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vicio da poesia

Monthly Archives: Março 2013

Belas do cinema

16 Sábado Mar 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à fotografia

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Anna Magnani4Anna Magnani – Mamma Roma para Pier Paolo Pasolini

Entretive-me há dias percorrendo um vasto arquivo de fotos de e sobre cinema. Foi uma espécie de regresso à infância.

Por volta dos dez, onze anos, como suponho que acontece com os miúdos ainda hoje, coleccionei cromos. Uma das colecções que me encantava e mesmo depois de concluída folheei vezes sem conta, foi uma série dedicada a estrelas de cinema. Nomes e rostos que nada me diziam em concreto mas que me embalavam a imaginação. Muitos deles encontrei-os já adulto quando o gosto pelo cinema clássico europeu e de Hollywood em mim explodiu.

Deste folhear de memórias, vendo fotos de estrelas de cinema, escolho umas quantas para aqui vos deixar.

Têm a dupla característica de serem belas fotos do ponto de vista técnico e artístico, e mostrarem ícones que nos povoaram, e a alguns povoam, a imaginação.

Katharine-Hepburn-katharine-hepburnKatharine Hepburn

Monica VittiMonica Vitti – a diva de Michelangelo Antonioni

Ava Gardner 01Ava Gardner – A inesquecível Condessa Descalça.

O mais belo animal do mundo, chamaram-lhe alguns.

Louise Brooks in  (Photo by Otto Dyer)Louise Brooks – A Lulu de todos os sonhos

Termino com as pernas do Anjo Azul – Marlene Dietrich

DIETRICH+B

E em epílogo, a cores, a deslumbrante, ainda hoje, Brigitte Bardot

Brigitte Bardot36

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As paisagens corporais de Allan Teger

14 Quinta-feira Mar 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à fotografia

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Allan Teger

Allan-Teger-Bodyscapes 05

A fotografia digital enquanto ferramenta criativa, libertou a imaginação permitindo o aparecimento de obras gráficas a partir da fotografia, que alargam as fronteiras do conceito conservador de imagem fotográfica.

As paisagens corporais de Allan Teger derivando directamente da fotomontagem, transmitem-nos uma nova percepção da escala no universo em redor.

Servindo-se do corpo nu de mulher, sobre ele pousa variados objectos, criando cenários em que à surpresa do insinuado se sobrepõe a realidade do fotografado, numa desconcertante imagem de real/fantasia, de feliz efeito plástico.

Aqui fica uma pequena escolha pessoal.

Allan-Teger-Bodyscapes 06

Allan-Teger-Bodyscapes 19

Allan-Teger-Bodyscapes 10

Allan-Teger-Bodyscapes 14

Allan-Teger-Bodyscapes 22

Allan-Teger- Bodyscapes 02

Allan-Teger-Bodyscapes 15

Allan-Teger-Bodyscapes 09

E foram felizes para sempre!

FIM

 

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Afasta de mim esses lábios – Anónimo celta do século XV/XVI

13 Quarta-feira Mar 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à fotografia, Poesia Antiga

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ELLIOTT ERWITT

ELLIOTT ERWITT California 1955

De entre as variadas perspectivas de sentir o beijo como entrega da alma, que a poesia conserva, este poema de autor anónimo da cultura celta (Irlanda), provavelmente dos séculos XV/XVI, traz uma inusual escolha:

Mais doce que o mel um beijo eu tive
De mulher casada que o deu por amor.

O poema abre com a recusa do beijo da menina virgem:

Guarda para ti esse teu beijo
Menina virgem dos dentes brancos!

e desenvolve-se explicitando os prazeres do beijo da casada.
Para que não restem duvidas a ninguém, o nosso homem remata com uma declaração de fidelidade perene:

Outras mulheres novas e velhas não hei-de amar
Pois que o seu beijo é como é, foi e será.

Passemos então ao poema integral:

Afasta de mim esses lábios

Guarda para ti esse teu beijo
Menina virgem dos dentes brancos!
Nesse teu beijo eu gosto não acho
Longe de mim guarda teus lábios.

Mais doce que o mel um beijo eu tive
De mulher casada que o deu por amor.
Até que se acabem o mundo e os dias
Beijo de gosto só esse terei; esse e não outro.

