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Tag Archives: Shakespeare

Andrzej Morsztyn — Contigo, à Meia-Noite o sol fulgura

07 Sexta-feira Ago 2020

Posted by viciodapoesia in Poesia Polaca

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Andrzej Morsztyn, Ivan Kramskoi, Shakespeare

Sem ti amiga, o tempo vai tão lento 

que um Dia me parece mais que um Ano!

…

 

Se o tempo e a sua variada duração consoante os estados de alma é assunto recorrente em poesia, quando surge a presença/ausência da amada, entramos nos extremos mais pitorescos, como acontece neste poema de Jan Andrzej Morsztyn (1621-1693), poeta polaco do período barroco, que citei a abrir, e a seguir se lerá em versão portuguesa de David Mourão-Ferreira. O assunto deste poema … Sem ti, amiga, Inverno carrancudo / se me figura o mais risonho Estio. / …, remete para o soneto 97 de Shakespeare (1564-1616), que lhe é anterior, o qual já antes trouxe ao blog:

…

Que nudez de Dezembro em tudo havia. 

O tempo assim negado era de verão, 

…

 

Apesar da evidente quase citação de Shakespeare, nesse seu soneto lemos uma lamentação pela ausência do ser amado, enquanto o poema de Jan Andrzej Morsztyn pelo contrário, é uma manifestação de desejo e sedução até ao êxtase e que encontramos  explicitada já no final do poema, no verso — Contigo, à Meia-Noite o sol fulgura. —, assumindo que a noite é o refúgio dos amantes, e tempo de todas as delícias. A metáfora do Sol como sinónimo de prazer sublime ganha todo o seu significado  se pensarmos quanto na latitude da Polónia gozar o Sol é um prazer raro e escasso. Nos países do Sul onde o Sol brilha por vezes até à inclemência, a metáfora pode não ter tanta acutilância.

 

 

Poema

Sem ti amiga, o tempo vai tão lento 

que um Dia me parece mais que um Ano!

Mas contigo a meu lado voa o tempo,

e um Ano é uma Hora ou até nem tanto.

 

Sem ti, amiga, Inverno carrancudo 

se me figura o mais risonho Estio. 

Mas a teu lado o V’rão domina tudo,

mesmo tempo em que os lobos têm frio…

 

Sem ti, o Meio-Dia é noite escura.

Contigo, à Meia-Noite o sol fulgura.

E assim posso dizer-te, com certeza,

que reduzes ao nada a Natureza!

 

Versão portuguesa por David Mourão-Ferreira.

in Imagens da Poesia Europeia II, Colóquio Letras 168/169, FCG, Lisboa.

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Ivan Kramskoi (1837-1887), Jovem no campo numa tarde de Verão, da colecção do museu estatal de arte de Nizhny-Novgorod.

Com a escolha da imagem desta bela jovem no meio da natureza espero ilustrar a possibilidade da afirmação final do poema:

…

E assim posso dizer-te, com certeza,

que reduzes ao nada a Natureza!

 

 

 

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Soneto 29 de Shakespeare em português por Jorge de Sena e Vasco Graça Moura

21 Terça-feira Maio 2019

Posted by viciodapoesia in Poesia de Língua Inglesa

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Shakespeare

Talvez o Soneto 29 de Shakespeare (1564-1616) seja o mais camoniano dos seus sonetos pela atmosfera de desengano do mundo, embora nele, e contrariamente a Luís de Camões (1524-1580) onde o amor é fonte de profunda desilusão, Shakespeare fale sobre como o amor pode trazer uma luz de esperança e transformar em felicidade uma existência desiludida da sorte e dos humanos.

Transcrevo o original, e versões em português por Jorge de Sena (1919-1978) e Vasco Graça Moura (1942-2014), ambas rimadas, constituindo notáveis expressões de virtuosismo poético.

A tradução de Jorge de Sena, com liberdades mínimas, dá-nos em português um soneto próximo da letra do original:

 

Soneto 29

 

Quando em desgraça aos olhos dos humanos,

sozinho choro o meu maldito estado,

e ao surdo céu gritando vou meus danos,

e a mim me vejo e amaldiçoo o Fado,

 

sonhando-me outro, rico de esperanças,

co’a imagem del’ , como el’ tão respeitado,

invejo as artes de um, d’outro as usanças,

do que mais gosto menos sou tentado.

 

Mas se ao pensar assim, quase me odiando,

acaso penso em ti, logo meu estado,

como ave, às portas celestiais cantando,

se ergue da terra, quando o sol é nado.

