Etiquetas
Sem ti amiga, o tempo vai tão lento
que um Dia me parece mais que um Ano!
…
Se o tempo e a sua variada duração consoante os estados de alma é assunto recorrente em poesia, quando surge a presença/ausência da amada, entramos nos extremos mais pitorescos, como acontece neste poema de Jan Andrzej Morsztyn (1621-1693), poeta polaco do período barroco, que citei a abrir, e a seguir se lerá em versão portuguesa de David Mourão-Ferreira. O assunto deste poema … Sem ti, amiga, Inverno carrancudo / se me figura o mais risonho Estio. / …, remete para o soneto 97 de Shakespeare (1564-1616), que lhe é anterior, o qual já antes trouxe ao blog:
…
Que nudez de Dezembro em tudo havia.
O tempo assim negado era de verão,
…
Apesar da evidente quase citação de Shakespeare, nesse seu soneto lemos uma lamentação pela ausência do ser amado, enquanto o poema de Jan Andrzej Morsztyn pelo contrário, é uma manifestação de desejo e sedução até ao êxtase e que encontramos explicitada já no final do poema, no verso — Contigo, à Meia-Noite o sol fulgura. —, assumindo que a noite é o refúgio dos amantes, e tempo de todas as delícias. A metáfora do Sol como sinónimo de prazer sublime ganha todo o seu significado se pensarmos quanto na latitude da Polónia gozar o Sol é um prazer raro e escasso. Nos países do Sul onde o Sol brilha por vezes até à inclemência, a metáfora pode não ter tanta acutilância.
Poema
Sem ti amiga, o tempo vai tão lento
que um Dia me parece mais que um Ano!
Mas contigo a meu lado voa o tempo,
e um Ano é uma Hora ou até nem tanto.
Sem ti, amiga, Inverno carrancudo
se me figura o mais risonho Estio.
Mas a teu lado o V’rão domina tudo,
mesmo tempo em que os lobos têm frio…
Sem ti, o Meio-Dia é noite escura.
Contigo, à Meia-Noite o sol fulgura.
E assim posso dizer-te, com certeza,
que reduzes ao nada a Natureza!
Versão portuguesa por David Mourão-Ferreira.
in Imagens da Poesia Europeia II, Colóquio Letras 168/169, FCG, Lisboa.
Abre o artigo a imagem de uma pintura de Ivan Kramskoi (1837-1887), Jovem no campo numa tarde de Verão, da colecção do museu estatal de arte de Nizhny-Novgorod.
Com a escolha da imagem desta bela jovem no meio da natureza espero ilustrar a possibilidade da afirmação final do poema:
…
E assim posso dizer-te, com certeza,
que reduzes ao nada a Natureza!