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Tag Archives: Carlos de Oliveira

Carlos de Oliveira — Infância: o teu perfume, lenha da melancolia

27 Quarta-feira Fev 2019

Posted by viciodapoesia in Poesia Portuguesa do sec. XX

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Carlos de Oliveira, Paula Rego

A poesia de Carlos de Oliveira (1921-1981), pesada palavra a palavra, dá sempre conta do essencial em cada reflexão sobre que se debruça. Virtuosística na sua contenção vocabular, é um prazer continuado e um desafio lê-la. Hoje lembro aos leitores o poema Infância, evocação daquele território de experiência primordial, e sobretudo terra de sonhos, que a memoria carrega, qual perfume, lenha da melancolia, como o poeta certeiramente escreve:

 

Infância

 

Sonhos
enormes como cedros
que é preciso
trazer de longe
aos ombros
para achar
no inverno da memória
esse rumor
de lume:
o teu perfume,
lenha
da melancolia.

 

Transcrito de Obras de Carlos de Oliveira, Editorial Caminho, Lisboa, 1992.

 

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Paula Rego (1935), Jenufa II de 1983.

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Bolor — poema de Carlos de Oliveira

28 Segunda-feira Mar 2016

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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Carlos de Oliveira

Bolor 500pxDesço das espiritualidades da Semana Santa para a precariedade dos afectos e a materialidade desfeita do amor, registada no poema Bolor de Carlos de Oliveira (1921-1981) com a mestria que apenas a grande poesia consegue.

 

Bolor

 

Os versos

que te digam

a pobreza que somos,

o bolor

nas paredes

deste quarto deserto,

o orvalho da amargura

na flor

de cada sonho

e o leito desmanchado

o peito aberto

a que chamaste

Amor

 

Poema transcrito de Obras de Carlos de Oliveira, Editorial Caminho, Lisboa, 1992.

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Poesia, meu amargo rio — Carlos de Oliveira

27 Domingo Jul 2014

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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Carlos de Oliveira, Turner

Turner sun-setting

As palavras / cintilam / … / e o seu rumor / … / ágil e esquivo / como o vento / fala de amor / e solidão: / …

 

Com este fragmento de um poema de Carlos de Oliveira (1921-1981) abro uma curta visita à sua poesia.

 

Dormir / mas o sonho / repassa / duma insistente dor / a lembrança / da vida / …

 

Sonhos, memória, observação atenta da vida, tudo isto atravessa esta poesia contida, onde o peso da cada palavra é tal que por si só constitui frequentemente um verso.

 

É uma poesia fora de moda, nos antípodas dos detalhados relatos pessoais que agora são sucesso. Aqui, na poesia de Carlos de Oliveira, temos a palavra que liberta a imaginação do leitor, fazendo sua a experiência poética que lê, e com isso atingindo a intima emoção que a arte desencadeia.

Abro com o prodigioso poema Infância, contraste e síntese entre o tamanho dos sonhos que ela nos deixa, enormes como cedros, e o calor que no inverno da memória trazem, lenha / da melancolia.

 

Infância

 

Sonhos

enormes como cedros

que é preciso

trazer de longe

aos ombros

para achar

no inverno da memória

este rumor

de lume:

o teu perfume,

lenha

da melancolia.

 

Passemos a um dos poemas transcritos a abrir:

 

Sono

 

Dormir

mas o sonho

repassa

duma insistente dor

a lembrança

da vida

água outra vez bebida

na pobreza da noite:

e assim perdido

o sono

o olvido

bates, coração, repetes

sem querer

o dia.

 

A escolha que segue, Soneto, dá conta da reflexão paralela entre a expressão poética do sentir,

…

o dicionário que me coube em sorte

folheei-o ao rumor do sofrimento:

…

 

e a adequação da palavra precisa à sua transmissão, permitindo no final a existência de poesia:

 

Rudes e breves as palavras pesam

mais do que as lajes ou a vida, tanto,

que levantar a torre do meu canto

é recriar o mundo pedra a pedra;

…

 

No resultado, surgem versos de beleza inexcedível, quais sejam:

…

ó palavras de ferro, ainda sonho

dar-vos a leve têmpera do vento.

