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Tag Archives: Jorge de Sena

EUA anos 70 na pintura fotorealista de Richard Estes e em poemas de Jorge de Sena

13 Quarta-feira Nov 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poetas e Poemas

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Jorge de Sena, Richard Estes, Robert Bechtle

Estes_Richard-Bus_Reflections 1972Para quem ama a poesia de Jorge de Sena (1919-1978) o livro Sequências ocupa um lugar especial. Repositório de sarcasmos e ironias poéticas deixadas inéditas, e publicadas pouco depois da morte do poeta pela mulher, Mecia de Sena, nele encontramos traços da visão atenta ao que o rodeava e de como esse mundo e o que nele acontecia desencadeava a sua verve poética.

Num dos ciclos do livro, América, América, I love you, encontro o poema Marido e Mulher de 12/Ago/1969(?) que nos leva ao mundo por detrás das fachadas tão brilhantemente pintadas por Richard Estes (1932) entre finais doa anos 60 e ao longo dos anos 70 do século XX, e dentre as quais mostro a seguir um pequeno grupo.

MARIDO E MULHER

Sofriam terrivelmente. Porque

o comboio dele chegava

quando o dela partia.

Compraram um manual na livraria,

mandaram vir pelo correio uma almofada especial

(cujo atraente anúncio recebiam quase todos os dias pelo correio)

leram com cuidado as instruções,

estudaram com aplicação os esquemas do livro,

e, quando se ensaiavam,

na discreta penumbra do quarto respectivo,

a sogra — que embirrava com ele —

abriu de repente a porta,

deu um grito, correu

ao telefone e chamou a polícia,

A polícia veio, levou-o. Foi julgado

e condenado a dois anos de tratamento num instituto psiquiátrico

por atentar, vicioso,

contra a virtude da esposa.

12/Ago/1969(?)

Estes_Richard-Canadian_Club 1970sEstes_Richard-Urban_Landscape_No._3 1972Estes_Richard-Cafe_Express 1975Estes_Richard-Central_Savings 1975 Agora que os leitores já têm uma ideia da paisagem urbana nos EUA na época do poema, termino com outro poema de Jorge de Sena, provavelmente composto no mesmo dia do anterior e pertencendo ao mesmo ciclo.

 

Pavloviana ou os reflexos condicionados

Parqueavam o carro à porta dela,

e durante mais de uma hora,

rolavam-se e rebolavam-se lá dentro.

 

Depois, saciados, fechavam o carro

e entravam em casa (para lavar-se e dormir).

 

(Na verdade, a casa não era dela,

mas de ambos: Moravam lá,

até eram casados).

Bechtle_Robert-58_Rambler 1967

Desta vez a pintura de moradia e carro é de 1967 e é obra de Robert Bechtle (1932)

 

Notícia bibliográfica

Os poemas foram transcritos de Jorge de Sena, SEQUÊNCIAS, Lisboa, Moraes Editores, 1ªediçao Julho de 1980.

 

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Fragmento de memória com soneto de Michelangelo

15 Terça-feira Out 2013

Posted by viciodapoesia in Crónicas, Poesia Antiga

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Jorge de Sena, Michelangelo

Vaticano Agosto de 1978 530Viajar é hoje um desejo e um prazer ao alcance de grande número. O mundo está mais pequeno. E embora possamos à distância do dedo num computador ter noticia do mais ínfimo recanto da terra, a vontade de ver e sentir os lugares continua a fazer parte do impulso humano por conhecer.

Testemunho maior dessa avalanche de gente a viajar que os últimos anos trouxeram, é provavelmente, em Roma, a Praça da Basílica de S.Pedro na Cidade do Vaticano, permanentemente ocupada por peregrinos e turistas, gostando de simplesmente ali estar, ou em filas que parecem eternas para visitar a igreja.

E se a uma parte da humanidade viajar não é possível, alguns há que continuam tão só a fugir à guerra ou à fome, como os homens, mulheres e crianças que todos os dias aportam ao largo da costa italiana, e aí por vezes encontram a morte. É ainda desta igreja de S. Pedro que se levanta a voz para lembrar ao mundo a tragédia dessa humanidade que na fuga para um futuro melhor morre às portas do paraíso sonhado.

Os paraíso onde o viver feliz se sonha são isso mesmo, matéria de sonho. E são inesperadas as formas como nos apercebemos quanto o mundo mudou ao longo das nossas vidas levando os paraísos sonhados de um lugar para outro.

Ao viajar por Itália confronto-me com a memória da primeira vez que longamente viajei pelo pais no já distante ano de 1978. Era uma vida diferente, e uma sociedade diferente. O mundo encontrava-se divido em dois blocos e na Europa havia fronteiras entre cada país. O muro de Berlim, de pé, desenhava a fronteira física e psicológica da liberdade.

No ano anterior (1977) tinha vivido por quase dois meses a experiência directa do comunismo na Polónia, paraíso sonhado por muitos e experiência devastadora da crença na possibilidade de um mundo melhor por simples decreto além de preciosa aprendizagem do valor da liberdade.

