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vicio da poesia

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Com a poesia de Jorge de Sena pelo Natal

25 Terça-feira Dez 2012

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poetas e Poemas

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GHIRLANDAIO, Jorge de Sena, Natal

GHIRLANDAIO, Domenico 1492Acontecido o nascimento, é para o balbuciar da vida que a atenção do homem se volta. Com Jorge de Sena (1919-1978) é recorrente a atenção aos filhos como na obra-prima Carta aos meus filhos sobre os Fuzilamentos de Goya.
Nos três poemas que seguem, como outros dispersos pela sua obra poética, são reflexões sobre o ciclo vital o que acompanhamos, lendo no mistério da poesia o mistério da vida.

Eternidade

Vens a mim
pequeno como um Deus,
frágil como a terra,
morto como o amor,
falso como a luz,
e eu recebo-te
para a invenção da minha grandeza,
para rodeio da minha esperança
e pálpebras de astros nus.
Nasceste agora mesmo. Vem comigo.

In PERSEGUIÇÃO [1942]

Cantiga de embalar

Tão docemente se ouve um grito de criança,
enquanto a noite cerra o seu passo mais largo
que a névoa branda em torno aos candeeiros.

Até mim chegam indistintos halos
de luzes próximas, talheres fulgindo,
além, por sobre quintais abandonados.

No céu, sem estrelas como um fumo inútil,
espraiam-se olhares, silêncios, cartas esquecidas,
e túmulos perdidos no subsolo das casas.

Um grito de criança. E, no entanto,
há uma guerra, uma paz, armamentos sem fim,
e é importantissimo estudar economia política.

Saberás, meu filho do acaso de outros,
ser diferente sempre, dia a dia?
Saberás bem tudo, e sem saber o quê?
Serás como esta noite de um silêncio grávido
suspenso eternamente sobre as coisas?

In COROA DA TERRA [1946]

Os filhos levam muito tempo a crescer

Precária a vida e consentida a morte.
Quanto eu julguei saber como assim eram!
Mas não sabia.

Morreram-me pessoas queridas
e é como se ausentes permaneçam;
mesmo quando morreram perante mim,
não foi à morte delas que assisti:
outrem morreu, que é outro alguém que morre.

Mas também isto ainda o não sabia,
como o sei agora,
se aos meus filhos  o olhar se turva
se não sorriem logo, prontamente,
ao mais singelo aceno desta vida
que tão precária acena por seus lábios.
A morte é consentida: se a consentem?
Se se desdobram, numa imagem fixa,
que se perde,
e noutra que parte para sempre,
como se só ausente permaneça,
mas que nunca mais volta,
para viver precariamente
e morrer consentidamente
depois de a morte a mim me haver vivido?
Tudo isto meus versos o sabiam,
que não eu.
E agora que o sei tão ansiosamente,
leio estes versos e suspeito
amargamente que estes o não sabem.

1951

In POESIA-I, 1977

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O presépio da minha infância

24 Segunda-feira Dez 2012

Posted by viciodapoesia in Cânone XXI, Convite à arte, Crónicas

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Fernando Pessoa, Natal

UNKNOWN MASTER, German 1420É a poesia de Fernando Pessoa um poço inesgotável, onde a cada mergulho a alma se nos prende e se desvenda. Nesta vasta obra há pouco sobre o Natal, mas basta o arqui-conhecido poema Natal. Na província neva/…, para ficar dito em definitivo o que em desolada solidão sente quem na vida caminha Coração oposto ao mundo.

NATAL  

Natal. Na província neva.
Nos lares aconchegados
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados.

Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade!
Meu pensamento é profundo,
Estou só e sonho saudade.

E como é branca de graça
A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei!

Era pela feira de Outubro que naquele virar dos anos cinquenta a chegada próxima do Natal nos conduzia, crianças de vida modesta numa sociedade de bens escassos.