Turner procession

Soneto

 

Rudes e breves as palavras pesam

mais do que as lajes ou a vida, tanto,

que levantar a torre do meu canto

é recriar o mundo pedra a pedra;

mina obscura e insondável, quis

acender-te o granito das estrelas

e nestes versos repetir com elas

o milagre das velhas pederneiras;

mas as pedras do fogo transformei-as

nas lousas cegas, áridas, da morte,

o dicionário que me coube em sorte

folheei-o ao rumor do sofrimento:

ó palavras de ferro, ainda sonho

dar-vos a leve têmpera do vento.

 

E quando o poema surge, vem numa espécie de milagre como em Tarde se lê:

…

quando vi

o poema organizado nas alturas

reflectir-se aqui,

em ritmos, desenhos, estruturas

duma sintaxe que produz

coisas aéreas como o vento e a luz.

Turner distant

Tarde

 

A tarde trabalhava

sem rumor

no âmbito feliz das suas nuvens,

conjugava

cintilações e frémitos,

rimava

as tênues vibrações

do mundo

quando vi

o poema organizado nas alturas

reflectir-se aqui,

em ritmos, desenhos, estruturas

duma sintaxe que produz

coisas aéreas como o vento e a luz.

 

No poema Vento, o mesmo estro poético mostra como as palavras cintilam ao falar de amor e solidão:

 

Vento

 

As palavras

cintilam

na floresta do sono

e o seu rumor

de corsas perseguidas

ágil e esquivo

como o vento

fala de amor

e solidão:

quem vos ferir

não fere em vão,

 

Entre tantos, mais alguns belos versos no Soneto da chuva:

…

aqueles versos de água onde os direi,

cansado como vou do teu cansaço?

…

Deixem chover as lágrimas que eu crio:

menos que chuva e lama nas estradas

és tu, poesia, meu amargo rio.

Turner rain-steam-speed

Soneto da chuva

 

Quantas vezes chorou no teu regaço

a minha infância, terra que eu pisei:

aqueles versos de água onde os direi,

cansado como vou do teu cansaço?

Virá abril de novo, até a tua

memória se fartar das mesmas flores

numa última órbita em que fores

carregada de cinza como a lua.

Porque bebes as dores que me são dadas,

desfeito é já no vosso próprio frio

meu coração, visões abandonadas.

Deixem chover as lágrimas que eu crio:

menos que chuva e lama nas estradas

és tu, poesia, meu amargo rio.

 

Da precisa lei da matéria: na natureza nada se cria, tudo se transforma, descoberta por Lavoisier, surge o poema com o nome do químico, dando conta que similmente,

 

Na poesia,

natureza variável

das palavras,

nada se perde

ou cria,

tudo se transforma:

cada poema,

no seu perfil

incerto

e caligráfico,

já sonha

outra forma.

 

Termino com Salmo, poema eivado de sabedoria:

A vida / é o bago de uva / macerado / nos lagares do mundo … a dor é vã / e o vinho / breve.

 

Salmo

 

A vida

é o bago de uva

macerado

nos lagares do mundo

e aqui se diz

para proveito dos que vivem

que a dor é vã

e o vinho

breve.

Turner sea-monsters

Poemas transcritos de Obras de Carlos de Oliveira, Editorial Caminho, Lisboa, 1992.

 

Vai o artigo acompanhado das imagens de pinturas de William Turner (1775-1851).

 

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Shakespeare — soneto 28 em traduções de Carlos de Oliveira e Vasco Graça Moura

18 Terça-feira Mar 2014

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Carlos de Oliveira, Jean-Honoré Fragonard, Shakespeare, Vasco Graça Moura

Fragonard,_Inspiration 1769Há um sofrimento de amor na distância do(a) amado(a) que ao rescrever o soneto 28 de Shakespeare (1564-1616), Carlos de Oliveira (1921-1981) torna explícito. Não assim a versão de Vasco Graça Moura (1942) que, ao procurar respeitar a rima e utilizar um preciosismo de linguagem de sabor antigo, conserva a ambiguidade que o original também autoriza.