Quando este ano aterrei no aeroporto da antiga Berlim Leste, foi estranho recordar como 36 anos antes ali estive parado dentro de um avião que seguia para Moscovo com escala em Varsóvia, onde eu desceria, e da janela observava como os passageiros com destino a Moscovo, obrigados a descer do avião, seguiam por uma passadeira entre militares ou policias de espingarda em riste, sabe-se lá para onde. A angústia perante o sem sentido da situação e o absurdo do abuso assombraram-me durante muito tempo.

Foi outra, feliz, e formadora de um gosto, a viagem do ano seguinte a Itália. Ainda há pouco, quando alguém comentava comigo quanto o convívio com as coisas belas acaba por instalar em nós o gosto e o desejo do belo, lembrei dessa viagem um detalhe ocorrido em Verona, que agora recordo.

Representava-se nessa noite na Arena de Verona, majestoso e gigantesco teatro romano ao ar livre, a ópera O Trovador de Verdi. Estando em Veneza, decidi não perder a oportunidade do espectáculo e cedo cheguei a Verona.

Era princípio da tarde e passeando em torno da arena aproximei-me de uma excursão de farnel e garrafão. Eram italianos do sul em viagem de autocarro pelo norte de Itália, na modalidade que ao tempo era habitual entre pessoas de poucas posses: transportar lancheira, fazer piquenique junto ao autocarro, e muitas vezes dormir nele.

Aproximei-me, e a certa altura surpreendi a exclamação de um excursionista para outro: Guarda que bello! (Olha que belo!). Olhava para a arena, extasiado com a beleza do monumento.

Dificilmente entre outros povos, gente da mesma condição económica revelaria em voz alta esta comoção perante o espectáculo da beleza, mesmo que a ela fosse sensível.

O que me comove e surpreende sempre em Itália, é o gosto e carinho com que os italianos vivem o seu património construído e herdado.

Sacrificando o conforto do quotidiano que as construções modernas podem trazer à habitação e ao viver urbano, adoptam os centros históricos e mantêm-nos vivos, criando em quem chega o desejo de ali viver também. Aí vive o comércio tradicional, e a mais sofisticada moda internacional convive quase paredes meias com os géneros alimentares e a venda de arte. E depois as pessoas. Seja Roma, seja uma qualquer cidade média como Pádua, por exemplo, onde num sábado à tarde demoradamente passeei, as pessoas enchem as ruas com comércio, deambulam, param para conversar, vivem o espaço urbano como em Portugal só recordo na longínqua infância, e hoje apenas na zona do Chiado, em Lisboa, acontece.

A foto que hoje arquivo no blog, tirada nessa longínqua visita de 1978, dá conta de uma Praça de S. Pedro vazia durante a tarde, e é uma imagem hoje impossível de conseguir.

Nessa visita, não havia Papa. Tinha morrido Paulo VI e o consistório ainda não escolhera substituto. Os frescos da Capela Sistina ainda não tinham sido devolvidos às cores supostamente originais que hoje podemos admirar. Eram uma acinzentada mancha mal iluminada, onde a custo se divisavam as pinturas que pouco mais de dezena de visitantes observava. Hoje lá estão: esplendorosos, e dificilmente contempláveis entre a compacta multidão que se acotovela e os gritos dos seguranças: é proibido fotografar ou filmar!

Foi Michelangelo (1475-1564) o autor dessas maravilhas artísticas: o projecto da praça, o projecto da igreja e as pinturas do tecto e altar da Capela Sistina.

Artista e espírito da renascença, foi também poeta de génio, e com um seu soneto onde reflecte sobre a pequenez da sua condição humana perante Deus termino este circunlóquio entre o hoje e o mundo de há mais de 30 anos.

“Forse perché d’altrui…”

 

Forçoso é que a piedade enfim me venha,

pra que d’alheias culpas mais não ria,

seguro em meu valor, sem outro guia,

alma perdida que de si desdenha.

 

Nem sei que outra bandeira me mantenha

não vencedor, mas salvo da porfia

com que o tumulto adverso me seguia,

se não é Teu poder que me sustenha.

 

Ó carne, ó sangue, ó lenho, ó dor extrema!

Justo por vós se tome o meu pecado,

do qual nasci e os pais que foram meus.

 

Só Tu és bom: socorra tão suprema

piedade o meu predito iníquo estado:

tão perto a morte, e ainda tão longe Deus.

 

Original italiano

Forse perché d’altrui pietà mi vegna,

perché dell’altrui colpe più non rida,

nel mie propio valor, senz’altra guida,

caduta è l’alma che fu già sì degna.

 

Né so qual militar sott’altra insegna

non che da vincer, da campar più fida,

sie che ’l tumulto dell’avverse strida

non pèra, ove ’l poter tuo non sostegna.