 

Pois que lembrar-te, amor, tem tal valia,

que nem com grandes Reis me trocaria.

 

Tradução de Jorge de Sena

Transcrito de Poesia de 26 Séculos, Antologia, tradução, prefácio e notas de Jorge de Sena, Fora do Texto, Coimbra, 1993.

Igualmente próximo do original, Vasco Graça Moura faz uma recreação poética numa linguagem com atmosfera seiscentista, de enorme atracção:

 

Soneto 29

 

De mal com os humanos e a Fortuna,

choro sozinho o meu banido estado.

Meu vão clamor o céu surdo importuna

e olhando para mim maldigo o fado.

A querer ser mais rico em esperança,

como outros em amigos e talento,

invejando arte de um, doutro a pujança,

do que mais gosto menos me contento.

Se assim medito e quase me abomino,

penso feliz em ti e meus pesares

(qual cotovia em voo matutino

deixando a terra) então cantam nos ares.

   Tão rico me é teu doce amor lembrado,

   que nem com reis trocava o meu estado.

 

Tradução de Vasco Graça Moura

in Os Sonetos de Shakespeare, versão integral, Bertrand Editora, 2007.

A cada leitor a sua preferência.

 

 

Termino com o poema original:

 

 

Sonnet 29

 

When in disgrace with fortune and men’s eyes

I all alone beweep my outcast state,

And trouble deaf heaven with my bootless cries,

And look upon myself, and curse my fate,

Wishing me like to one more rich in hope,

Featured like him, like him with friends possessed,

Desiring this man’s art, and that man’s scope,

With what I most enjoy contented least;

Yet in these thoughts my self almost despising,

Haply I think on thee, and then my state,

Like to the lark at break of day arising

From sullen earth, sings hymns at heaven’s gate;

   For thy sweet love remembered such wealth brings

   That then I scorn to change my state with kings.

 

Transcrito de The Oxford Shakespeare, Complete Sonnets and Poems, Oxford 2002.

Abre o artigo a imagem de um desenho de Peter Paul Rubens (1577-1649), Retrato de rapariga.

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Um frio de Inverno no calor do Verão — soneto 97 de Shakespeare e Pessoa pelo caminho

10 Segunda-feira Set 2018

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Fernando Pessoa, Quiringh van Brekelenkam, Shakespeare

O amor e os sonetos de Shakespeare (1564-1616) são um universo poético onde todas as possibilidades de expressão parecem residir. No soneto 97 temos uma engenhosa simbiose entre o calor erótico que a presença da amada pode trazer ou o frio que a sua ausência provoca, e os efeitos do ciclo das estações na natureza:

 

Foi como inverno a ausência que passei / de ti, …

 

Numa espécie de eco deste verso, encontro numa quadra de Fernando Pessoa (1888-1935) o dizer:

 

Quando passo o dia inteiro
Sem ver o meu amorzinho,
Corre um frio de Janeiro
No Junho do meu carinho.

 

Por aqui se fica Pessoa, nesta ligeira quadra popular, embora o amorzinho dê pretexto a outras quadras neste ano de 1920, sobretudo as quadras de 24.02 e 26.02 que noutro artigo lerei.
Em Shakespeare, o relato é todo ele o de uma solidão amorosa, e os prazeres perdidos são por aqui lembrados:
…
Que frio e dias negros suportei!
Que nudez de Dezembro em tudo havia.
O tempo assim negado era de verão,
fecundo das colheitas que no outono
seus fardos de volúpia vernal dão,
…
Contudo essa abundância me surgia
como órfã prenhez só, …

 

E para que não restem dúvidas sobre o benefício da proximidade da amada, o poeta diz-nos a terminar:
…
que o verão seu prazer em ti se alia
e as aves quedam mudas se te vais.
…

 

 

Eis uma tradução portuguesa do soneto por Vasco Graça Moura, e o poema original:

 

 

Soneto XCVII

Foi como inverno a ausência que passei
de ti, que ao ir do ano és a alegria!
Que frio e dias negros suportei!
Que nudez de Dezembro em tudo havia.
O tempo assim negado era de verão,
fecundo das colheitas que no outono
seus fardos de volúpia vernal dão,
como ventres viúvos, morto o dono.
Contudo essa abundância me surgia
como órfã prenhez só, frutos sem pais
que o verão seu prazer em ti se alia
e as aves quedam mudas se te vais.
   Ou em seu canto triste as folhas tremem
   pálidas, porque perto o inverno temem.