Aí começava a preparação do presépio com a compra de figurinhas de barro, umas novas para acrescentar variedade à composição, outras para substituir algumas entretanto quebradas. Era o dinheiro amealhado em longos meses, às vezes todo o ano, que permitia essas compras. Depois seguiam-se os trabalhos de preparação e montagem do cenário para o presépio. Tratava-se de uma vasta estrutura com quase dois metros de frente e mais de um metro de fundo construída com réguas de madeira às quais se pregavam raízes de canas. Estas raízes de canas, tuberculos rijos e com formas caprichosas, permitiam uma arquitecuta espacial variada. Pregadas em anfiteatro, desciam das alturas ao fundo, e confluíam na gruta, em baixo e quase ao centro, na frente, onde nasceria o deus menino.
O propósito era criar um vasto cenário deixando imaginar montanhas e vales, por onde andaria e viveria gente, que à chegada do Natal saberiam da boa nova e desciam até à gruta para ver e adorar o deus nascido. Eram esta gente e animais, casas e alfaias, as figurinhas de barro compradas na feira. Ao cenário acrescentava-se musgo e searas (grãos de trigo postos a germinar semanas antes em tacinhas de vidro).
E como se fazia a base do cenário? Pregadas as raízes às tábuas na disposição que iria permitir o relevo, a esta estrutura colava-se papal Kraft, integralmente coberto de um dos lados com cola de farinha, a qual, uma vez seca fixava o papel às raízes e acrescentava-lhe a rigidez e resistência suficiente para nele pousar sem rasgar as figuras de barro.
A cola de farinha era feita com farinha e água, cozida ao fogo. Depois de bem seca a cola, toda a estrutura era pintada com uma solução de dioxénio, a qual por ser de um castanho transparente, permitia nuances de cor sobre o papel creme e já manchado pelo repasse da cola. Uma vez seco o dioxénio e ficando a contento o cenário de montanha que queríamos, tratava-se de polvilhar a estrutura com purpurina dourada e prateada de forma que surgissem reflexos na estrutura, quando iluminada.
Com todo este trabalho tinha passado Outubro e Novembro. Além de carrear todo o material, escolher e ensaiar o cenário a construir, havia também a construção em cartolina do castelo do presépio, e de casas para espalhar pela paisagem. O castelo era a obra-prima de cada ano a fazer, pela vastidão e variedade de torres e ameias, fazendo lembrar um castelo das iluminuras dos irmãos Limbourg, que em tempos deixei algures no blog.
Concluídas as tarefas, e de posse de todos os elementos: figuras, musgo, searas, luzes, tratava-se de as dispor no cenário e inaugurar o presépio, nem sempre no primeiro de Dezembro mas seguramente nos primeiros dias do mês. Quando era montado na montra da loja de meu pai, colocava-se um pano no exterior enquanto a montagem durava, e anos houve em que a miudagem apercebendo-se, ali se juntava e esperava a retirada do pano para primeiro ver o presépio e as suas novidades. Depois, ao longo dos dias, na saída da escola, lá passavam e ficavam a olhar, uns, sem mais, outros discutindo este ou aquele detalhe que gostavam ou não.

Era o tempo de pôr o sapato à chaminé na véspera de Natal à noite, e acreditar que por ali o Pai Natal desceria com um ou dois presentes e pouco mais de meia dúzia de pequenos chocolates, enchendo o sapatinho com os secretos sonhos que só ele conhecia. Hoje, as chaminés vedadas por exaustores não permitem, nem à mais tenra infância, a ilusão da descida do Pai Natal, dando forma a desejos acalentados longamente.

Este acreditar que a magia do bem é possível, acompanha pela vida quem a sentiu, e torna a esperança na felicidade, indestrutível.
Oxalá o mesmo se passe consigo, leitor.

Feliz Natal!

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Natal num poema de David Mourão-Ferreira

21 Sexta-feira Dez 2012

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poetas e Poemas

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David Mourão-Ferreira, Natal

 

BRONZINO, Agnolo Adoration of the Shepherds 1539-40Aproxima-se o Natal e apetece visitar a poesia escrita a seu pretexto.
É a possibilidade de recomeçar, deixar para trás os erros e recuperar a magia do futuro com os olhos da infância, o que sobretudo me atrai na espera do Natal e na sua celebração.
Às vezes basta um nada e o reencontro com esse encanto infantil vivido em torno do Natal regressa:

Cala-te, vento velho! É o Natal que passa, / a trazer-me da água a infância ressurrecta.

A vida leva-nos mais vezes do que nós a ela,

E quanto mais na terra a terra me envolvia / mais da terra fazia o norte de quem erra.

e se a memória se liberta

Da casa onde nasci via-se perto o rio.

cresce a vontade de encontrar a bússola que por outro caminho nos conduza

Vem tu, Poesia, vem, agora conduzir-me
à beira desse cais onde Jesus nascia…
Serei dos que afinal, errando em terra firme,
precisam de Jesus, de Mar, ou de Poesia?

De tudo isto nos fala David Mourão-Ferreira (1927-1996) no poema Natal à Beira-Rio que acima esquartejei e agora transcrevo na totalidade.

Natal à Beira-Rio

É o braço do abeto a bater na vidraça?
E o ponteiro pequeno a caminho da meta!
Cala-te, vento velho! É o Natal que passa,
a trazer-me da água a infância ressurrecta.

Da casa onde nasci via-se perto o rio.
Tão novos os meus Pais, tão novos no passado!
E o Menino nascia a bordo de um navio
que ficava, no cais, à noite iluminado…

Ó noite de Natal, que travo a maresia!
Depois fui não sei quem que se perdeu na terra.
E quanto mais na terra a terra me envolvia
mais da terra fazia o norte de quem erra.

Vem tu, Poesia, vem, agora conduzir-me
à beira desse cais onde Jesus nascia…
Serei dos que afinal, errando em terra firme,
precisam de Jesus, de Mar, ou de Poesia?

1960

O poema abre o livro Cancioneiro de Natal que o poeta publicou em 1971 com 10 poemas onde a sua vivência do Natal se reflecte.

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