 

O carne, o sangue, o legno, o doglia strema,

giusto per vo’ si facci el mie peccato,

di ch’i’ pur nacqui, e tal fu ’l padre mio.

 

Tu sol se’ buon; la tuo pietà suprema

soccorra al mie preditto iniquo stato,

sì presso a morte e sì lontan da Dio.

Soneto 66 das Rime de Michelangelo

Tradução de Jorge de Sena, in Poesia de 26 Séculos, Fora do Texto, Coimbra, 1993.

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Com a poesia de Jorge de Sena pelo Natal

25 Terça-feira Dez 2012

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poetas e Poemas

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GHIRLANDAIO, Jorge de Sena, Natal

GHIRLANDAIO, Domenico 1492Acontecido o nascimento, é para o balbuciar da vida que a atenção do homem se volta. Com Jorge de Sena (1919-1978) é recorrente a atenção aos filhos como na obra-prima Carta aos meus filhos sobre os Fuzilamentos de Goya.
Nos três poemas que seguem, como outros dispersos pela sua obra poética, são reflexões sobre o ciclo vital o que acompanhamos, lendo no mistério da poesia o mistério da vida.

Eternidade

Vens a mim
pequeno como um Deus,
frágil como a terra,
morto como o amor,
falso como a luz,
e eu recebo-te
para a invenção da minha grandeza,
para rodeio da minha esperança
e pálpebras de astros nus.
Nasceste agora mesmo. Vem comigo.

In PERSEGUIÇÃO [1942]

Cantiga de embalar

Tão docemente se ouve um grito de criança,
enquanto a noite cerra o seu passo mais largo
que a névoa branda em torno aos candeeiros.

Até mim chegam indistintos halos
de luzes próximas, talheres fulgindo,
além, por sobre quintais abandonados.

No céu, sem estrelas como um fumo inútil,
espraiam-se olhares, silêncios, cartas esquecidas,
e túmulos perdidos no subsolo das casas.

Um grito de criança. E, no entanto,
há uma guerra, uma paz, armamentos sem fim,
e é importantissimo estudar economia política.

Saberás, meu filho do acaso de outros,
ser diferente sempre, dia a dia?
Saberás bem tudo, e sem saber o quê?
Serás como esta noite de um silêncio grávido
suspenso eternamente sobre as coisas?

In COROA DA TERRA [1946]

Os filhos levam muito tempo a crescer

Precária a vida e consentida a morte.
Quanto eu julguei saber como assim eram!
Mas não sabia.

Morreram-me pessoas queridas
e é como se ausentes permaneçam;
mesmo quando morreram perante mim,
não foi à morte delas que assisti:
outrem morreu, que é outro alguém que morre.

Mas também isto ainda o não sabia,
como o sei agora,
se aos meus filhos  o olhar se turva
se não sorriem logo, prontamente,
ao mais singelo aceno desta vida
que tão precária acena por seus lábios.
A morte é consentida: se a consentem?
Se se desdobram, numa imagem fixa,
que se perde,
e noutra que parte para sempre,
como se só ausente permaneça,
mas que nunca mais volta,
para viver precariamente
e morrer consentidamente
depois de a morte a mim me haver vivido?
Tudo isto meus versos o sabiam,
que não eu.
E agora que o sei tão ansiosamente,
leio estes versos e suspeito
amargamente que estes o não sabem.

1951

In POESIA-I, 1977

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Jorge de Sena (1919-1978 ) – Carta a meus filhos sobre os fuzilamentos de Goya

15 Domingo Jan 2012

Posted by viciodapoesia in Cânone XXI, Convite à arte

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Goya, Jorge de Sena

Carta a meus filhos sobre os fuzilamentos de Goya de Jorge de Sena (1919-1978 ) acompanha-me desde que adulto me conheço. Já a ele me referi na página O Autor. Hoje arquivo-o integralmente no blog entre o reduzido número de poemas do meu cânone.

Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso.
É possível, porque tudo é possível, que ele seja
aquele que eu desejo para vós. Um simples mundo,
onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém
de nada haver que não seja simples e natural.
Um mundo em que tudo seja permitido,
conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer,
o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós.
E é possível que não seja isto, nem seja sequer isto
o que vos interesse para viver. Tudo é possível,
ainda quando lutemos, como devemos lutar,
por quanto nos pareça a liberdade e a justiça,
ou mais que qualquer delas uma fiel
dedicação à honra de estar vivo.
Um dia sabereis que mais que a humanidade
não tem conta o número dos que pensaram assim,
amaram o seu semelhante no que ele tinha de único,
de insólito, de livre, de diferente,
e foram sacrificados, torturados, espancados,
e entregues hipocritamente à secular justiça,
para que os liquidasse «com suma piedade e sem efusão de sangue.»
Por serem fiéis a um deus, a um pensamento,
a uma pátria, uma esperança, ou muito apenas
à fome irrespondível que lhes roía as entranhas,
foram estripados, esfolados, queimados, gaseados,
e os seus corpos amontoados tão anonimamente quanto haviam vivido,
ou suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória.
Às vezes, por serem de uma raça, outras
por serem de uma classe, expiaram todos
os erros que não tinham cometido ou não tinham consciência
de haver cometido. Mas também aconteceu
e acontece que não foram mortos.
Houve sempre infinitas maneiras de prevalecer,
aniquilando mansamente, delicadamente,
por ínvios caminhos quais se diz que são ínvios os de Deus.
Estes fuzilamentos, este heroísmo, este horror,
foi uma coisa, entre mil, acontecida em Espanha
há mais de um século e que por violenta e injusta
ofendeu o coração de um pintor chamado Goya,
que tinha um coração muito grande, cheio de fúria
e de amor. Mas isto nada é, meus filhos.
Apenas um episódio, um episódio breve,
nesta cadela de que sois um elo (ou não sereis)
de ferro e de suor e sangue e algum sémen
a caminho do mundo que vos sonho.
Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém
vale mais que uma vida ou a alegria de tê-la.
É isto o que mais importa – essa alegria.
Acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto
não é senão essa alegria que vem
de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez alguém
está menos vivo ou sofre ou morre
para que um só de vós resista um pouco mais
à morte que é de todos e virá.
Que tudo isto sabereis serenamente,
sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição,
e sobretudo sem desapego ou indiferença,
ardentemente espero. Tanto sangue,
tanta dor, tanta angústia, um dia
– mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga –
não hão-de ser em vão. Confesso que
muiltas vezes, pensando no horror de tantos séculos
de opressão e crueldade, hesito por momentos
e uma amargura me submerge inconsolável.
Serão ou não em vão? Mas, mesmo que o não sejam,
quem ressuscita esses milhões, quem restitui
não só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado?
Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes
aquele instante que não viveram, aquele objecto
que não fruíram, aquele gesto
de amor, que fariam «amanhã».
E, por isso, o mesmo mundo que criemos
nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa
que não é nossa, que nos é cedida
para a guardarmos respeitosamente
em memória do sangue que nos corre nas veias,
da nossa carne que foi outra, do amor que
outros não amaram porque lho roubaram.

Lisboa, 25 de Junho de 1959

Para quem não conheça a pintura evocada no título do poema, eis uma reprodução acompanhada de um detalhe ampliado.

Francisco de GOYA Y LUCIENTES (1746-1828)
O  3 de Maio de 1808: A execução dos defensores de Madrid
Óleo s/tela, 266 x 345 cm, 1814
Museo del Prado, Madrid
Detalhe do indizível enfrentar da morte:

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Homenagem a Miguel Angelo (1475-1564) e um seu soneto em tradução de Jorge de Sena (1919-1978)

30 Sexta-feira Set 2011

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poesia Antiga

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Jorge de Sena, Miguel Angelo

“AL COR DI ZOLFO…”

Um coração de enxofre, a carne estopa,

e de bem seca lenha o atro seio,

alma sem qualquer norte, alma sem freio,

desejo pronto que ao prazer não poupa,

cegueiras da razão tão fraca e louca,

e quando o mundo é de ciladas cheio –

não é grã maravilha, se um anseio

a chama atiça a tão ardente roupa.

E as Artes belas que, do céu consigo

se alguém as traz, a Natureza enfreia,

se a força aplica em toda a parte e logo…

Se como tal nasci, se à Arte eu sigo,

entregue o coração ao que o incendeia,

culpa será de quem me deu ao fogo.

O soneto, dorida meditação sobre a paixão homossexual do artista: se como tal nasci…, fala-nos a todos, para lá de opções de género, do apelo irresistível da paixão carnal quando esta nos visita: cegueira da razão tão fraca e louca,

A tradução deste soneto de Miguel Ângelo é de Jorge de Sena e foi publicada na preciosa e tantas vezes citada antologia POESIA DE 26 SÉCULOS.

A certa altura, numa pagina dos seus diários, Jorge de Sena refere a excitação com a compra de um álbum de reproduções das obras de Miguel Angelo. Sinal dos tempos, hoje, tais reproduções proliferam em qualquer banca de revistas perante a indiferença de quem olha, e dificilmente apreendemos quão difícil era a aproximação à arte em décadas não muito distantes. O turismo de massas nos nossos dias preenche essa aproximação numa  contabilização de destinos visitados.

Estive pela primeira vez em Itália no final dos anos 70. Foram três semanas de deambulação pelas maravilhas da arte da península. Jovem nos vinte anos, a maior revelação, entre tantas, foi a obra escultórica de Miguel Ângelo. Ainda tive a possibilidade de contemplar sozinho o David, com mais 3 ou 4 pessoal na sala da Galleria della Academia em Florença. Os mármores com as esculturas apenas esboçadas, naquela tentativa de mostrar a vida na pedra, foram outra revelação indelével. A Pietá do Vaticano não fora ainda mutilada, nem se escondia por detrás do vidro. Era possível sentir o veludo da pedra e de perto ser tocado pela maciez do olhar do amor, naquela mãe com o filho nos braços, morto. Mas foi o Moisés a revelação absoluta. O olhar de fogo vindo da pedra, a imponência da massa escultórica e a atitude, transmitiram-me a forca do divino. Se Deus encarnasse,  seria assim. O absoluto de julgar, distribuindo bênçãos e castigos personifica-se naquele mármore com vida.