Até que a veja tal como é em sua pessoa
Por obra e graça do filho de Deus
Outras mulheres novas e velhas não hei-de amar
Pois que o seu beijo é como é, foi e será.

Tradução de José Domingos Morais, in Rosa do Mundo, 2001 poemas para o futuro.

A foto que abre o artigo, California, 1955, é de ELLIOTT ERWITT (1928)

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Domingo à tarde, o poema de Alfred Lichtenstein com paisagens urbanas de Egon Schiele

10 Domingo Mar 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poetas e Poemas

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Alfred Lichtenstein, Egon Schiele

Egon Schiele - suburbios

Deixemos entrar no meio das harmonias de que aqui falo um pouco da crueza do mundo que aos nossos olhos se expõe, apenas consintamos à vista circular em redor.

Egon Schiele - casas com roupas penduradas 2

Não obstante o poema de Alfred Lichtenstein (1889-1914) ser do inicio do século XX (1912), há uma realidade de miséria material e humana que perdura nas nossas sociedades e grita para que dêmos por ela.

Egon Schiele - casas amarelas

No poema, alguns detalhes são-nos hoje estranhos, mas a atmosfera em domingo de província ou de periferia urbana permanece reconhecível.

Egon Schiele - Cidade de Krumau 1915-16

Em ruas podres acampa o casario,
Sobre cuja bossa baço sol clareia.
Um cão de luxo perfumado e com cio
Atira ao mundo olhares de quem esgazeia

De fraldas cheias gritam bebés zangados.
Numa janela, a apanhar moscas, está um moço.
Um comboio no céu, sobre ventosos prados,
Vai pintando lento e longo traço grosso.

Como máquinas matraqueiam ferraduras.
Cheios de pó chegam ginastas ruidosos.
Lançam-se gritos brutais de tascas escuras.
Mas são cortados por inóspita maviosos.

Nos lupanares, onde s atletas lutam,
Difuso entardecer já tudo engole.
Um realejo uiva e criadas cantam.
Um homem esmaga mulher podre e mole.

La ciudad vieja

A pintura de paisagens urbanas de Egon Schiele (1890-1918) que acompanha o poema é grosso modo sua contemporânea. Género menos frequente na obra do pintor, no pesado do seu colorido, ela dá conta da atmosfera de pobreza e necessidade que também hoje se vive nos centros históricos semi-abandonados e em vastas zonas de arrabalde das grandes cidades.

Egon Schiele - casas com roupas penduradas

Termino com um pungente retrato de mãe e filha, também de Egon Schiele, dando conta de uma realidade que, afinal, permanece.

Egon Schiele - Mae e filha 500

A tradução portuguesa do poema é de João Barrento.

Para os eventuais conhecedores do alemão, segue o original do poema:

Sonntagnachmittag

Auf faulen Straßen lagern Häuserrudel,
Um deren Buckel graue Sonne hellt.
Ein parfümierter, halbverrückter kleiner Pudel
Wirft wüste Augen in die große Welt.

In einem Fenster fängt ein Junge Fliegen.
Ein arg beschmiertes Baby ärgert sich.
Am Himmel fährt ein Zug, wo windge Wiesen liegen;
Malt langsam einen langen dicken Strich.

Wie Schreibmaschinen klappen Droschkenhufe.
Und lärmend kommt ein staubger Turnverein.
Aus Kutscherkneipen stürzen sich brutale Rufe.
Doch feine Glocken dringen auf sie ein.

In Rummelplätzen, wo Athleten ringen,
Wird alles dunkler schon und ungenau.
Ein Leierkasten heult und Küchenmädchen singen.
Ein Mann zertrümmert eine morsche Frau.

 

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Herberto Helder e O AMOR EM VISITA no Dia da Mulher

08 Sexta-feira Mar 2013

Posted by viciodapoesia in Cânone XXI, Convite à arte, Poetas e Poemas

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Herberto Helder, Matisse

Matisse_Henri-Zulma

Para quem anda distraído, ou ocupado nas imensas ninharias da vida, celebra o mundo neste dia 8 de Março, o Dia Internacional da Mulher.
Assunto maior e recorrente no blog – A Mulher – aproveito a comemoração para, com pouca conversa, transcrever o longo poema/oração de Herberto Helder (1930) O AMOR EM VISITA, um entre aquela menos que duzia de obras-primas absolutas da poesia portuguesa do século XX, pela primeira vez publicado em 1958 e sucessivamente retocado.