 

Eis as duas versões seguidas do original.

 

 

Soneto 28 reescrito por Carlos de Oliveira

 

Como voltar feliz ao meu trabalho

se a noite não me deu nenhum sossego?

A noite, o dia, cartas dum baralho

sempre trocadas neste jogo cego.

Eles dois, inimigos de mãos dadas,

me torturam, envolvem no seu cerco

de fadiga, de dúbias madrugadas:

e tu, quanto mais sofro mais te perco.

Digo ao dia que brilhas para ele,

Que desfazes as nuvens do seu rosto;

digo à noite sem estrelas que és o mel

na sua pele escura: o oiro, o gosto.

  Mas dia a dia alonga-se a jornada

  e cada noite a noite é mais fechada.

 

Transcrito de Obras de Carlos de Oliveira, Editorial Caminho, Lisboa, 1992.

 

Soneto 28 em versão de Vasco Graça Moura

 

Posso voltar à leda condição

sem ter descanso ao menos que me anime?

O dia oprime e vir a noite é vão,

a noite ao dia, o dia à noite oprime,

reinos adversos que em consentimento

se dão as mãos a torturar-me-me e basta,

um por fadiga, o outro por lamento

de mais penar que mais de ti me afasta.

Que és claro digo ao dia a ver se agrado,

que lhe dás graça indo as nuvens altas,

e à noite lisonjeio o turvo estado,

que a não haver estrelas tu a esmaltas.

  Longas penas diárias traz-me o dia,

  maior pena noturna a noite cria.

 

Transcrito de Os Sonetos de Shakespeare versão integral, Desenhos de Jorge Martins, Bretrand Editora, Lisboa, 2007.

 

SONNET 28

 

How can I then return in happy plight,

That am debarred the benefit of rest?

When day’s oppression is not eased by night,

But day by night and night by day oppressed?

And each (though enemies to either’s reign)

Do in consent shake hands to torture me,

The one by toil, the other to complain

How far I toil, still farther off from thee.

I tell the day to please him thou art bright,

And dost him grace when clouds do blot the heaven;

So flatter I the swart-complexioned night,

When sparkling stars twire not thou gild’st the even.

  But day doth daily draw my sorrows longer,

  And night doth nightly make grief’s length seem stronger.

 

Transcrito de Complete Sonnets and Poems, edited by Colin Burrow, Oxford University Press, 2002.

 

Acompanha o artigo a imagem de uma pintura de Jean-Honoré Fragonard (1732-1806) — Inspiração.

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Soneto LXXIII de Shakespeare reescrito por Carlos de Oliveira

25 Terça-feira Fev 2014

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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Carlos de Oliveira, George Segal, Shakespeare

Segal George (1924-2000) couple on a bedCarlos de Oliveira (1921-1981) transpôs para português sete dos sonetos de Shakespeare (1564-1616) a que chamou Sonetos de Shakespeare rescritos em português. No grupo, o soneto VI transpõe o soneto 73 de Shakespeare, e nele é de uma desolada e intensa reflexão sobre o envelhecimento numa imagem de inverno da vida que se fala. A velhice como espelho de ruína, e cinza do extinto fogo de viver. Apenas um consolo: amar quem está tão próximo da morte.

A propósito do soneto 18 de Shakespeare escrevi que poucas vezes as traduções de sonetos do mestre são satisfatórias. Hoje, com a versão do soneto 73 por Carlos de Oliveira estamos perante uma obra-prima. Com ela vos deixo.

 

Soneto VI (73)

Esta estação do ano podes vê-la

em mim: folhas caindo ou já caídas;

ramos que o frémito do frio gela;

árvore em ruína, aves despedidas.

E podes ver em mim, crepuscular,

o dia que se extingue sobre o poente,

com a noite sem astros a anunciar

o repouso da morte, gradualmente.

Ou podes ver o lume extraordinário,

morrendo do que vive: a claridade,

deitado sobre o leito mortuário

que é a cinza da sua mocidade.