A pintura que ilustra o artigo, deliberada homenagem ao artista,  fi-la, anos vai, depois de ter visto o desenho de Miguel Ângelo que a inspirou, na Galeria Albertina, de Viena.

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Pequena pausa com Satie e um poema de Jorge de Sena

31 Quarta-feira Ago 2011

Posted by viciodapoesia in Convite à música

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Erik Satie, Jorge de Sena

De entre os poemas que Jorge de Sena (1919-1978) escreveu ouvindo música, e publicou em Arte de Musica, poucos em meu entender penetram no essencial do ouvido como o poema dedicado à música para piano de Erik Satie (1866-1925), e não a uma peça particular como acontece com a generalidade dos poemas do livro.

Enquanto ouço alguma musica de Satie aproveito e transcrevo o poema

ERIK SATIE PARA PIANO

As notas vêm sós por harmonias

como de escalas que se cruzam

em sequências descontínuas de figuras

singelamente acorde surpreendido

de se encontrar num instante pensativo.

São como vagas vindo no perlado

tão diminutas, solitárias mas ligadas

de pura sucessão ocasional

que se rebusca em cálculos descaso

contrário ao hábito de estarem escritas,

ou juntas ou seguidas. Mas é como

se desde sempre este hesitante fluido

houvera de estar pronto a ser pensado

e a soar tranquilo em espaço diminuto

não por ser breve mas por ser silêncio

de uma memória em que a surpresa ecoa

lembranças perpassantes de quanto não foi,

não existiu, não foi vivido e entanto

pungente fere as águas espelhadas

onde de imagens passam vultos claros

em túnicas voando transparentes

e muito curtas sobre membros duros

que dançam devagar a dança juvenil

num salpicar de pés do tempo antigo.

9 Janeiro 72

Podeis aqui ouvir de Erik Satie com Reinbert de Leeuw ao piano: Petite ouverture à danser; Air de l’Ordre; Gnossiennes nº2; e uma das famosas  Gymnopédies, a nº2,

Petite ouverture à danser

https://s3-eu-west-1.amazonaws.com/viciodapoesiamedia/01+Petite+ouverture+%C3%A0+danser.mp3

Air de l’Ordre

https://s3-eu-west-1.amazonaws.com/viciodapoesiamedia/05+Air+de+l%27Ordre.mp3

 Gnossiennes nº2

https://s3-eu-west-1.amazonaws.com/viciodapoesiamedia/15+Gnossiennes+No.+2.mp3

Gymnopédies nº2

https://s3-eu-west-1.amazonaws.com/viciodapoesiamedia/03+Gymnop%C3%A9die+No.+2.mp3

O poema foi transcrito de Poesia II publicado por Moraes Editores em 1978, onde se reedita Arte de Musica, sendo que o poema com outros nove não consta da primeira edição de Arte de Musica.

Segundo a nota do poeta: o poema não se reporta especialmente a peça alguma, a não ser, talvez às Gymnopédies e às Gnossiennes. Mas depende fortemente das belissimas gravações do pianista Aldo Ciccolini, da obra completa de Satie para piano.

Para continuada vergonha da edição portuguesa, a obra poética completa de Jorge de Sena continua ausente das livrarias.

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Entre a Idade Média e Jorge de Sena, uma questão de lingua

10 Sexta-feira Set 2010

Posted by viciodapoesia in Crónicas, Poesia Antiga

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João Airas de Santiago, João Garcia de Guilhade, João Soares Coelho, Jorge de Sena, Natália Correia

Iluminura 06x500

A linguagem do amor tem na língua o seu principal trunfo e por vezes um grande problema, isto quando, por vergonha, gestos de proverbial eficácia são afastados do horizonte da comunicação. Raramente apenas a linguagem dos dedos constitui um substituto eficaz. No entanto, a combinação de ambos pode traduzir-se num sortilégio de afrodisíaco efeito.

O detalhe do percurso da língua é seguramente mais adequado para um menu e aqui pretenderemos apenas abordar questões de léxico, sem procurar pôr em evidência a sumptuosa satisfação que o sabor da língua pode provocar.

Há palavras que se deixam pronunciar melhor que outras, e do encontro de línguas resulta muitas vezes uma linguagem de desejo em que o fogo surge, qual fósforo sobre palha seca, conseguindo mesmo humedecer zonas onde a língua depois passeia com efeito avassalador.

