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Os homens na vida das mulheres segundo Anna Piwkowska

14 Sexta-feira Fev 2020

Posted by viciodapoesia in Poesia Polaca

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Anna Piwkowska, George Segal

Não sei até que ponto difere entre si o que hoje as mulheres esperam e admitem dos homens nas suas vidas. Talvez para algumas seja sobretudo o que Anna Piwkowska (1963) a certa altura escreve no poema Co prozynosza mezczyzni (O que os homens trazem) que escolhi traduzir a partir de uma sua versão em inglês:

…

Queremo-los para o momento de breve intimidade,

quando o destino se concentra como luz na pupila

do olho. …

No resto, a presença dos homens no quotidiano talvez seja empecilho, embaraço; chegará a ser contentamento? 

…

Que trazem os homens? Pitons, grampos, poemas,

 jogam as camisas desbotadas no chão,

 aquelas que se rasgaram navegando a toda a vela, …

 

 

A exaustiva lista do que os homens introduzem na vida das mulheres enunciada por Anna Piwkowska será parcelar certamente. Outras haverá. A perplexidade sobre as exigências e condicionantes das relações homem/mulher hoje, continuará em mim, sem que uma resposta esclarecedora encontre. Dir-se-á, a mulher enquanto conceito e ser único não existe. Mas até onde no seu relacionamento com o homem ela é sempre singular e única, e não senhora de um comportamento padronizável? Perguntas para continuar a incansável demanda.

 

 

O que os homens trazem

 

Eles trazem na areia das botas, risos e tulipas.

 Os ábacos, réguas, computadores. Títulos

 e ações da bolsa de valores. Mapas, planos 

secretos de aeroportos, bases, basílicas.  Estes mestres de estratégia,

 trazem as bússolas, relógios suíços e laptops,

 agendas em pele e folhas de papel amachucadas,

 cartas de um amigo afogado num

 amor não desejado; estes mestres da utopia trazem

 as suas visões de marchas, desfiles, renderes de guarda.

 Que trazem os homens? Pitons, grampos, poemas,

 jogam as camisas desbotadas no chão,

 aquelas que se rasgaram navegando a toda a vela, bem como aquelas

 que desapareceram em algum lugar alto nas Dolomitas brancas.

 Queremo-los para o momento de breve intimidade,

 quando o destino se concentra como luz na pupila

 do olho.  Quando o ponto escurece, mas o ângulo

 da visão aumenta.  Como navios em docas enferrujadas

 sempre prontos para partir.  A bagagem sempre pronta,

 com uma raquete de ténis, com pontos preciosos

 para os jogos que venceram.  O cartão magnético

 carregado para chamadas, impulsos sob a pele, esse é o seu recurso.

 Navegamos com eles, acreditando em mares sem neblina,

 cigarras, amendoeiras, cotovelos bronzeados pelo sol

 — necessitamos profundamente desse momento até o fim de nossos dias.

 Trazem livros desbotados sobre a alma e a vontade

 com macias capas cinzentas. Gostam de heréticos.

 Apertamo-los nas prateleiras entre os clássicos

 e assim a nossa biblioteca lentamente se completa.

 A nossa vida torna-se completa. Um outono,

 junto com eles, enfiamos capas revestidas a alcatrão 

 e acendemos fogos para finalmente expulsar

 a praga da cidade, enterrá-la para sempre.

 Sobrevivemos-lhes sempre. Luz frágil

 tão facilmente sai das fotografias antigas

 nos olhos, nos lábios — como pó branco, como cal.

 

Tradução do inglês por Carlos Mendonça Lopes 

 

 

Versão em inglês do original polaco:

 

What do men bring 

 

They bring in sand on their boots, laugther and tulips.

Their abacuses, rulers, computers. Bonds 

and shares from the stock exchange. Maps, the secret 

plans of airports, bases, basilicas. This strategy masters, 

they bring their compasses, Swiss watches and laptops,

leather diaries and crumbled sheets of paper, 

letters from a friend who drowned himself 

from unrequired love; these utopia masters bring 

their visions of marches, parades, changes of guard. 

What do men bring? Pitons, crampons, poems, 

they drop their faded shirts to the floor, 

those which got torn under full sail as well as those 

which faded somewhere high in the white Dolomites. 

We want them for the moment of a brief convening,

when fate focuses like light in the pupil

of the eye. When the point darkens, but the angle 

of vision widens. Like ships in rusty docks 

always ready to depart. The baggage always packed, 

with a tennis racket, with precious points 

for matches they had won. The magnetic card 

with call units, impulses under the skin, that’s their asset.

We sail with them believing in fog-free seas,

cicadas, almond trees, elbows tanned by the sun

— we’ll pine for this moment till the end of our days. 

They bring washed-out books on soul and will

in soft, gray covers. They like heretics.

We squeeze them on the shelves among the classics 

and thus our library slowly becomes complete.

Our life becomes complete. One autumn,

together with them, we put on tar-lined coats

and kindle fires to finally expel 

the plague from the city, to bury it for good.

We always survive them. Brittle light 

so easily falls from the old photographs 

on the eyes, the lips — like white dust, like lime.

 

Warsaw, May, 2002

Tradução do polaco para inglês por Elżbieta Wójcik-Leese.

Esta tradução vem incluída em Six Polish Poets, Arc Publications, UK, 2008; e também em Scattering the Dark, An Anthology of Polish Women Poets, White Pine Press, USA, 2015.

