos de cegonha,
das stelas sem fez, dos turbantes em ruína.
Pé ante pé, como se fosse um crime,
tu entravas, de pálpebras cerradas,
no pátio sombreado da mesquita!
Na fonte ritual, de mármores rosados,
com inscrições de sonho, a malaquite e lazúli,
faziam-se, em silêncio, as abluções:
caíam com preguiça as folhagens dos plátanos,
no mosaico do chão estremeciam pombas.
Ao pé do túmulo dos derviches santos
erguia-se, a sorrir, o nosso perfumista.
E no teu sac-a-main, em vidros fasciados,
o génio dos jardins que ninguém visitou
e um velho nos vendeu em tardes de Setembro
dormia entre cartões e o teu bâton de rouge.
Corríamos Eyúb em todos os sentidos:
ruas de mausoléus arrendadas de acácias,
— fumávamos ao sol, nos mármores partidos —;
havia um ar de além narcotizando tudo:
os vivos que passavam como mortos,
o Corno de Oiro, ao longe, esfumado e de vidro.
Nenhum de nós falava.
E, porosa à tristeza, a tua argila eslava
impregnava-se, bebia a vida em torno,
para ma dar depois em luxúria e em sonho.
No cimo da colina,
Era a velada imensa dos ciprestes.
Voltávamos, então, a fitar Estambul,
reconhecendo cada domo, os minaretes.

E cada minarete, à voz do muezzin,
era um caule a florir, em orações, no ar.
Arrefecia um pouco: e nós os dois, descendo,
colados e com ritmo, entre calhaus rolando,
saíamos enfim do cemitério imenso.
Os mortos, em Eyúb, adormeciam todos…
À colina violácea as cegonhas voltavam.
E o ópio da terra muçulmana
doria tudo numa paz sem nome.

Ao pé do embarcadoiro,
olhando a água, a goles muito lentos,
bebíamos café que um cafégi trazia.
E na penumbra glauca as medusas bailavam:
Vénus, ao fundo, era no golfo um cális de oiro…
E ainda os nossos olhos a fitavam,
quando, em barco de sombra, o vapor atracava,
E, sem ruído, a gente turca se escoava.

Oh! a volta, oh! a volta,
na água espessa de noite, em dezenas de escalas,
até tocar por fim na ponte, em Estambul.
Nós íamos os dois como que entorpecidos,
sem um só movimento, enluvando os sentidos,
como a dizer adeus às coisas que passavam.

E passava o Phanar cor de sangue coalhado
(o sangue de Bizâncio a crepitar na tarde),
misérrimos jardins com um minarete pobre
(aonde vai rezar um muezzin em farrapos),
e que é como um pombal, como o pombal deserto
de que o génio de Allah fosse a invisível pomba.

Ah! Deitai-vos, deitai-vos…
Dormi nos contrafortes das mesquitas,
minaretes de Eyúb e de Constantinopla:
da Sulimanié e de Santa Sofia,
todos vós, todos vós; adormecei: deitai-vos…
Devagarinho: há névoa já: ninguém nos vê…
Como os mortos de Eyúb, adormecei. Silêncio.
Se houver estrelas é mais tarde. Adormecei.

Termina este curto deambular por memórias de paixão com a nostálgica recordação do anuncio do fim.

Em Prinkipo

O Outono de cristal enredomava a ilha.

Era uma elísea luz que os ciprestes fiavam

em rocas verde-bronze: os pinhais plumulavam.

Ouvimos não sei quê; e era – maravilha! –

era uma migração de cegonhas que vinha

em triângulos, gris, sobre a calma marinha,

num ritmo musical, musicalmente absorto,

como seguindo no ar o fantasma de um morto.

Suspendeu-nos os dois o lindo acorde de asas

que vinha do Mar Negro, entre jardins e casas.

E como a migração, rósea e gris despedida,

também em ti dissesse o adágio da partida,

tu colaste-te a mim: deste-me o teu terror:

era a Morte a passar por sobre o nosso amor.

Muito tempo passou. – Onde estás tu agora? –

Queria saber se em ti a magia dessa hora,

aquela migração de cegonhas que vinha,

rósea e gris, a vibrar, na atmosfera marinha,

voa e revoa ainda, irreal maravilha,

no Outono de cristal que enredomava a ilha.

Os poemas foram transcritos de Poesia Completa, Assírio & Alvim, Lisboa s/d (1980).

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Saudade do teu corpo – soneto de António Patrício

26 Sábado Nov 2011

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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António Patrício

20111126-013218.jpg

SAUDADE DO TEU CORPO

Tenho saudades do teu corpo: ouviste
correr-te toda a carne e toda a alma
o meu desejo – como um anjo triste
que enlaça nuvens pela noite calma?…

Anda a saudade do teu corpo (sentes?…)
Sempre comigo: deita-se ao meu lado,
dizendo e redizendo que não mentes
quando me escreves: “vem, meu todo amado…”

É o teu corpo em sombra esta saudade…
Beijo-lhe as mãos, os pés, os seios-sombra:
a luz do seu olhar é escuridade…

Fecho os olhos ao sol p’ra estar contigo.
É de noite este corpo que me assombra…
Vês?! A saudade é um escultor antigo!

Pois é, ler poesia a horas mortas dá isto!
E a esta saudade na pele faz companhia o dourado liquido temperado com in the wee small hours na voz de Sinatra.

https://s3-eu-west-1.amazonaws.com/viciodapoesiamedia/09-frank_sinatra-in_the_wee_samll_hours_of_the_morning-atm.mp3

Noticia bibliográfica
O soneto é de António Patrício (1878-1930). Foi originalmente publicado em 1911 no nº10 da revista A Águia e recolhido na edição de poesia completa, Assírio & Alvim, 1980.

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