Eis o que torna o amor mais forte:

amar quem está tão próximo da morte.

 

Transcrito de Obras de Carlos de Oliveira, Editorial Caminho, Lisboa, 1992.

 

SONNET 73

That time of year thou mayst in me behold

When yellow leaves, or none, or few, do hang

Upon those boughs which shake against the cold,

Bare ruined choirs, where late the sweet birds sang.

In me thou seest the twilight of such day

As after sunset fadeth in the west,

Which by and by black night doth take away,

Death’s second self, that seals up all in rest.

In me thou seest the glowing of such fire

That on the ashes of his youth doth lie,

As the death-bed whereon it must expire

Consumed with that which it was nourished by.

This thou perceiv’st, which makes thy love more strong,

To love that well, which thou must leave ere long.

Transcrito de Complete Sonnets and Poems, edited by Colin Burrow, Oxford University Press, 2002.

 

Acompanha o artigo a imagem de uma escultura de George Segal (1924-2000) — Casal na cama.

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O soneto XVIII de Shakespeare

24 Segunda-feira Fev 2014

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Carlos de Oliveira, Shakespeare, Vasco Graça Moura

Miguel  Angelo - Sibila délfica detalhe

São os sonetos de Shakespeare (1564-1616) das mais belas composições poéticas que a humanidade herdou. Entre eles prezo especialmente o soneto 18, objecto de variadas interpretações. Bastam-me os dois últimos versos para o escolher entre todos. Ali se formula de forma irrepetivel o que a beleza nos pode trazer — Vida

So long as men can breathe, or eyes can see,

So long lives this, and this gives life to thee.

As tentativas de mudar para português os sonetos de Shakespeare não têm sido, no que conheço, bem sucedidas. Pontualmente um ou outro soneto surge tão só em transposição quase satisfatória. Para este soneto 18, acompanhando o original em versão modernizada, transcrevo a versão de Carlos de Oliveira (1921-1981) integrando o conjunto de sonetos de Shakespeare que o poeta traduziu e chamou de reescritos, e a versão de Vasco Graça Moura (1942) que íntegra a sua celebrada tradução integral deste opus shakespeareano.

SONNET 18

Shall I compare thee to a summer’s day?

Thou art more lovely and more temperate:

Rough winds do shake the darling buds of May,

And summer’s lease hath all too short a date:

Sometime too hot the eye of heaven shines,

And often is his gold complexion dimmed,

And every fair from fair sometime declines,

By chance, or nature’s changing course untrimmed:

But thy eternal summer shall not fade,

Nor lose possession of that fair thou ow’st,

Nor shall death brag thou wander’st in his shade,

When in eternal lines to time thou grow’st,

  So long as men can breathe, or eyes can see,

  So long lives this, and this gives life to thee.

Versão de Carlos de Oliveira

Comparar-te a um dia de verão?

Há mais ternura em ti, ainda assim:

um maio em flor às mãos do furacão,

o foral do verão que chega ao fim.

Por vezes brilha ardendo o olhar do céu;

outras, desfaz-se a compleição doirada,

perde beleza a beleza; e o que perdeu

vai no acaso, na natureza, em nada.

Mas juro-te que o teu humano verão

será eterno; sempre crescerás

indiferente ao tempo na canção;

e, na canção sem morte, viverás:

Porque o mundo, que vê e que respira,

te verá respirar na minha lira.

Versão de Vasco Graça Moura

Que és um dia de verão não sei se diga.

És mais suave e tens mais formosura:

vento agreste botões frágeis fustiga

em Maio e um verão a prazo pouco dura.

O olho do céu vezes sem conta abrasa,

outras a tez dourada lhe escurece,

todo o belo do belo se desfasa,

por caso ou pelo curso a que obedece

da Natureza; mas teu eterno verão

nem murcha, nem te tira teus pertences,

nem a morte te torna assombração

quando o tempo em eternas linhas vences:

enquanto alguém respire ou possa ver

e viva isto e a ti faça viver.

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