Poema de exaltação do amor pela mulher, que a abrir nos diz:

Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.

Com o poema caminhamos na musica encantatória do verso, e percorremos, entre o instante e o eterno, a vertigem do amor:

Nem sempre me incendeiam o acordar das ervas e a estrela
despenhada de sua órbita viva.
– Porém, tu sempre me incendeias.

sabendo que no final e sempre:

Beijarei em ti a vida enorme, e em cada espasmo
eu morrerei contigo.

O AMOR EM VISITA

Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade
de dois seios, com o peso lúbrico e triste
da boca. Seus ombros beijarei.

Cantar? Longamente cantar,
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave
o atravessar trespassada por um grito marítimo
e o pão for invadido pelas ondas –
seu corpo arderá mansamente sob os meus olhos palpitantes.
Ele – imagem vertiginosa e alta de um certo pensamento
de alegria e de impudor.
Seu corpo arderá para mim
sobre um lençol mordido por flores com água.

Em cada mulher existe uma morte silenciosa.
E enquanto o dorso imagina, sob os dedos,
os bordões da melodia,
a morte sobe pelos dedos, navega o sangue,
desfaz-se em embriaguez dentro do coração faminto.
– Oh cabra no vento e na urze, mulher nua sob
as mãos, mulher de ventre escarlate onde o sal põe o espírito,
mulher de pés no branco, transportadora
da morte e da alegria.

Dai-me uma mulher tão nova como a resina
e o cheiro da terra.
Com uma flecha em meu flanco, cantarei.
E enquanto manar de minha carne uma videira de sangue,
cantarei seu sorriso ardendo,
suas mamas de pura substância,
a curva quente dos cabelos.
Beberei sua boca, para depois cantar a morte
e a alegria da morte.

Dai-me um torso dobrado pela música, um ligeiro
pescoço de planta,
onde uma chama comece a florir o espírito.
À tona da sua face se moverão as águas,
dentro da sua face estará a pedra da noite.
– Então cantarei a exaltante alegria da morte.

Nem sempre me incendeiam o acordar das ervas e a estrela
despenhada de sua órbita viva.
– Porém, tu sempre me incendeias.
Esqueço o arbusto impregnado de silêncio diurno, a noite
imagem pungente
com seu deus esmagado e ascendido.
– Porém, não te esquecem meus corações de sal e de brandura.
Entontece meu hálito com a sombra,
tua boca penetra a minha voz como a espada
se perde no arco.
E quando gela a mãe em sua distância amarga, a lua
estiola, a paisagem regressa ao ventre, o tempo
se desfibra – invento para ti a música, a loucura
e o mar.

Toco o peso da tua vida: a carne que fulge, o sorriso,
a inspiração.
E eu sei que cercaste os pensamentos com mesa e harpa.
Vou para ti com a beleza oculta,
o corpo iluminado pelas luzes longas.
Digo: eu sou a beleza, seu rosto e seu durar. Teus olhos
transfiguram-se, tuas mãos descobrem
a sombra da minha face. Agarro tua cabeça
áspera e luminosa, e digo: ouves, meu amor?, eu sou
aquilo que se espera para as coisas, para o tempo –
eu sou a beleza.
Inteira, tua vida o deseja. Para mim se erguem
teus olhos de longe. Tu própria me duras em minha velada
beleza.

Então sento-me à tua mesa. Porque é de ti
que me vem o fogo.
Não há gesto ou verdade onde não dormissem
tua noite e loucura,
não há vindima ou água
em que não estivesses pousando o silêncio criador.
Digo: olha, é o mar e a ilha dos mitos
originais.
Tu dás-me a tua mesa, descerras na vastidão da terra
a carne transcendente. E em ti
principiam o mar e o mundo.

Minha memória perde em sua espuma
o sinal e a vinha.
Plantas, bichos, águas cresceram como religião
sobre a vida – e eu nisso demorei
meu frágil instante. Porém
teu silêncio de fogo e leite repõe
a força maternal, e tudo circula entre teu sopro
e teu amor. As coisas nascem de ti
como as luas nascem dos campos fecundos,
os instantes começam da tua oferenda
como as guitarras tiram seu início da música nocturna.