Muitas vezes não há palavras para descrever o êxtase, outras, a conotação obscura inibe os protagonistas do uso da lingua de as aplicar.

Um inventário exaustivo de palavras portuguesas de origem erudita ou vulgar para retratar todas estas actividades do amor, reduz-se ao parco conjunto que todos conhecem. Menos lhes conhecerão a antiguidade.

Na verdade, depois das palavras antigas, usadas sem alteração durante séculos, apenas a lingua francesa trouxe alguma frescura e sofisticação a uma actividade que vivia quase sem palavras.

Socorro-me de dois poemas de João Garcia de Guilhade incluídos no Cancioneiro Medieval – Cantigas de Escarnio e Maldizer, para ilustrar a antiguidade de cono e foder

Poema 166

Martim jograr, que gram cousa:

já sempre com vosco pousa

vossa molher!


Vedes m’andar morrendo,

e vós jazedes fodendo

vossa molher!


De meu mal nom vos doedes,

e moir’eu, e vós fodedes

vossa molher!



Poema 167

Martim jograr, ai Dona Maria,

jeita-se vosco já cada dia,

e lazero-m’eu mal


And’eu morrend’e morrendo sejo,

e el tem sempr’o cono sobejo,

e lazero-m’eu mal


Da mia lazeira pouco se sente;

fod’el bom con[o] e jaz caente,

e lazero-m’eu mal.


Acrescento este outro de João Soares Coelho a propósito de impotência masculina, talvez causada por doença venérea como defende o trovador:

Poema 198

Luzia Sánchez, jazedes em gram falha

comigo, que nom fodo mais nemigalha [nemigalha/d’ua vez – nunca mais de uma vez]

d’ua vez; e, pois fodo, se Deus mi valha

fiqu’end’afrontado bem por tercer dia.

Par Deus, Luzia Sánchez, Dona Luzia,

se eu foder-vos podesse, foder-vos-ia.


Vejo-vos jazer migo muit’aguada,

Luzia Sánchez, porque nom fodo nada;

mais se eu vos per i houvesse pagada,

pois eu foder nomposso, peer-vos-ia.   [peer – peidar]

Par Deus, Luzia Sánchez, Dona Luzia,

se eu foder-vos podesse, foder-vos-ia.


Deu-mi o Demo esta pissuça cativa,

que já nom pode sol cospir saíva

e, de pram, semelha mais morta ca viva,

e se lh’ardess’a casa, nom s’ergeria.

Par Deus, Luzia Sánchez, Dona Luzia,

se eu foder-vos podesse, foder-vos-ia.


Deitarom-vos comigo os meus pecados;

cuidades de mi preitos tam desguisados,

cuidades dos colhões, que tragu’inchados,

ca o som com foder e é com maloutia  [doenças (venéreas)]

Par Deus, Luzia Sánchez, Dona Luzia,

se eu foder-vos podesse, foder-vos-ia.


e aqui encontramos “aguada” para tesão e colhões sem modificação. Aparece-nos ainda “pissuça” para pénis, provavelmente forma anterior da piça de hoje que os franceses também aproveitam levando mais longe o termo com o verbo “pisser” para urinar.

As palavras são poucas mas o acervo é vasto pelo que apenas transcrevo mais um poema deste mesmo João Soares Coelho em que parece tratar de um adultério, ainda que a controvérsia exista entre especialistas

Poema 192

Joam Fernándiz, mentr’eu vosc’houver

aquest’amor que hoj’eu com vosqu’hei,

nunca vos eu tal cousa negarei

qual hoj’eu ouço pela terra dizer:

dizem que fode quanto mais foder

pode o vosso mouro a vossa molher.


[E] pero que foss’este mouro meu

já me teria eu por desleal,

Joam Fernándiz, se vos negass’eu

atal cousa qual dizem que vos faz:

ladinho como vós jazedes, jaz

com vossa molher, e m’end’é mal.


E direi-vos eu quant’en vimos nós:

vimos ao vosso mouro filhar

a vossa molher e foi-a deitar

no vosso leit’; e mais vos eu direi

quant’eu do mour[o] aprendi e sei:

fode-a como a fodedes vós.


Perante tantas das palavras dos poemas modificadas ou caídas em desuso com a evolução da língua, espanta como em mais de 700 anos, esta meia-duzia ligada ao sexo permanece inalterada.

Na verdade, no que à linguagem do amor respeita, existem no português moderno tanto limitações de léxico como limitações de formas verbais.

Os verbos enquanto formas linguísticas de expressão da acção, são não só poucos como insuficientes para cobrir em português todas as praticas sexuais conhecidas, deixando assim a língua impossibilitada de transmitir aspectos essenciais da actividade humana com a ênfase, o rigor e a precisão adequados.

Exemplificarei algumas dessas limitações com a actividade sexual mais vulgar, a união dos sexos de duas pessoas. Chamam-lhe pudicamente (?) “fazer amor”. Ora quem ama sabe que o amor não se faz. Nasce, surge, acontece, existe e extingue-se, mas não se faz. Ao que em português agora se chama fazer amor deveria dar-se outro nome.

