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vicio da poesia

Category Archives: Poesia Espanhola

Oh doce noite! Oh cama venturosa!— Anónimo espanhol do siglo de oro

21 Sábado Nov 2020

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Vincent van Gogh

Uma boa cama é um auxiliar precioso para tornar memoráveis peripécias onde os jogos de prazer começam e o repouso final apetece. A cama venturosa, testemunha do gozo e da folia que o nosso autor de hoje descreve no soneto que a seguir o leitor encontra em tradução minha, poeta anónimo do siglo de oro (séc XVI/XVII) espanhol, terá talvez sido diferente da cama de Van Gogh representada a abrir. Enfim, se a ocasião surge, obstáculos destes podem sempre transpor-se com sucesso, qual seja uma cama menos confortável.

O soneto é um caso notável da adequação de uma linguagem sensível e intensa, a um assunto que noutros resvala frequentemente para o procaz.

Basta de conversa. Terminemos com a nossa já conhecida citação de Camões:

…

Melhor é experimentá-lo que julgá-lo*,

Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo.

…

Lusíadas Canto IX, estrofe 83

 

Soneto

Oh doce noite! Oh cama venturosa!

Testemunhas do gozo e da folia,

Dizei como vós vistes a porfia

Daquela dama doce e amorosa.

 

Como ela se mostrava rigorosa!

Como de minhas mãos ela fugia!

Como tantas injúrias me dizia,

Minha doce inimiga cautelosa!

 

Porém, como depois me regalava,

Cerrando-me nos braços amorosos,

E abrindo aquelas pernas delicadas!

 

Como suave ela se meneava! 

Que beijos ela dava, e saborosos!

Oh as palavras! tão açucaradas!

 

Tradução de Carlos Mendonça Lopes

 

Soneto original

¡Oh dulce noche! ¡Oh cama venturosa!

Testigos del deleite y gloria mía,

decid qué os pareció de la porfía

de aquella dama dulce y amorosa.

 

¡Cómo se me mostraba rigurosa!

¡Cómo dentre mis manos se salía!

¡Cómo dos mil injurias me decía,

la dulce mi enemiga cautelosa!

 

Pero ¡Como después me regalaba,

cogiéndome en sus brazos amorosos

y abriendo aquellas piernas delicadas!

 

¡Con qué süavidad se meneaba!

¡Qué besos que me daba tan sabrosos!

¡Y qué palabras tan azucaradas!

 

* O verbo julgar tem aqui o significado de supor, pensar, imaginar. Cf. Dicionário de Morais.

O soneto existe transcrito em diferentes compilações com pequenas variações num ou outro verso.

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Vincent van Gogh (1853-1890), Quarto em Arles, da colecção do museu Van Gogh, Amsterdão.

 

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Um poema de Salvador Espriu

19 Quinta-feira Nov 2020

Posted by viciodapoesia in Poesia Espanhola

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Salvador Espriu

Se na leitura imediata do poema de Salvador Espriu (1913-1985) que hoje transcrevo, podemos ler a actualidade de Espanha ao tempo do franquismo, quando as autonomias não eram reconhecidas e atentados e repressão eram parte do quotidiano, o poema permanece de leitura universal e intemporal no seu apelo à concórdia e ao diálogo na solução das divergências políticas que permanentemente atravessam os povos. 



Poema XLVI do livro La Pell de Brau, A Pele de Touro em português

 

Por vezes é forçoso e necessário 

que um homem morra por um povo,

mas nunca um povo inteiro há-de morrer

por um só homem:

recorda sempre isto Sepharad.

Faz que sejam seguras as pontes de diálogo

e procura compreender e estimar

a razão e as falas diversas de teus filhos.

Que lentamente nas sementeiras caia a chuva

e o ar passe qual mão estendida,

benigna e suave sobre os vastos campos.

Que Sepharad viva eternamente

na ordem, na paz e no trabalho,

na difícil e merecida 

liberdade.

 

Tradução de José Bento

in Poemas do Último Século antes do Homem, Antologia, Editorial Inova/o ouro do dia, Porto, 1979.

