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Andrzej Morsztyn — Contigo, à Meia-Noite o sol fulgura

07 Sexta-feira Ago 2020

Posted by viciodapoesia in Poesia Polaca

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Andrzej Morsztyn, Ivan Kramskoi, Shakespeare

Sem ti amiga, o tempo vai tão lento 

que um Dia me parece mais que um Ano!

…

 

Se o tempo e a sua variada duração consoante os estados de alma é assunto recorrente em poesia, quando surge a presença/ausência da amada, entramos nos extremos mais pitorescos, como acontece neste poema de Jan Andrzej Morsztyn (1621-1693), poeta polaco do período barroco, que citei a abrir, e a seguir se lerá em versão portuguesa de David Mourão-Ferreira. O assunto deste poema … Sem ti, amiga, Inverno carrancudo / se me figura o mais risonho Estio. / …, remete para o soneto 97 de Shakespeare (1564-1616), que lhe é anterior, o qual já antes trouxe ao blog:

…

Que nudez de Dezembro em tudo havia. 

O tempo assim negado era de verão, 

…

 

Apesar da evidente quase citação de Shakespeare, nesse seu soneto lemos uma lamentação pela ausência do ser amado, enquanto o poema de Jan Andrzej Morsztyn pelo contrário, é uma manifestação de desejo e sedução até ao êxtase e que encontramos  explicitada já no final do poema, no verso — Contigo, à Meia-Noite o sol fulgura. —, assumindo que a noite é o refúgio dos amantes, e tempo de todas as delícias. A metáfora do Sol como sinónimo de prazer sublime ganha todo o seu significado  se pensarmos quanto na latitude da Polónia gozar o Sol é um prazer raro e escasso. Nos países do Sul onde o Sol brilha por vezes até à inclemência, a metáfora pode não ter tanta acutilância.

 

 

Poema

Sem ti amiga, o tempo vai tão lento 

que um Dia me parece mais que um Ano!

Mas contigo a meu lado voa o tempo,

e um Ano é uma Hora ou até nem tanto.

 

Sem ti, amiga, Inverno carrancudo 

se me figura o mais risonho Estio. 

Mas a teu lado o V’rão domina tudo,

mesmo tempo em que os lobos têm frio…

 

Sem ti, o Meio-Dia é noite escura.

Contigo, à Meia-Noite o sol fulgura.

E assim posso dizer-te, com certeza,

que reduzes ao nada a Natureza!

 

Versão portuguesa por David Mourão-Ferreira.

in Imagens da Poesia Europeia II, Colóquio Letras 168/169, FCG, Lisboa.

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Ivan Kramskoi (1837-1887), Jovem no campo numa tarde de Verão, da colecção do museu estatal de arte de Nizhny-Novgorod.

Com a escolha da imagem desta bela jovem no meio da natureza espero ilustrar a possibilidade da afirmação final do poema:

…

E assim posso dizer-te, com certeza,

que reduzes ao nada a Natureza!

 

 

 

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Os homens na vida das mulheres segundo Anna Piwkowska

14 Sexta-feira Fev 2020

Posted by viciodapoesia in Poesia Polaca

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Anna Piwkowska, George Segal

Não sei até que ponto difere entre si o que hoje as mulheres esperam e admitem dos homens nas suas vidas. Talvez para algumas seja sobretudo o que Anna Piwkowska (1963) a certa altura escreve no poema Co prozynosza mezczyzni (O que os homens trazem) que escolhi traduzir a partir de uma sua versão em inglês:

…

Queremo-los para o momento de breve intimidade,

quando o destino se concentra como luz na pupila

do olho. …

No resto, a presença dos homens no quotidiano talvez seja empecilho, embaraço; chegará a ser contentamento? 

…

Que trazem os homens? Pitons, grampos, poemas,

 jogam as camisas desbotadas no chão,

 aquelas que se rasgaram navegando a toda a vela, …

 

 

A exaustiva lista do que os homens introduzem na vida das mulheres enunciada por Anna Piwkowska será parcelar certamente. Outras haverá. A perplexidade sobre as exigências e condicionantes das relações homem/mulher hoje, continuará em mim, sem que uma resposta esclarecedora encontre. Dir-se-á, a mulher enquanto conceito e ser único não existe. Mas até onde no seu relacionamento com o homem ela é sempre singular e única, e não senhora de um comportamento padronizável? Perguntas para continuar a incansável demanda.

 

 

O que os homens trazem

 

Eles trazem na areia das botas, risos e tulipas.

 Os ábacos, réguas, computadores. Títulos

 e ações da bolsa de valores. Mapas, planos 

secretos de aeroportos, bases, basílicas.  Estes mestres de estratégia,

 trazem as bússolas, relógios suíços e laptops,

 agendas em pele e folhas de papel amachucadas,

 cartas de um amigo afogado num

 amor não desejado; estes mestres da utopia trazem

 as suas visões de marchas, desfiles, renderes de guarda.