Tradução de Vasco Graça Moura
in Os Sonetos de Shakespeare, versão integral, Bertrand Editora, 2007.

 

 

Sonnet XCVII

How like a winter hath my absence been
From thee, the pleasure of the fleeting year!
What freezings have I felt, what dark days seen!
What old December’s bareness everywhere!
And yet this time removed was summer’s time;
The teeming autumn, big with rich increase,
Bearing the wanton burden of the prime,
Like widow’d wombs after their lords’ decease:
Yet this abundant issue seemed to me
But hope of orphans, and unfathered fruit;
For summer and his pleasures wait on thee,
And, thou away, the very birds are mute:
   Or, if they sing, ‘tis with so dull a cheer,
   That leaves look pale, dreading the winter’s near.

Transcrito de The Oxford Shakespeare, Complete Sonnets and Poems, Oxford 2002.

 

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura do holandês Quiringh van Brekelenkam (1622-1666), Conversação sentimental.

 

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Amor e afastamento no soneto 44 de Shakespeare

09 Quinta-feira Ago 2018

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Shakespeare

Uma vez mais amor e afastamento são o pretexto para a poesia, aqui o soneto 44 de Shakespeare (1564-1616) numa peculiar versão de Vasco Graça Moura (1942-2014), o qual nos dá um belíssimo soneto em português.
Recusando aqui e ali a fidelidade lexical, a tradução de Vasco Graça Moura transporta para português a especiosa forma da expressão shakespeariana, como certamente os leitores com domínio do inglês comprovam pela leitura do original que à frente também transcrevo.

 

Soneto 44

Fosse-me carne opaca pensamento,
a vil distância não me deteria
e de remotos longes num momento
até onde te encontras eu viria.
Nem importava que tivesse os pés
no ponto que é de ti mais afastado:
o pensamento vai de lés a lés
mal pensa no lugar a que é chamado.
Mas mata-me pensar que em mim não pensas
para saltar as milhas quando vás;
feito de terra e água em partes densas,
espero em ânsias o que o tempo traz.
  Nem lentos elemento trazem mais
  do que choros, da nossa dor sinais.

Tradução de Vasco Graça Moura
in Os Sonetos de Shakespeare, versão integral, Bertrand Editora, 2007.

 

 

SONNET 44

If the dull substance of my flesh were thought,
Injurious distance should not stop my way;
For then, despite of space, I would be brought,
From limits far remote, where thou dost stay.
No matter then although my foot did stand
Upon the farthest earth removed from thee,
For nimble thought can jump both sea and land
As soon as think the place where he would be.
But ah, thought kills me that I am not thought,
To leap large lengths of miles when thou art gone,
But that, so much of earth and water wrought,
I must attend time’s leisure with my moan,
  Receiving naught by elements so slow
  But heavy tears, badges of either’s woe.

Transcrito de The Oxford Shakespeare, Complete Sonnets and Poems, Oxford 2002.

 

 

 

Abre o artigo a imagem de um fragmento da pintura de Antonio del Pollaiuolo (1431-1499), Apolo e Dafne, da coleção da National Gallery de Londres.

 

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Beleza ideal e amor humano no soneto 130 de Shakespeare

25 Quarta-feira Jul 2018

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Eugène Delacroix, Shakespeare

Num soneto/paródia ao soneto de amor popularizado desde Petrarca (1304-1374), Shakespeare (1564-1616) dá-nos, no seu soneto 130, um poema onde impera a lucidez sobre a mulher amada e os seus atributos físicos, concluindo por declarar o seu amor excepcional, apesar da ausência dos detalhes que fazem o canon do belo.
O poema é assim uma peremptória afirmação do poder do real humano sobre o ideal, e por ele lemos como o amor triunfa sobre as ideias feitas quando a vida nos toca e o amor nos bate à porta.

 

 

Soneto 130

Minha amante nos olhos sol não tem,
mais rubro é o coral que sua boca,
se a neve é branca, o peito é escuro e bem,
se há toucas de oiro, negro fio a touca.
Vi rosas brancas, rubras, damascadas,
não tem rosas na face, ao contemplá-la,
e há essências que são mais delicadas
do que o bafo que a minha amante exala.
Gosto de ouvir-lhe a voz, contudo sei
da música mais doce a afinação,
e uma deusa a passar jamais olhei,
a minha amante a andar põe pés no chão.
  Creio no entanto o meu amor tão raro
  quão falsas ilusões a que o comparo.