Mais inocente que as árvores, mais vasta
que a pedra e a morte,
a carne cresce em seu espírito cego e abstracto,
tinge a aurora pobre,
insiste de violência a imobilidade aquática.
E os astros quebram-se em luz sobre
as casas, a cidade arrebata-se,
os bichos erguem seus olhos dementes,
arde a madeira – para que tudo cante
pelo teu poder fechado.
Com minha face cheia de teu espanto e beleza,
eu sei quanto és o íntimo pudor
e a água inicial de outros sentidos.

Começa o tempo onde a mulher começa,
é sua carne que do minuto obscuro e morto
se devolve à luz.
Na morte referve o vinho, e a promessa tinge as pálpebras
com uma imagem.
Espero o tempo com a face espantada junto ao teu peito
de sal e de silêncio, concebo para minha serenidade
uma ideia de pedra e de brancura.
És tu que me aceitas em teu sorriso, que ouves,
que te alimentas de desejos puros.
E une-se ao vento o espírito, rarefaz-se a auréola,
a sombra canta baixo.

Começa o tempo onde a boca se desfaz na lua,
onde a beleza que transportas como um peso árduo
se quebra em glória junto ao meu flanco
martirizado e vivo.
– Para consagração da noite erguerei um violino,
beijarei tuas mãos fecundas, e à madrugada
darei minha voz confundida com a tua.
Oh teoria de instintos, dom de inocência,
taça para beber junto à perturbada intimidade
em que me acolhes.

Começa o tempo na insuportável ternura
com que te adivinho, o tempo onde
a vária dor envolve o barro e a estrela, onde
o encanto liga a ave ao trevo. E em sua medida
ingénua e cara, o que pressente o coração
engasta seu contorno de lume ao longe.
Bom será o tempo, bom será o espírito,
boa será nossa carne presa e morosa.
– Começa o tempo onde se une a vida
à nossa vida breve.

Estás profundamente na pedra e a pedra em mim, ó urna
salina, imagem fechada em sua força e pungência.
E o que se perde de ti, como espírito de música estiolado
em torno das violas, a morte que não beijo,
a erva incendiada que se derrama na íntima noite
– o que se perde de ti, minha voz o renova
num estilo de prata viva.

Quando o fruto empolga um instante a eternidade
inteira, eu estou no fruto como sol
e desfeita pedra, e tu és o silêncio, a cerrada
matriz de sumo e vivo gosto.
– E as aves morrem para nós, os luminosos cálices
das nuvens florescem, a resina tinge
a estrela, o aroma distancia o barro vermelho da manhã.
E estás em mim como a flor na ideia
e o livro no espaço triste.

Se te aprendessem minhas mãos, forma do vento
na cevada pura, de ti viriam cheias
minhas mãos sem nada. Se uma vida dormisses
em minha espuma,
que frescura indecisa ficaria no meu sorriso?
– No entanto és tu que te moverás na matéria
da minha boca, e serás uma árvore
dormindo e acordando onde existe o meu sangue.

Beijar teus olhos será morrer pela esperança.
Ver no aro de fogo de uma entrega
tua carne de vinho roçada pelo espírito de Deus
será criar-te para luz dos meus pulsos e instante
do meu perpétuo instante.
– Eu devo rasgar minha face para que a tua face
se encha de um minuto sobrenatural,
devo murmurar cada coisa do mundo
até que sejas o incêndio da minha voz.

As águas que um dia nasceram onde marcaste o peso
jovem da carne aspiram longamente
a nossa vida. As sombras que rodeiam
o êxtase, os bichos que levam ao fim do instinto
seu bárbaro fulgor, o rosto divino
impresso no lodo, a casa morta, a montanha
inspirada, o mar, os centauros
do crepúsculo
– aspiram longamente a nossa vida.

Por isso é que estamos morrendo na boca
um do outro. Por isso é que
nos desfazemos no arco do verão, no pensamento
da brisa, no sorriso, no peixe,
no cubo, no linho,
no mosto aberto
– no amor mais terrível do que a vida.

Beijo o degrau e o espaço. O meu desejo traz
o perfume da tua noite.
Murmuro os teus cabelos e o teu ventre, ó mais nua
e branca das mulheres. Correm em mim o lacre
e a cânfora, descubro tuas mãos, ergue-se tua boca
ao círculo de meu ardente pensamento.
Onde está o mar? Aves bêbedas e puras que voam
sobre o teu sorriso imenso.
Em cada espasmo eu morrerei contigo.