Abre o artigo a imagem de uma escultura de George Segal (1924-2000), Couple in Open Doorway 1977.

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Um poema de Manuel António Pina

05 Quinta-feira Jun 2014

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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George Segal, Manuel António Pina

George Segal  - Alice Listening to Her Poetry

No princípio era o Verbo

(e os açucares

e os aminoácidos).

Depois foi o que se sabe.

Neste deambular a que a poesia convida, sucedo ao poema de Olavo Bilac, onde Adão convida Eva à aventura do pecado, e que não é outra senão a vida da humanidade, com um poema de Manuel António Pina (1943-2012), Neste Preciso Tempo, Neste Preciso Lugar.

 

É curta e assombrada pela dor a obra poética de Manuel António Pina. Nela a morte espreita a cada poema, de par com a reflexão sobre as palavras (inúteis) que enchem o mundo e a nostalgia do silêncio que a eternidade, no seu sono, devolve. Entretanto, e homens por cá, da vida vivida, o passado, não temos fuga, a menos que a desmemória nos atinja. Felizmente não guardamos tudo, e do que fica fala-nos o poema:

 

Por onde vens, Passado,

pelo vivido ou pelo sonhado?

Que parte de ti me pertence,

a que se lembra ou a que esquece?

 

Saberá cada um de nós com o que conta, mas para lhe aliviar o peso lá virá o momento em que …em vez de metafísica / ou de biologia… nos dê para qualquer outra coisa, não necessariamente poesia, como ao poeta, mas uma atitude igualmente salutar: …passar-lhe ao lado / deitando-lhe o enviesado / olhar da ironia.

 

Passemos ao poema sem mais, seja ironia ou cortes abusivos.

 

Neste Preciso Tempo, Neste Preciso Lugar

 

No princípio era o Verbo

(e os açucares

e os aminoácidos).

Depois foi o que se sabe.

Agora estou debruçado

da varanda de um 3º andar

e todo o Passado

vem exactamente desaguar

neste preciso tempo, neste preciso lugar,

no meu preciso modo e no meu preciso estado!

 

Todavia em vez de metafísica

ou de biologia

dá-me para a mais inespecifica

forma de melancolia:

poesia nem por isso lírica

nem por isso provavelmente poesia.

Pois que faria eu com tanto Passado

senão passar-lhe ao lado

deitando-lhe o enviesado

olhar da ironia?

 

Por onde vens, Passado,

pelo vivido ou pelo sonhado?

Que parte de ti me pertence,

a que se lembra ou a que esquece?

Lá em baixo, na rua, passa para sempre

gente indefinidamente presente,

entrando na minha vida

por uma porta de saída

que dá para a memória.

Também eu (isto) não tenho história

senão a de uma ausência

entre indiferença e indiferença.

 

Transcrito de Poesia Reunida, Assirio & Alvim, Lisboa, 2001.

Abre o artigo a imagem de uma escultura de George Segal (1924-2000), Alice ouvindo a sua poesia.

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Soneto LXXIII de Shakespeare reescrito por Carlos de Oliveira

25 Terça-feira Fev 2014

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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Carlos de Oliveira, George Segal, Shakespeare

Segal George (1924-2000) couple on a bedCarlos de Oliveira (1921-1981) transpôs para português sete dos sonetos de Shakespeare (1564-1616) a que chamou Sonetos de Shakespeare rescritos em português. No grupo, o soneto VI transpõe o soneto 73 de Shakespeare, e nele é de uma desolada e intensa reflexão sobre o envelhecimento numa imagem de inverno da vida que se fala. A velhice como espelho de ruína, e cinza do extinto fogo de viver. Apenas um consolo: amar quem está tão próximo da morte.

A propósito do soneto 18 de Shakespeare escrevi que poucas vezes as traduções de sonetos do mestre são satisfatórias. Hoje, com a versão do soneto 73 por Carlos de Oliveira estamos perante uma obra-prima. Com ela vos deixo.

 

Soneto VI (73)

Esta estação do ano podes vê-la

em mim: folhas caindo ou já caídas;

ramos que o frémito do frio gela;

árvore em ruína, aves despedidas.

E podes ver em mim, crepuscular,

o dia que se extingue sobre o poente,

com a noite sem astros a anunciar

o repouso da morte, gradualmente.

Ou podes ver o lume extraordinário,

morrendo do que vive: a claridade,

deitado sobre o leito mortuário

que é a cinza da sua mocidade.

Eis o que torna o amor mais forte:

amar quem está tão próximo da morte.

 

Transcrito de Obras de Carlos de Oliveira, Editorial Caminho, Lisboa, 1992.

 

SONNET 73

That time of year thou mayst in me behold

When yellow leaves, or none, or few, do hang

Upon those boughs which shake against the cold,

Bare ruined choirs, where late the sweet birds sang.

In me thou seest the twilight of such day

As after sunset fadeth in the west,

Which by and by black night doth take away,

Death’s second self, that seals up all in rest.

In me thou seest the glowing of such fire

That on the ashes of his youth doth lie,

As the death-bed whereon it must expire

Consumed with that which it was nourished by.

This thou perceiv’st, which makes thy love more strong,

To love that well, which thou must leave ere long.

Transcrito de Complete Sonnets and Poems, edited by Colin Burrow, Oxford University Press, 2002.

 

Acompanha o artigo a imagem de uma escultura de George Segal (1924-2000) — Casal na cama.

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