O poema foi também traduzido por Manuel de Seabra no livro Salvador Espriu, A Pele de Touro, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1975, com diferenças mínimas, mas suficientes para me decidir pela tradução de José Bento.

 

Uma última nota, talvez desnecessária: Sepharad, referida no poema, era a designação dada pelos judeus à Península Ibérica antes da sua expulsão pelos Reis Católicos de Espanha no século XV, e a seguir pelo rei D. Manuel I de Portugal como condição do seu casamento com uma princesa espanhola, daí o serem conhecidos como judeus sefarditas.



Abre o artigo a imagem de um mapa publicado em 1492 representando a Terra como supostamente seria de acordo com Ptolomeu. O mapa pertence à Hain Collection, Library of Congress Geography and Map Division.





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Não lamentes, ó Nise, o teu estado — soneto de Bocage ou tradução do castelhano?

24 Sábado Out 2020

Posted by viciodapoesia in Poesia Espanhola, Poesia Portuguesa antiga

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Antoine Watteau, Bocage, Tomás de Iriarte

Hoje trago um desafio aos estudiosos da obra de Bocage (1765-1805) com uma questão de autoria de um dos seus sonetos burlescos. Trata-se do soneto cujo primeiro verso é “Não lamentes, ó Nise, o teu estado” publicado por Inocêncio na primeira edição das Poesias Eróticas Burlescas e Satíricas com o nº6. Refere o editor em nota que o soneto, muito popular à época, embora tendo circulado sempre como de Bocage, o próprio nunca o reconheceu como seu e poderia, por isso, ser de João Vicente Pimentel Maldonado (1773-1838) e não de Bocage. O moderno editor destas poesias, Daniel Pires, diz taxativamente: “Julgamos tratar-se de um poema de Bocage.” em nota na sua edição, onde o soneto traz o nº23. Até aqui tudo bem.

Acontece que lendo eu poesias burlescas e satíricas em castelhano deparei com um soneto atribuído a Tomás de Iriarte (1750-1791), cujo primeiro verso é “No te quejes, ¡oh, Nise!, de tu estado”. Não só o primeiro verso em português e castelhano é idêntico, como o desenvolvimento dos sonetos é o mesmo com as adaptações de rima e métrica necessárias em cada língua, como o leitor pode constatar pelas transcrições respectivas a seguir.

A atribuição a Tomás de Iriarte sendo mais frequente, não é unânime, e diferentes edições de poesias burlescas castelhanas o dão ora como anónimo (ex. no “Álbum de Príapo (1820)), ou como de Francisco de Quevedo (1580-1645), ou ainda de Felix Maria de Samaniego (1745-1801). Sendo incerta a autoria de Iriarte, os modernos editores espanhóis da colecção escolhida por Barbadillo (ver nota bibliográfica) consideram como provável ser o soneto do séc. XVII. Tanta autoria atribuída em Espanha, e constando o soneto das mais variadas antologias antigas compiladas a partir de manuscritos os mais diversos, pode concluir-se da extrema popularidade do soneto em Espanha.

Como Bocage teria 26 anos em 1791 quando Iriarte morreu, para não falar em Pimentel Maldonado que teria 18 anos, parece-me difícil que Bocage tivesse escrito o soneto antes e este fosse tão popular que Iriarte ou outro em Espanha o tivesse traduzido e o fizesse circular como seu. Fica assim a única possibilidade plausível de o soneto ser um original castelhano e alguém em Portugal, Bocage ou outro, tentou a tradução e a fez circular eventualmente como original. Comparando os dois sonetos encontra-se uma elegância no soneto em castelhano que em português desaparece substituída por alguma grosseria.

Eis os sonetos:

 

 

Soneto atribuído a Bocage/Pimentel Maldonado

 

Não lamentes, ó Nise, o teu estado; 

Puta tem sido muita gente boa,

Putissimas fidalgas tem Lisboa, 

Milhões de vezes putas têm reinado:

 

Dido foi puta, e puta dum soldado; 

Cleopatra por puta alcança a c’roa; 

Tu, Lucrecia, com toda a tua proa, 

O teu cono não passa por honrado;

 

Essa da Rússia imperatriz famosa,

Que inda há pouco morreu (diz a Gazeta)

Entre mil porras expirou vaidosa.