E peço ao vento: traz do espaço a luz inocente
das urzes, um silêncio, uma palavra;
traz da montanha um pássaro de resina, uma lua
vermelha.
Oh amados cavalos com flor de giesta nos olhos novos,
casa de madeira do planalto,
rios imaginados,
espadas, danças, superstições, cânticos, coisas
maravilhosas da noite. Ó meu amor,
em cada espasmo eu morrerei contigo.

De meu recente coração a vida inteira sobe,
o povo renasce,
o tempo ganha a alma. Meu desejo devora
a flor do vinho, envolve tuas ancas com uma espuma
de crepúsculos e crateras.
Ó pensada corola de linho, mulher que a fome
encanta pela noite equilibrada, imponderável –
em cada espasmo eu morrerei contigo.

E à alegria diurna descerro as mãos. Perde-se
entre a nuvem e o arbusto o cheiro acre e puro
da tua entrega. Bichos inclinam-se
para dentro do sono, levantam-se rosas respirando
contra o ar. Tua voz canta
o horto e a água – e eu caminho pelas ruas frias com
o lento desejo do teu corpo.
Beijarei em ti a vida enorme, e em cada espasmo
eu morrerei contigo.

Transcrevi a versão publicada em OU O POEMA CONTÍNUO, edição da obra poética de Herberto Helder, na forma definitiva de 2004, publicada por Assírio & Alvim em Setembro de 2004.

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Elogio da morena por Asclepíades

07 Quinta-feira Mar 2013

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Asclepíades

Oleg Igorin

Apenas um poema de Asclepíades (???) extraído da Antologia Grega, dando conta do poder da beleza contra convenções e preconceitos.

Dídima seduziu-me com as suas traquinices. Oh! Eu derreto
como cera ao lume à vista da sua beleza.
Se ela é negra, que importa? Também os carvões o são. Mas
quando acesos, brilham como botões de rosa.

Tradução de Albano Martins, Antologia da Poesia Grega Clássica.

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Mais Álvaro de Campos – Ai, Margarida, …

06 Quarta-feira Mar 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poetas e Poemas

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Álvaro de Campos, Edward Burra, Fernando Pessoa

Edward Burra 1905-1976 Tate

Mesmo nas mais aparentes bagatelas poéticas encontramos sobre que reflectir ao ler a poesia de Fernando Pessoa.

Nesta brincadeira sobre a leviandade e o amor, o diálogo entre o casal revela o contraste frequente entre homem e mulher, na oposição entre a fantasia masculina e o pragmatismo feminino.

A forma poética, prenhe de trivialidades, forçou o autor a declarar no final da conversa/poema tratar-se do resultado de uma bebedeira.

Ai, Margarida,
Se eu te désse a minha vida,
Que farias tu com ella?
– Tirava os brincos do prego,
casava c’um homem cego
E ia morar para a Estrella.

Mas, Margarida,
Se eu te désse a minha vida,
Que diria tua mãe?
– (Ella conhece-me a fundo.)
Que ha muito parvo no mundo,
E que eras parvo tambem.

E, Margarida,
Se eu te désse a minha vida
No sentido de morrer?
– Eu iria ao teu enterro,
Mas achava que era um erro
Querer amar sem viver.

Mas, Margarida,
Se este dar-te a minha vida
Não fôsse senão poesia?
– Então, filho, nada feito.
Fica tudo sem effeito.
Nesta casa não se fia.

Comunicado pelo Engenheiro Naval

Sr. Alvaro de Campos em estado

de inconsciencia

alcoolica.

Transcrição ortográfica conforme a edição crítica de Teresa Rita Lopes do Livro de Versos de Álvaro de Campos, Editorial Estampa, 1993.

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Minayoshi Takada – uma foto

06 Quarta-feira Mar 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à fotografia

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Minayoshi Takada

Minayoshi Takada (1889-1982), fotógrafo japonês, é autor de algumas belas fotos de nu feminino.
Neste pontual arquivo com que preencho o blog, escolho uma foto de 1950, Canoa, onde as formas de barco e mulher se combinam.