 Que trazem os homens? Pitons, grampos, poemas,

 jogam as camisas desbotadas no chão,

 aquelas que se rasgaram navegando a toda a vela, bem como aquelas

 que desapareceram em algum lugar alto nas Dolomitas brancas.

 Queremo-los para o momento de breve intimidade,

 quando o destino se concentra como luz na pupila

 do olho.  Quando o ponto escurece, mas o ângulo

 da visão aumenta.  Como navios em docas enferrujadas

 sempre prontos para partir.  A bagagem sempre pronta,

 com uma raquete de ténis, com pontos preciosos

 para os jogos que venceram.  O cartão magnético

 carregado para chamadas, impulsos sob a pele, esse é o seu recurso.

 Navegamos com eles, acreditando em mares sem neblina,

 cigarras, amendoeiras, cotovelos bronzeados pelo sol

 — necessitamos profundamente desse momento até o fim de nossos dias.

 Trazem livros desbotados sobre a alma e a vontade

 com macias capas cinzentas. Gostam de heréticos.

 Apertamo-los nas prateleiras entre os clássicos

 e assim a nossa biblioteca lentamente se completa.

 A nossa vida torna-se completa. Um outono,

 junto com eles, enfiamos capas revestidas a alcatrão 

 e acendemos fogos para finalmente expulsar

 a praga da cidade, enterrá-la para sempre.

 Sobrevivemos-lhes sempre. Luz frágil

 tão facilmente sai das fotografias antigas

 nos olhos, nos lábios — como pó branco, como cal.

 

Tradução do inglês por Carlos Mendonça Lopes 

 

 

Versão em inglês do original polaco:

 

What do men bring 

 

They bring in sand on their boots, laugther and tulips.

Their abacuses, rulers, computers. Bonds 

and shares from the stock exchange. Maps, the secret 

plans of airports, bases, basilicas. This strategy masters, 

they bring their compasses, Swiss watches and laptops,

leather diaries and crumbled sheets of paper, 

letters from a friend who drowned himself 

from unrequired love; these utopia masters bring 

their visions of marches, parades, changes of guard. 

What do men bring? Pitons, crampons, poems, 

they drop their faded shirts to the floor, 

those which got torn under full sail as well as those 

which faded somewhere high in the white Dolomites. 

We want them for the moment of a brief convening,

when fate focuses like light in the pupil

of the eye. When the point darkens, but the angle 

of vision widens. Like ships in rusty docks 

always ready to depart. The baggage always packed, 

with a tennis racket, with precious points 

for matches they had won. The magnetic card 

with call units, impulses under the skin, that’s their asset.

We sail with them believing in fog-free seas,

cicadas, almond trees, elbows tanned by the sun

— we’ll pine for this moment till the end of our days. 

They bring washed-out books on soul and will

in soft, gray covers. They like heretics.

We squeeze them on the shelves among the classics 

and thus our library slowly becomes complete.

Our life becomes complete. One autumn,

together with them, we put on tar-lined coats

and kindle fires to finally expel 

the plague from the city, to bury it for good.

We always survive them. Brittle light 

so easily falls from the old photographs 

on the eyes, the lips — like white dust, like lime.

 

Warsaw, May, 2002

Tradução do polaco para inglês por Elżbieta Wójcik-Leese.

Esta tradução vem incluída em Six Polish Poets, Arc Publications, UK, 2008; e também em Scattering the Dark, An Anthology of Polish Women Poets, White Pine Press, USA, 2015.

Abre o artigo a imagem de uma escultura de George Segal (1924-2000), Couple in Open Doorway 1977.

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Empatia e o poema de Wislawa Szymborska O ódio

07 Terça-feira Maio 2019

Posted by viciodapoesia in Poesia Polaca

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Wislawa Szymborska

O tempo da leitura do blog não é o da urgência dos dias, embora por vezes o seu conteúdo faça presente o efémero da actualidade.

Recentemente, num artigo norte-americano, argumentava-se como a empatia selectiva pode destruir as sociedades democráticas. O pretexto era a radicalização social nos EUA em torno da emigração. Por empatia selectiva entendia-se no artigo este crescente sentimento de pertença a um dos lados com quem havia identificação, sendo que “os outros” tinham certamente o que mereciam.

Recordava o autor como nos seus tempos de escola nos anos 70, os alunos eram convidados a imaginar a vida passada desses emigrantes que, fugindo ao sofrimento e à guerra, procuravam nos EUA o futuro que no berço natal não tinham, e assim desenvolver a empatia com esses recém-chegados e facilitar a sua integração.