 

Todas no mundo dão a sua greta: 

Não fiques pois, ó Nize, duvidosa 

Que isto de virgo e honra é tudo peta.

 

 

 

Soneto de Tomás de Iriarte (?)

 

 

Extención y fama del oficio de puta

 

No te quejes, ¡oh, Nise!, de tu estado

aunque te llamen puta a boca llena,

que puta ha sido mucha gente buena

y millones de putas han reinado.

 

Dido fue puta de un audaz soldado

y Cleopatra a ser puta se condena

y el nombre de Lucrecia, que resuena,

no es tan honesto como se ha pensado;

 

esa de Rusia emperatriz famosa

que fue de los virotes centinela,

entre más de dos mil murió orgullosa;

 

y, pues todas lo dan tan sin cautela,

haz tú lo mismo, Nise vergonzosa;

que aquesto de honra y virgo es bagatela.

 

 

Nota bibliográfica

Bocage, Obra Completa, vol VII, edição de Daniel Pires, Caixotim Edições, 2004.

Bocage, Poesias Eróticas, Burlescas e Satíricas, Bruxellas, MDCCCLXL.

Barbadilho, Joaquín López, Cancionero de Amor y de Risa, Ediciones Espuela de Plata, Sevilla, 2007.

 

 

Abre o artigo a imagem de um detalhe de uma pintura de Antoine Watteau (1684-1721), Uma mulher caprichosa (1718), pertença da colecção do museu Hermitage de São Petersburgo.




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Francisco Brines … e o ruído do mundo seja só o ruído do prazer

24 Segunda-feira Ago 2020

Posted by viciodapoesia in Poesia Espanhola

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Francisco Brines, Vincent Arcilesi

No poema de Francisco Brines (1932) que hoje trago ao blog em tradução minha, faz-se o elogio do sexo ocasional:

…

Com um obscuro corpo,

de quem nada conheço

senão a juventude.

 

 

Não será da solidão acompanhada de um casal onde o desejo se esfumou, descrita em tantos poemas trazidos ao blog, que fala este poema, Canção dos corpos. É antes da solidão do desprendimento afectivo e da entrega ao prazer lúdico entre desconhecidos que se faz o elogio:

 

A cama está feita,

brancos os lençóis,

e um corpo se me oferece

para o amor.

…

 

 

Neste universo o sentimento não conta, e a felicidade tem a dimensão do efémero, desejavelmente repetivel:

…

Que não há felicidade

tão repetida e plena

como passar a noite,

romper a madrugada,

com um ardente corpo.

…

 

 

Nas variedades que o amor reveste ao longo da vida de cada um, o seu entendimento aqui descrito também cabe. Mas lá vem a hora em que a afectividade reclama os seus direitos. E deles nos falam outros poemas. Por agora eis o poema em tradução:

 

 

Canção dos corpos

A cama está feita,

brancos os lençóis,

e um corpo se me oferece

para o amor.

Abramos a janela,

entrem calor e noite,

e o ruído do mundo

seja só o ruído

do prazer.

Que não há felicidade

tão repetida e plena

como passar a noite,

romper a madrugada,

com um ardente corpo.

Com um obscuro corpo,

de quem nada conheço

senão a juventude.

 

Tradução de Carlos Mendonça Lopes a partir do original publicado em Ensayo de una Despedida, Poesía Completa (1960-1997), Tusquets Editores, Barcelona, 1997.

 

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Vincent Arcilesi (1932), Vincent estúdio Wendy de 1967.  A pintura pertence à colecção do Hirshhorn Museum and Sculpture Garden, em Washington, e actualmente parte da Smithsonian Institution.

 

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Um soneto de Francisco Villaespesa

29 Domingo Dez 2019

Posted by viciodapoesia in Poesia Espanhola

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Francisco Villaespesa, Tom Wesselmann

Como bem lembra algures Octávio Paz (1914-1998), o erotismo não é uma simples imitação da sexualidade, é a sua metáfora, ou como noutra ocasdião referiu Georges Bataille (1897-1962), o erotismo humano é da esfera da espiritualidade.