Canoe, 1950 by Minayoshi Takada (1889-1982)

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Apostilla por Alvaro de Campos ou a reflexão de Fernando Pessoa sobre carpe diem

05 Terça-feira Mar 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poetas e Poemas

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Álvaro de Campos, Fernando Pessoa, Modigliani

Modigliani_Amedeo-The_Young_Apprentice

Deixei há pouco tempo no blog um artigo em torno da Ode a Leucónoe de Horácio. Nele, a defesa do aproveitar a vida que passa sem preocupação pelo amanhã é o assunto. Carpe diem, é a ideia expressa em latim, e desde Horácio surge a espaços na poesia. Encontrámo-la no poema A vida, de Páladas, que aqui também deixei, e hoje retomo-a com o eco que a expressão encontrou em Álvaro de Campos, no poema Apostilla. Aqui, é a peculiar forma da reflexão Pessoana que se desenvolve através do seu heterónimo, interrogando-se sobre o que aproveitar o tempo significa.

Apostilla

Aproveitar o tempo!
Mas o que é o tempo, para que eu o aproveite?
Aproveitar o tempo!
Nenhum dia sem linha…
O trabalho honesto e superior…
O trabalho á Virgilio, á Milton…
Mas é tam diffícil ser honesto ou ser superior!
É tam pouco provavel ser Milton ou ser Virgilio!

Aproveitar o tempo!
Tirar da alma os bocados precisos – nem mais nem menos –
Para com elles juntar os cubos ajustados
Que fazem gravuras certas na história
(E estão certas também do lado de baixo que se não vê)…
Pôr as sensações em castello de cartas, pobre China dos serões,
E os pensamentos em dominó, egual contra egual,
E a vontade em carambola diffícil…
Imagens de jogos ou de paciencias ou de passatempos –
Imagens da vida, imagens das vidas. Imagens da Vida…

Verbalismo…
Sim, verbalismo…
Aproveitar o tempo!
Não ter um minuto que o exame de consciencia desconheça…
Não ter um acto indefinido nem facticio…
Não ter um movimento desconforme com propositos…
Boas maneiras da alma…
Elegancia de persistir…

Aproveitar o tempo!
Meu coração está cansado como mendigo verdadeiro.
Meu cerebro está prompto como um fardo posto ao canto.
Meu canto (verbalismo!) está tal como está e é triste.
Aproveitar o tempo!
Desde que comecei a escrever passaram cinco minutos.
Aproveitei-os ou não?
Se não sei se os aproveitei, que saberei de outros minutos?!

(Passageira que viajavas tantas vezes no mesmo compartimento comigo
No comboio suburbano,
Chegaste a interessar-te por mim?
Aproveitei o tempo olhando para ti
Qual foi o rhythmo do nosso socego no comboio andante?
Qual foi o entendimento que não chegámos a ter?
Qual foi a vida que houve nisto? Que foi isto á vida?)

Aproveitar o tempo!…
Ah, deixem-me não aproveitar nada!
Nem tempo, nem ser, nem memórias de tempo ou de ser!
Deixem-me ser uma folha de arvore, titillada por brisas,
A poeira de uma estrada, involuntaria e sòsinha,
O vinco deixado na estrada pelas rodas enquanto não vêm outras,
O peão do garoto, que vae a parar,
E oscilla, no mesmo movimento que o da terra,
E estremece, no mesmo movimento que o da alma,
E cahe, como cahem os deuses, no chão do Destino.

11/4/1928 – data do testemunho dactilografado.
Poema publicado em O Noticias Ilustrado, 27/2/1928.

Transcrição ortográfica conforme a edição crítica de Teresa Rita Lopes do Livro de Versos de Álvaro de Campos, Editorial Estampa, Lisboa, 1993.

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À janela – uma foto de Guy Bourdin

05 Terça-feira Mar 2013

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Guy Bourdin

Guy Bourdin (1928-1991), fotógrafo de moda, protegido de Man Ray, e vencedor do Grand Prix National de la Photographie em 1985, trabalhou para a Vogue e Harper’s Bazaar, e a sua obra tem vindo a ganhar progressivo reconhecimento e apreço. A foto que escolhi dá conta de uma simplicidade de mestre jogando com a geometria das linhas e o uniforme da cor.

guy_bourdin Vogue francesa 1971

Por uma vez, com uma janela, o olhar do espectador fica interessado não no que está para além da janela, mas no que aquém se mostra.

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