A humanidade não passa sem ar, sem água e sem dinheiro.
No nosso tempo, à medida que a busca pelo dinheiro não abranda, o ar respirável e a água que precisamos para viver estão a ficar cada vez mais escassos.
Se a ênfase de quem mais consciência tem da premência do problema é posta na necessidade de alteração nos padrões de consumo de cada um, há um modelo de crescimento económico baseado no aumento do consumo individual para o qual ter sempre mais dinheiro é indispensável, o que nos leva ao assunto do poema de José Agustín Goytisolo (1928-1999), Me lo decía mi abuelito, que no final transcrevo.
Este consumo desenfreado, exponenciado pela barata produção industrial chinesa dos últimos anos, de baixa qualidade e curta vida, é fonte de poluição desmedida, e encaixou na perfeição no modelo de crescimento baseado no aumento constante do consumo das sociedades ocidentais que todo o mundo procura, levando ao enriquecimento efectivo de alguns na sociedade chinesa.
Acontece que ter mais dinheiro sem ar ou sem água de pouco servirá.
Recordo-me de, no início do século, numa conversa com um jovem à beira dos 18 anos, este tentar convencer-me da indispensabilidade para ele de ter um automóvel. Procurei convencê-lo a adiar o desejo do carro dizendo-lhe simbolicamente o óbvio à época, e que hoje, embora sem ainda lá termos chegado, é verdadeiramente trágico: o mundo não aguenta um carro por cada chinês ou dizendo de outra maneira, o mundo não aguenta mais poluição automóvel, a que todas as outras do consumo supérfluo se acrescentam.
A argumentação dele em parte era verdade: a organização da vida de todos os dias, ainda hoje, em Portugal, é função da posse de um automóvel, sem o qual atender em tempo compromissos diversos é inviável. Felizmente, no país onde agora vive, o carro é não só quotidianamente dispensável, como o seu uso dissuadido, e ele quando precisa, aluga um. Entre nós, eu que tomei a opção de viver sem carro próprio, vejo como todos os dias isso torna a vida difícil.
Esta divagação procura ilustrar onde reside grande parte do problema das alterações climáticas que nos atinge e assusta, ou seja: na organização social, e em nós.
A ambição de ter dinheiro para possuir o que gostaríamos, móbil generalizado do viver, é o assunto do poema Me lo decía mi abuelito, em tempos cantado por Paco Ibañez(1934), que prometi antes e a seguir transcrevo. Dá ele conta como essa ambição nos chega desde a mais tenra idade na educação em casa, estimulando o passar por cima dos outros a qualquer preço para o conseguir, e simultaneamente, como essa ideia inculcada pode ser contrariada e esquecida pela vontade individual. Exista ela.
Escrito à época como acerba crítica ao egoísmo individual por oposição a um pensamento que incluísse os outros, nas condições precisas dos nossos dias ganha uma acutilância de actualidade para além da componente ideológica original.
[Me lo decía mi abuelito]
Me lo decía mi abuelito,
me lo decía mi papá,
me lo dijeron muchas veces
y lo olvidaba muchas más.
Trabaja niño no te pienses
que sin dinero vivirás.
Junta el esfuerzo y el ahorro
ábrete paso, ya verás,
como la vida te depara
buenos momentos. Te alzarás
sobre los pobres y mezquinos
que no han sabido descollar.
Me lo decía mi abuelito
me lo decía mi papá
me lo dijeron muchas veces
y lo olvidaba muchas más.
La vida es lucha despiadada
nadie te ayuda, así, no más,
y si tú solo no adelantas,
te irán dejando, atrás, atrás.
¡Anda muchacho y dale duro!
La tierra toda, el sol y el mar,
son para aquellos que han sabido
sentarse sobre los demás.
Me lo decía mi abuelito
me lo decía mi papá
me lo dijeron muchas veces
y lo he olvidado siempre más.
Embora suponha que o original é inteligível para a generalidade dos leitores do blog, a seguir deixo uma minha tradução do poema, à qual falta claramente a musicalidade do original, e por isso não me satisfaz.
[Dizia-me o meu avôzinho]
Dizia-me o meu avôzinho,
dizia-me o meu papá,
disseram-me muitas vezes
e eu esquecia muitas mais.
Trabalha menino, tu não penses
que sem dinheiro viverás.
Junta o esforço ao aforro
abre caminho, já verás
como na vida bons tempos
alcançarás. Subirás sobre
pobres e mesquinhos
que ficaram para trás.
Dizia-me o meu avôzinho
dizia-me o meu papá,
disseram-me muitas vezes
e eu esquecia muitas mais.
A vida é luta cruel
ninguém te vai ajudar,
e se por ti não avanças
deixar-te-ão para trás.
Anda rapaz, dá-lhe duro!
A terra inteira, o sol e o mar
são para aqueles que souberam
sentar-se sobre os demais.
Dizia-me o meu avôzinho,
dizia-me o meu papá,
disseram-me muitas vezes
e eu esqueci sempre mais.
Tradução de Carlos Mendonça Lopes
Abre o artigo uma foto em Pequim numa das situações críticas de poluição atmosférica na cidade. A foto circulou na imprensa e não encontrei o nome do fotógrafo a quem a creditar.
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