Talvez na sociedade norte-americana tenha existido uma deliberado atitude de ensaiar imaginar a vida do outro, as suas dificuldades e razões, que levou ao acolhimento da emigração com abertura. Nas velhas sociedades europeias, o que sempre houve foi outra coisa: a caridade pelos necessitados, e a solidariedade com os aflitos, quando o inesperado sobre eles cai. A empatia no sentido da abertura descrita acima nunca foi um traço social visível. E por isso, Wislawa Szymborska (1923-2013) pode escrever com propriedade no seu poema O ódio:

Reparem como é eficiente,
e como se conserva bem
o ódio no nosso século.
…

Estamos hoje desarmados para lidar com o ódio.

Numa série policial italiana, Carlo & Malik, agora disponível no Netflix, as questões da emigração, albanesa e ex-iugoslava primeiro, migrantes africanos pelo Mediterrâneo depois, e o seu cruzamento com a sociedade italiana actual, presentes nos argumentos, são pistas para melhor compreender as divisões políticas e seus fenómenos populistas que hoje atravessam Itália. A série cumpre os mínimos do género. Aos personagens e situações humanas falta a espessura que as histórias de Andrea Camilleri com o Comissário Montalbano (visto recentemente na RTP2) possuem, mas o racismo latente e instalado na sociedade italiana, a par da extrema generosidade de tantos, que quotidianamente podemos observar, estão lá. Surgem delinquentes, tanto emigrantes quanto nativos italianos, como gente que aportou a Itália em busca da esperança de viver a vida no quadro de um trabalho honrado Tão só! Mas o ódio que encontram nestas sociedades está nelas e bem fundo,

…
E se adormece, nunca é num sono eterno.
A insónia não lhe rouba as forças, antes lhas acrescenta.
…
como escalpeliza com precisão cirúrgica Wislawa Szymborska no mesmo poema, que tenho vindo a citar e a seguir transcrevo integralmente.

Evidentemente ódio gera ódio e por aí entrados, parar é cada vez mais difícil:
…
Religião ou não —
contanto ajoelhe para o arranque.
Pátria ou não pátria —
contanto se atire correndo para a frente.
De início é bom e é justiça.
Depois seu próprio impulso lhe basta.
Ódio. O ódio.
De face arrepanhada num esgar de êxtase amoroso.
…

O que refiro para Itália é, no essencial, o que noutras sociedades europeias também existe. Há quem argumente que os fenómenos de xenofobia observados em sociedades do leste europeu devem ser enquadrados na necessidade de afirmação de uma identidade nacional que tardou em ganhar autonomia. Para sociedades como a francesa ou a britânica, a explicação a procurar terá que ser necessariamente outra.
Não está o mundo para generalizações, e um separar de águas em bons de um lado e maus do outro nunca foi de bom conselho:
…
Quantos voluntários leva atrás de si a dúvida?
Leva-se só a si mesma, ela que sabe das suas.

A realidade tem nuances, e com elas precisamos contar para escolher o nosso lugar no mundo.

 

O ódio

Reparem como é eficiente,
e como se conserva bem
o ódio no nosso século.
Na leveza com que encara as maiores dificuldades.
No fácil que lhe é saltar, precipitar-se.

Não é como os outros sentimentos.
Mais velho e mais novo do que eles, ao mesmo tempo.
A dar ele próprio à luz as razões
que o acordam para a vida.
E se adormece, nunca é num sono eterno.
A insónia não lhe rouba as forças, antes lhas acrescenta.

Religião ou não —
contanto ajoelhe para o arranque.
Pátria ou não pátria —
contanto se atire correndo para a frente.
De início é bom e é justiça.
Depois seu próprio impulso lhe basta.
Ódio. O ódio.
De face arrepanhada num esgar de êxtase amoroso.

Pobres dos outros sentimentos —
frouxos e enfermiços.
Desde quando pode uma confraria destas contar com multidões?
Já alguma vez a piedade cortou a meta em primeiro?
Quantos voluntários leva atrás de si a dúvida?
Leva-se só a si mesma, ela que sabe das suas.

Tradução de Júlio Sousa Gomes
in Paisagem com grão de areia, Relógio d’Água Editores, Lisboa, 1998.

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Aurelio Bulzatti (1954), Os Emigrantes, de 2005. Óleo s/tela, colecção do artista.

Os personagens que figuram a imagem de abertura são as vítimas do ódio de que fala o poema de Wislawa Szymborska: civilização ocidental no conforto do seu bem-estar, figurada nos arranha-céus, e a gente perseguida que tem de seu o que traz vestido no corpo (aqui um judeu e uma mulher muçulmana, símbolos de guerra de religiões. Outros poderiam ser). A imagem traz ainda a manifestação da esperança de concórdia entre os desavindos das quase eternas guerras do médio-oriente.

Reconhecer o essencial do confronto de hoje (eu odeio-os porque têm o que não tenho, de um lado; do outro: eu odeio-os porque vêm tirar o que é meu) é provavelmente um dos caminhos para ultrapassar esta dicotomia e vencer o ódio.

 

 

 

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