Escrever a frase  “depois daquela tragédia precisava fazer amor não importava com quem” ou a frase “depois daquela tragédia precisava foder não importava com quem” não são uma e a mesma frase. Em amor, o que importa é com quem. É até a única coisa que importa, daí a desadequação da expressão neste contexto.

A expressão poderá ser aceite em poucas situações. Por exemplo: em publico, dois amantes entreolham-se e a intimidade do olhar permitirá dizer – Vamos fazer? Amor. E aqui “fazer” substitui “foder” num contexto de obsceno interdito.

O problema com a palavra foder para designar esta actividade prende-se com o significado de insulto que também reveste na expressão “vai-te foder” que mancha a união sexual voluntária de duas pessoas com um estigma soez.

Regresso  às Cantigas de Escárnio e Maldizer e a João Garcia de Guilhade para ilustrar estes dois significados de foder – fornicar e lixar. De acordo com Graça Videira Lopes o significado “lixar” deve até ser a primeira leitura do poema:

Poema 164

Elvira lópez, que mal vos sabedes

vós guardar sempre daqueste peom

que pousa vosc[o], e há coraçom

de tousar vosqu’, e vós nom lh’entendedes;

hei mui gram medo de xi vos colher

algur senlheira; e se vos foder, [senlheira – sózinha]

o engano nunca lho provaredes.


O peom sabe sempr’u vós jazedes,

e nom vos sabedes dele guardar

siquer poedes [em] cada logar

vossa maeta o quanto tragedes; [maeta – maleta]

e dized’ora, se Deus vos perdom:

se de noite vos foder o peom,

contra qual parte o demandaredes?


Direi-vos ora como ficardes

deste peom, que tragedes assi

vosco, pousando aqui e ali:

e vós já quando que ar dormiredes

e o peom, se coraçom houver

de foder, foder-vos-á, se quiser,

e nunca del[e] o vosso haveredes.


Ca vos diredes: – Fodeu-m’o peom!

E el dirá: – Boa dona, eu nom!

E u las provas que [vós] lhi daredes?


Tratados que estamos com a antiguidade do foder, temos ainda o caso da palavra fornicação, ou do verbo fornicar, ou então a palavra coito, da qual nem sei se se aplica coitar, pois coito reveste um significado de passado ex: ”houve coito ou não?” e aí é quase uma inquirição policial. Imagine-se o leitor a pensar “esta noite vou coitar com o meu amor”, que tal?

Voltando a fornicação ou fornicar são qualquer delas palavras monstruosas para referir uma actividade magnífica.

Não obstante  fornicação evocar algum contorcionismo, falta-lhe, no entanto, o calor envolvente que caracteriza o acto. Dificilmente se consegue aceitar “que boa fornicação” e então “esta noite sonhei que fornicava a Marylin Monroe” não é sonho que se descreva por estas palavras.

Mas este deambular trazia como propósito a elucidação de que felizmente o francês nos socorreu com a adequada palavra para a actividade sexual envolvendo a língua, sendo certamente incerto que alguém, mesmo com propensão erudita, manifeste em voz alta desejo daquele cunilinguus de tão dificil pronuncia. A tempo o francês  com a sua minette resolveu-nos o problema da forma que Jorge de Sena nos esclarece como segue:

EM LOUVOR DA LÍNGUA PORTUGUESA

Tão forte e tão hipócrita que até

usa nome francês para dizer

o que – heroicamente – faz

todos os dias

à cona da mãe.

É a esta actividade que durante largo tempo a humanidade ocidental chamou “beijo impudico” ainda que não deixasse de o praticar. E é de novo das Cantigas de Escárnio e Maldizer que me socorro  para deixar aqui um poema sobre este mesmo cunilinguus chamado, desta vez da autoria de João Airas de Santiago


Poema 144

Dom Beeito, home duro,

foi beijar pelo obscuro

a mia senhor.


Come home aventurado,

foi beijar pelo furado

a mia senhor.


Vedes que gran desventura:

beijou pela fendedura

a mia senhor.


Vedes que moi grand’abaco:

foi beijar polo buraco

a mia senhor.


A editora do poema aventa a qualificação de home duro feita pelo trovador a D. Beito como hipótese de ironia à sua impotência. É provavelmente uma interpretação restritiva na medida em que desconhecemos qual a conotação em termos da imagem da masculinidade, que o “beijo impudico” revestia, não obstante a controvérsia entre trovadores sobre o assunto conhecida como “affaire Cornilh (1161)”, a qual modernas interpretações defendem que afinal respeita ao desejo de Madame Ayma ser primeiro lambida no cu para conceder os seus favores a Bernatz de Cornilh.

Sabendo que questões de língua devem ser um prazer interminável e não uma sensaboria fico-me por aqui, esquecendo controvérsias de especialistas e questões teóricas em torno da leitura destes poemas.

