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Tag Archives: Eugène Delacroix

Beleza ideal e amor humano no soneto 130 de Shakespeare

25 Quarta-feira Jul 2018

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Eugène Delacroix, Shakespeare

Num soneto/paródia ao soneto de amor popularizado desde Petrarca (1304-1374), Shakespeare (1564-1616) dá-nos, no seu soneto 130, um poema onde impera a lucidez sobre a mulher amada e os seus atributos físicos, concluindo por declarar o seu amor excepcional, apesar da ausência dos detalhes que fazem o canon do belo.
O poema é assim uma peremptória afirmação do poder do real humano sobre o ideal, e por ele lemos como o amor triunfa sobre as ideias feitas quando a vida nos toca e o amor nos bate à porta.

 

 

Soneto 130

Minha amante nos olhos sol não tem,
mais rubro é o coral que sua boca,
se a neve é branca, o peito é escuro e bem,
se há toucas de oiro, negro fio a touca.
Vi rosas brancas, rubras, damascadas,
não tem rosas na face, ao contemplá-la,
e há essências que são mais delicadas
do que o bafo que a minha amante exala.
Gosto de ouvir-lhe a voz, contudo sei
da música mais doce a afinação,
e uma deusa a passar jamais olhei,
a minha amante a andar põe pés no chão.
  Creio no entanto o meu amor tão raro
  quão falsas ilusões a que o comparo.

 

Tradução de Vasco Graça Moura
in Os Sonetos de Shakespeare, versão integral, Bertrand Editora, 2007.

 

 

Sonnet 130

My mistress’ eyes are nothing like the sun,
Coral is far more red than her lips’ red;
If snow be white, why then her breasts are dun;
If hairs be wires, black wires grow on her head.
I have seen roses damasked, red and white,
But no such roses see I in her cheeks;
And in some perfumes is there more delight
Than in the breath that from my mistress reeks.
I love to hear her speak, yet well I know
That music hath a far more pleasing sound;
I grant I never saw a goddess go:
My mistress, when she walks, treads on the ground.
   And yet, by heaven, I think my love as rare
   As any she belied with false compare.

 

Transcrito de The Oxford Shakespeare, Complete Sonnets and Poems, Oxford 2002.

 

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Eugène Delacroix (1798-1863).

 

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Talvez tenhamos tempo — poema de Pablo Neruda

30 Domingo Abr 2017

Posted by viciodapoesia in Crónicas

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Eugène Delacroix, Pablo Neruda

De uma maneira transitória
agonizou ontem a verdade
e embora o saiba todo o mundo
todo o mundo bem o disfarça:
ninguém mandou algumas flores:
ela morreu e ninguém chora.

 

É com um descair de ombros e alguma resignação que uma forma de olhar o mundo, chamada de pós-verdade, se espalha como mancha de óleo, sujando a verdade dos factos e fazendo crer que verdadeiro e falso, no que à realidade respeita, são conceitos relativisáveis e susceptíveis de vestir a medida as nossas crenças. Apenas um exemplo de dimensões potencialmente trágicas: insistir em que os actos de terrorismo vividos nas sociedades europeias são devidos à recente vaga de refugiados, quando as provas documentais identificam como seus autores jovens nascidos ou tornados adultos nessas sociedades, evidencia uma recusa em aceitar a verdade dos factos e substituir estes pelo que condiz com o que se crê.
Trata-se, afinal, de um estado de negação em expansão social galopante, já conhecido da psicologia individual, mas que ganha dimensão explosiva enquanto psicologia de massas pelo potencial de mudar por muito tempo os valores e a organização da sociedade em que vivemos.
Talvez tenhamos tempo ainda começa por escrever Pablo Neruda (1904-1973) no poema que a seguir transcrevo, escrito para uma realidade diferente, e que é uma ajuda à reflexão sobre o papel de cada um neste rio que avança já pouco silencioso e ameaça tornar-se dilúvio. Que não venhamos a dizer: Não há nada a fazer agora: / todos perdemos a batalha.

 

 

Talvez tenhamos tempo

 

Talvez tenhamos tempo ainda
para ser e para ser justos.
De uma maneira transitória
agonizou ontem a verdade
e embora o saiba todo o mundo
todo o mundo bem o disfarça:
ninguém mandou algumas flores:
ela morreu e ninguém chora.

Entre o esquecimento e a aflição
um pouco antes do funeral
teremos a oportunidade
da nossa morte e nossa vida
para sair de rua em rua,
de mar em mar, de porto em porto,
de cordilheira em cordilheira,
e sobretudo de homem em homem,
a perguntar se a assassinámos
ou se a mataram os outros,
se foram os nossos inimigos
ou o nosso amor o assassino.
Porque a verdade já morreu
e agora podemos nós ser justos.

Antes devíamos lutar
com armas de calibre escuro
e por ferir-nos esquecemos
qual era o fim da nossa luta.

Nunca se soube de quem era
o sangue que nos envolvia,
acusamos outros sem cessar,
sem cessar fomos acusados,
eles sofreram e sofremos,
e depois de eles terem ganho
e termos ganho nós também
a verdade tinha morrido
de antiguidade ou violência.
Não há nada a fazer agora:
todos perdemos a batalha.

Por isso penso que talvez
por fim pudéssemos ser justos
ou por fim pudéssemos ser:
temos este último minuto
e depois mil anos de glória
para não ser e não voltar.

 

Publicação original em Memorial de La Isla Negra, 1964.
Transcrito de Pablo Neruda, Antologia, selecção e tradução de José Bento, Relógio D’Água Editores, Lisboa, 1998.

 

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Eugène Delacroix (1798-1863), A liberdade guiando o povo.

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