 

Tradução de Vasco Graça Moura
in Os Sonetos de Shakespeare, versão integral, Bertrand Editora, 2007.

 

 

Sonnet 130

My mistress’ eyes are nothing like the sun,
Coral is far more red than her lips’ red;
If snow be white, why then her breasts are dun;
If hairs be wires, black wires grow on her head.
I have seen roses damasked, red and white,
But no such roses see I in her cheeks;
And in some perfumes is there more delight
Than in the breath that from my mistress reeks.
I love to hear her speak, yet well I know
That music hath a far more pleasing sound;
I grant I never saw a goddess go:
My mistress, when she walks, treads on the ground.
   And yet, by heaven, I think my love as rare
   As any she belied with false compare.

 

Transcrito de The Oxford Shakespeare, Complete Sonnets and Poems, Oxford 2002.

 

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Eugène Delacroix (1798-1863).

 

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Shakespeare — soneto 28 em traduções de Carlos de Oliveira e Vasco Graça Moura

18 Terça-feira Mar 2014

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Carlos de Oliveira, Jean-Honoré Fragonard, Shakespeare, Vasco Graça Moura

Fragonard,_Inspiration 1769Há um sofrimento de amor na distância do(a) amado(a) que ao rescrever o soneto 28 de Shakespeare (1564-1616), Carlos de Oliveira (1921-1981) torna explícito. Não assim a versão de Vasco Graça Moura (1942) que, ao procurar respeitar a rima e utilizar um preciosismo de linguagem de sabor antigo, conserva a ambiguidade que o original também autoriza.

 

Eis as duas versões seguidas do original.

 

 

Soneto 28 reescrito por Carlos de Oliveira

 

Como voltar feliz ao meu trabalho

se a noite não me deu nenhum sossego?

A noite, o dia, cartas dum baralho

sempre trocadas neste jogo cego.

Eles dois, inimigos de mãos dadas,

me torturam, envolvem no seu cerco

de fadiga, de dúbias madrugadas:

e tu, quanto mais sofro mais te perco.

Digo ao dia que brilhas para ele,

Que desfazes as nuvens do seu rosto;

digo à noite sem estrelas que és o mel

na sua pele escura: o oiro, o gosto.

  Mas dia a dia alonga-se a jornada

  e cada noite a noite é mais fechada.

 

Transcrito de Obras de Carlos de Oliveira, Editorial Caminho, Lisboa, 1992.

 

Soneto 28 em versão de Vasco Graça Moura

 

Posso voltar à leda condição

sem ter descanso ao menos que me anime?

O dia oprime e vir a noite é vão,

a noite ao dia, o dia à noite oprime,

reinos adversos que em consentimento

se dão as mãos a torturar-me-me e basta,

um por fadiga, o outro por lamento

de mais penar que mais de ti me afasta.

Que és claro digo ao dia a ver se agrado,

que lhe dás graça indo as nuvens altas,

e à noite lisonjeio o turvo estado,

que a não haver estrelas tu a esmaltas.

  Longas penas diárias traz-me o dia,

  maior pena noturna a noite cria.

 

Transcrito de Os Sonetos de Shakespeare versão integral, Desenhos de Jorge Martins, Bretrand Editora, Lisboa, 2007.

 

SONNET 28

 

How can I then return in happy plight,

That am debarred the benefit of rest?

When day’s oppression is not eased by night,

But day by night and night by day oppressed?

And each (though enemies to either’s reign)

Do in consent shake hands to torture me,

The one by toil, the other to complain

How far I toil, still farther off from thee.

I tell the day to please him thou art bright,

And dost him grace when clouds do blot the heaven;

So flatter I the swart-complexioned night,

When sparkling stars twire not thou gild’st the even.

  But day doth daily draw my sorrows longer,

  And night doth nightly make grief’s length seem stronger.

 

Transcrito de Complete Sonnets and Poems, edited by Colin Burrow, Oxford University Press, 2002.

 

Acompanha o artigo a imagem de uma pintura de Jean-Honoré Fragonard (1732-1806) — Inspiração.

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Soneto LXXIII de Shakespeare reescrito por Carlos de Oliveira

25 Terça-feira Fev 2014

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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Carlos de Oliveira, George Segal, Shakespeare

Segal George (1924-2000) couple on a bedCarlos de Oliveira (1921-1981) transpôs para português sete dos sonetos de Shakespeare (1564-1616) a que chamou Sonetos de Shakespeare rescritos em português. No grupo, o soneto VI transpõe o soneto 73 de Shakespeare, e nele é de uma desolada e intensa reflexão sobre o envelhecimento numa imagem de inverno da vida que se fala. A velhice como espelho de ruína, e cinza do extinto fogo de viver. Apenas um consolo: amar quem está tão próximo da morte.

