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Para quem ama a poesia de Jorge de Sena (1919-1978) o livro Sequências ocupa um lugar especial. Repositório de sarcasmos e ironias poéticas deixadas inéditas, e publicadas pouco depois da morte do poeta pela mulher, Mecia de Sena, nele encontramos traços da visão atenta ao que o rodeava e de como esse mundo e o que nele acontecia desencadeava a sua verve poética.
Num dos ciclos do livro, América, América, I love you, encontro o poema Marido e Mulher de 12/Ago/1969(?) que nos leva ao mundo por detrás das fachadas tão brilhantemente pintadas por Richard Estes (1932) entre finais doa anos 60 e ao longo dos anos 70 do século XX, e dentre as quais mostro a seguir um pequeno grupo.
MARIDO E MULHER
Sofriam terrivelmente. Porque
o comboio dele chegava
quando o dela partia.
Compraram um manual na livraria,
mandaram vir pelo correio uma almofada especial
(cujo atraente anúncio recebiam quase todos os dias pelo correio)
leram com cuidado as instruções,
estudaram com aplicação os esquemas do livro,
e, quando se ensaiavam,
na discreta penumbra do quarto respectivo,
a sogra — que embirrava com ele —
abriu de repente a porta,
deu um grito, correu
ao telefone e chamou a polícia,
A polícia veio, levou-o. Foi julgado
e condenado a dois anos de tratamento num instituto psiquiátrico
por atentar, vicioso,
contra a virtude da esposa.
12/Ago/1969(?)
Agora que os leitores já têm uma ideia da paisagem urbana nos EUA na época do poema, termino com outro poema de Jorge de Sena, provavelmente composto no mesmo dia do anterior e pertencendo ao mesmo ciclo.
Pavloviana ou os reflexos condicionados
Parqueavam o carro à porta dela,
e durante mais de uma hora,
rolavam-se e rebolavam-se lá dentro.
Depois, saciados, fechavam o carro
e entravam em casa (para lavar-se e dormir).
(Na verdade, a casa não era dela,
mas de ambos: Moravam lá,
até eram casados).
Desta vez a pintura de moradia e carro é de 1967 e é obra de Robert Bechtle (1932)
Notícia bibliográfica
Os poemas foram transcritos de Jorge de Sena, SEQUÊNCIAS, Lisboa, Moraes Editores, 1ªediçao Julho de 1980.
Belíssimas as imagens dos EUA – anos 70!
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Amei a ambos. Que todos os amantes, casados ou nâo, rolem e rebolem no carro parado.
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Acompanho-a nesse desejo e obrigado pelo comentário. Até breve.
Carlos Mendonça Lopes
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