Uma leitura mais profícua exige um comentário em contexto com as características e temas destas composições. Os leitores interessados encontram-nos nas publicações de especialistas. Neste artigo apenas a curiosidade da linguagem ditou a escolha. Deixo agora a nota bibliográfica que é de justiça.

Noticia bio-bibliográfica

Encontramos noticia sobre a vida e obra dos nossos trovadores no Dicionário da Literatura Medieval Galega e Portuguesa, publicado em 2ª edição pela Editorial Caminho em 2000.

Aí, sob as entradas Johan Airas de Santiago e Johan Garcia de Guilhade, encontramos detalhada informação sobre a obra de ambos e algumas circunstância biográficas conhecidas.

Importa aqui reter que ambos são poetas vivendo no sécul XIII, a compor ao tempo de Afonso X de Castela e do nosso rei D.Dinis, sendo substancialmente mais novos que este. De Johan Garcia de Guilhade sabe-se que é já adulto em 1239.

Nas trancrições  dos poemas medievais usei a edição de Graça Vieira Lopes das Cantigas de Escárnio e Maldizer, publicada pela Editorial Estampa em 2002, no âmbito da colecção Obras Clássicas da Literatura Portuguesa. A numeração que identifica os poemas neste artigo é a atribuída nesta edição.

O poema de Jorge de Sena integra o ciclo “EM LOUVOR DA BOA LINGUAGEM” publicado postumamente em 1980 por Moraes Editores na sua colecção Circulo de Poesia, e inserido no livro SEQUÊNCIAS.

Em nota final deixo a versão de Natália Correia do poema 166 em português moderno publicado por esta em 1965, na nunca demais elogiada Antologia da Poesia Portuguesa Erótica e Satírica:

Martim jogral, que defeita,

sempre convosco se deita

vossa mulher!


Vedes-me andar suspirando;

e vós deitado, gozando

vossa mulher!


Do meu mal não vos doeis;

morro eu e vós fodeis

vossa mulher!

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Vindo das Mil e Uma Noites

09 Quarta-feira Jun 2010

Posted by viciodapoesia in Erótica, Raros/Curiosos

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Abu Navas, Jorge de Sena

Continuamos com o inextinguível filão da poesia de amor nas suas diversas facetas.

Vindo dos tempos das Mil e Uma Noites, chegamos pela mão da sábia tradução de Jorge de Sena, a um poema de ABU NOVAS (c.750 – c. 813).

Tendo nascido na Pérsia, ABU NOVAS  viveu longamente em Bagdad na corte do califa Harun Al-Rashid (reinou entre 786 – 809), sendo considerado ainda hoje um dos maiores poetas do seu tempo, se não o maior, e um dos grandes da poesia árabe classica, nas palavras de Jorge de Sena.

A sua poesia dentro do formalismo extremamente calculado da poesia árabe clássica, trouxe uma desenvoltura extraordinária, um tom de anacreontica graciosidade e leveza, que não recua ante o mais licencioso e é o espelho de uma cultura que herdou, como a Europa cristã não, o hedonismo e a desinibição do mundo-greco-latino. É de novo Jorge de Sena quem assim escreve na notável antologia de poesia universal POESIA DE 26 SÉCULOS – De Arquíloco a Nietzche, de onde retirei o poema, e que ficará como um marco na bibliografia portuguesa.

Feitas as apresentações, vamos ao poema.

“DEUS SABE QUE NINGUÉM TEM …”

Deus sabe que ninguém tem

instrumento igual ao meu:

venham medi-lo e hão-de ver

o tesouro que El’me deu.

Tomai-o – isso! – na mão:

é meu timbre de valor.

Quem o gosto lhe descobre

sucumbe ao terno ardor.

Tão alto como um pilar

(como um pilar não encolhe)

visto ao longe na distância

de qualquer lado que se olhe.

Venham pegar, e apertá-lo

com força na vossa mão.

E  levai-o à vossa tenda,

entre onde os montes estão.

Sêde vós a lá guardá-lo

com vossa mão cuidadosa

Vêde quanto ergue a cabeça

como bandeira orgulhosa!

Nem dareis pela entrada,

tão corajoso ele avança!

Jamais pende como a vela

quando o vento se descansa.

Que el’ seja asa da panela

entre as pernas escondida,

tão vazia desde o fundo

até à borda cingida.

Venham ver a maravilha

que logo se ergue tão pronta!

Tão rara e tão portentosa,

tão rica de bens sem conta!

E vejam como endurece

tão forte e tão magistral:

É coluna dura e longa

de uma força sem igual.

Se quereis pega segura,

ou colher que bem remexa,

outra melhor não tereis

para panelas sem queixa.

Pegai nesta – que ela esteja

na vossa panela ardente,

lá onde só um instrumento

haverá que vos contente!

Nem sonhais – amores – o gosto

que vos dará tal espada,

mesmo em panela de cobre

ou de prata chapeada.


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