A propósito do soneto 18 de Shakespeare escrevi que poucas vezes as traduções de sonetos do mestre são satisfatórias. Hoje, com a versão do soneto 73 por Carlos de Oliveira estamos perante uma obra-prima. Com ela vos deixo.

 

Soneto VI (73)

Esta estação do ano podes vê-la

em mim: folhas caindo ou já caídas;

ramos que o frémito do frio gela;

árvore em ruína, aves despedidas.

E podes ver em mim, crepuscular,

o dia que se extingue sobre o poente,

com a noite sem astros a anunciar

o repouso da morte, gradualmente.

Ou podes ver o lume extraordinário,

morrendo do que vive: a claridade,

deitado sobre o leito mortuário

que é a cinza da sua mocidade.

Eis o que torna o amor mais forte:

amar quem está tão próximo da morte.

 

Transcrito de Obras de Carlos de Oliveira, Editorial Caminho, Lisboa, 1992.

 

SONNET 73

That time of year thou mayst in me behold

When yellow leaves, or none, or few, do hang

Upon those boughs which shake against the cold,

Bare ruined choirs, where late the sweet birds sang.

In me thou seest the twilight of such day

As after sunset fadeth in the west,

Which by and by black night doth take away,

Death’s second self, that seals up all in rest.

In me thou seest the glowing of such fire

That on the ashes of his youth doth lie,

As the death-bed whereon it must expire

Consumed with that which it was nourished by.

This thou perceiv’st, which makes thy love more strong,

To love that well, which thou must leave ere long.

Transcrito de Complete Sonnets and Poems, edited by Colin Burrow, Oxford University Press, 2002.

 

Acompanha o artigo a imagem de uma escultura de George Segal (1924-2000) — Casal na cama.

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O soneto XVIII de Shakespeare

24 Segunda-feira Fev 2014

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Carlos de Oliveira, Shakespeare, Vasco Graça Moura

Miguel  Angelo - Sibila délfica detalhe

São os sonetos de Shakespeare (1564-1616) das mais belas composições poéticas que a humanidade herdou. Entre eles prezo especialmente o soneto 18, objecto de variadas interpretações. Bastam-me os dois últimos versos para o escolher entre todos. Ali se formula de forma irrepetivel o que a beleza nos pode trazer — Vida

So long as men can breathe, or eyes can see,

So long lives this, and this gives life to thee.

As tentativas de mudar para português os sonetos de Shakespeare não têm sido, no que conheço, bem sucedidas. Pontualmente um ou outro soneto surge tão só em transposição quase satisfatória. Para este soneto 18, acompanhando o original em versão modernizada, transcrevo a versão de Carlos de Oliveira (1921-1981) integrando o conjunto de sonetos de Shakespeare que o poeta traduziu e chamou de reescritos, e a versão de Vasco Graça Moura (1942) que íntegra a sua celebrada tradução integral deste opus shakespeareano.

SONNET 18

Shall I compare thee to a summer’s day?

Thou art more lovely and more temperate:

Rough winds do shake the darling buds of May,

And summer’s lease hath all too short a date:

Sometime too hot the eye of heaven shines,

And often is his gold complexion dimmed,

And every fair from fair sometime declines,

By chance, or nature’s changing course untrimmed:

But thy eternal summer shall not fade,

Nor lose possession of that fair thou ow’st,

Nor shall death brag thou wander’st in his shade,

When in eternal lines to time thou grow’st,

  So long as men can breathe, or eyes can see,

  So long lives this, and this gives life to thee.

Versão de Carlos de Oliveira

Comparar-te a um dia de verão?

Há mais ternura em ti, ainda assim:

um maio em flor às mãos do furacão,

o foral do verão que chega ao fim.

Por vezes brilha ardendo o olhar do céu;

outras, desfaz-se a compleição doirada,

perde beleza a beleza; e o que perdeu

vai no acaso, na natureza, em nada.

Mas juro-te que o teu humano verão

será eterno; sempre crescerás

indiferente ao tempo na canção;

e, na canção sem morte, viverás:

Porque o mundo, que vê e que respira,

te verá respirar na minha lira.

Versão de Vasco Graça Moura

Que és um dia de verão não sei se diga.

És mais suave e tens mais formosura:

vento agreste botões frágeis fustiga

em Maio e um verão a prazo pouco dura.

O olho do céu vezes sem conta abrasa,

outras a tez dourada lhe escurece,

todo o belo do belo se desfasa,

por caso ou pelo curso a que obedece

da Natureza; mas teu eterno verão

nem murcha, nem te tira teus pertences,

nem a morte te torna assombração

quando o tempo em eternas linhas vences:

enquanto alguém respire ou possa ver

e viva isto e a ti faça viver.

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Shakespeare — Ser ou não ser… a meditação de Hamlet

13 Terça-feira Nov 2012

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga, Poesia de Língua Inglesa

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Shakespeare

O bardo, Shakespeare (1564-1616), chega ao blog com a meditação de Hamlet na 1ªcena do 3º acto da tragédia com o seu nome: Ser ou não ser …, [To be or not to be…], numa rara e belíssima tradução de Luiz Cardim.

Bibliotecas de comentários tem suscitado esta fala teatral. Poesia no mais elevado sentido que a humanidade conheceu, nela se dá conta da dúvida sobre o que fazer perante o sofrimento que o viver nos inflige: se terminá-lo com a morte voluntária, se vivê-lo no receio do desconhecido para além dela.

“Ser ou não ser…” Fala de Hamlet, acto 3, cena 1

Ser, ou não ser, – eis a questão: se acaso
é mais nobre sofrer d’ânimo firme
os pelouros e dardos da má sorte,
ou terçar armas contra um mar de agruras
e findá-las de vez? Morrer…,dormir …,
mais nada…; e com um sono desfazer-nos
da angustia, e mil embates naturais
de que é herdeira a carne, — alguém deseja
um término melhor? Morrer…, dormir…
dormir… talvez sonhar… Sonhar?! Ah, não:
pois no sono da morte, quando formos
do terreal tumulto já libertos,
que sonhos podem vir — basta essa ideia
para fazermos pausa; ela e só ela
gera às calamidades longa vida.
Quem sofreria os golpes e sarcasmos
do mundo, as iniquidades dos tiranos,
as prosápias do orgulho, as dores acerbas
do amor menosprezado, as dilações
do foro, a brusquidão da famulagem,
e as sevicias que ao mérito paciente
a nulidade inflige, — se pudera
ele próprio de tudo redimir-se
co’a ponta dum punhal? Ou quem os fardos
da canseirosa vida suportava
a suar e gemer, senão pungido
pelo ansioso pavor de qualquer coisa
depois da morte — esse país ignoto
das fronteiras do qual ninguém regressa —
que mareia a vontade, e nos coage
a preferir os males deste mundo
àqueles que nos são desconhecidos?
A consciência nos torna assim cobardes,
a todos nós, e assim a cor nativa
da decisão, desmaia e desfalece
sob a pálida luz do pensamento;
de tal sorte que empresas de grão vulto
se apartam dos seus fins, e vão perdendo
todo o nome de acção…

“To Be Or Not To Be…” Fala de Hamlet, Act 3 Scene 1

To be, or not to be: that is the question: –
Whether ’tis nobler in the mind to suffer
The slings and arrows of outrageous fortune,
Or to take arms against a sea of troubles,
And by opposing end them? – To die, – to sleep;
No more; and by a sleep to say we end
The heart-ache and the thousand natural shocks
That flesh is heir to, -’tis a consummation
Devoutly to be wish’d. To die, – to sleep; –
To sleep! perchance to dream: -ay, there’s the rub;
For in that sleep of death what dreams may come
When we have shuffled off this mortal coil,
Must give us pause: there’s the respect
That makes calamity of so long life;
For who would bear the whips and scorns of time,
The oppressor’s wrong, the proud man’s contumely,
The pangs of despis’d love, the law’s delay,
The insolence of office, and the spurns
That patient merit of the unworthy takes,
When he himself might his quietus make
With a bare bodkin? who would fardels bear,
To grunt and sweat under a weary life,
But that the dread of something after death, –
The undiscover’d country from whose bourn
No traveller returns, – puzzles the will,
And makes us rather bear those ills we have
Than fly to others that we know not of?
Thus conscience does make cowards of us all;
And thus the native hue of resolution
Is sicklied o’er with the pale cast of thought;
And enterprises of great pith and moment
With this regard, their currents turn awry,
And lose the name of action…

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