As consideraçõs de tais autoridades literárias são o intróito a um poema de Francisco Villaespesa (1877-1936) que a seguir transcrevo, seguido de uma minha tradução:

La sabia mano a cuyo tacto ardiente
vibra la carne como un instrumento,
prolongó la agonía del momento
en una languidez intermitente…

Oh, el cálido contacto de tu frente!
Oh, tu dorso desnudo y opulento
echado sobre mí, como un sediento
sobre lá superfície de una fuente!

Mis besos perfumaron el vacío
de un húmedo y mortal escalofrío…
Y bajo tu melena estremecida

en un áureo manojo de serpientes,
sentí sangrar y sucumbir mi vida,
entre el canibalismo de tus dientes!

Para quem não seja fluente em castelhano segue uma tradução aproximada do soneto.

A sábia mão a cujo tacto ardente
Estremece a carne como um instrumento
Prolongou a agonia do momento
Em uma languidez intermitente…

Oh, cálido contacto da tua frente!
Oh, o teu dorso nu e opulento!
Deitado sobre mim, qual um sedento
Avidamente bebe de uma fonte!

Meus beijos perfumaram o vazio,
Húmida morte suou em calafrio…
E sob a tua melena estremecida

Num glorioso abraço de serpentes
Senti sangrar e sucumbir a vida,
Entre o canibalismo dos teus dentes!

Tradução de Carlos Mendonça Lopes

Conhecemos mal em Portugal a poesia erótica espanhola e hispano-americana, que é muita e de elevada qualidade média. Poetas há em que a tensão erótica perpassa toda a obra, e estou a lembrar-me de Octávio Paz, Luis de Góngora, Ruben Darío, Lorca, Vicente Aleixandre, isto para referir apenas os mais conhecidos entre nós.

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Tom Wesselmann (1931-2004), Great American Nude 59 (1965).

 

Nota final

O poema, a tradução, e uma primeira versão do artigo foram publicados no blog em Agosto de 2011.

 

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Me lo decía mi abuelito — poema de José Agustín Goytisolo

26 Quinta-feira Set 2019

Posted by viciodapoesia in Poesia Espanhola

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José Agustín Goytisolo

A humanidade não passa sem ar, sem água e sem dinheiro.

No nosso tempo, à medida que a busca pelo dinheiro não abranda, o ar respirável e a água que precisamos para viver estão a ficar cada vez mais escassos.

Se a ênfase de quem mais consciência tem da premência do problema é posta na necessidade de alteração nos padrões de consumo de cada um, há um modelo de crescimento económico baseado no aumento do consumo individual para o qual ter sempre mais dinheiro é indispensável, o que nos leva ao assunto do poema de José Agustín Goytisolo (1928-1999), Me lo decía mi abuelito, que no final transcrevo. 

Este consumo desenfreado, exponenciado pela barata produção industrial chinesa dos últimos anos, de baixa qualidade e curta vida, é fonte de poluição desmedida, e encaixou na perfeição no modelo de crescimento baseado no aumento constante do consumo das sociedades ocidentais que todo o mundo procura, levando ao enriquecimento efectivo de alguns na sociedade chinesa.

Acontece que ter mais dinheiro sem ar ou sem água de pouco servirá.

Recordo-me de, no início do século, numa conversa com um jovem à beira dos 18 anos, este tentar convencer-me da indispensabilidade para ele de ter um automóvel. Procurei convencê-lo a adiar o desejo do carro dizendo-lhe simbolicamente o óbvio à época, e que hoje, embora sem ainda lá termos chegado, é verdadeiramente trágico: o mundo não aguenta um carro por cada chinês ou dizendo de outra maneira, o mundo não aguenta mais poluição automóvel, a que todas as outras do consumo supérfluo se acrescentam.

A argumentação dele em parte era verdade: a organização da vida de todos os dias, ainda hoje, em Portugal, é função da posse de um automóvel, sem o qual atender em tempo compromissos diversos é inviável. Felizmente, no país onde agora vive, o carro é não só quotidianamente dispensável, como o seu uso dissuadido, e ele quando precisa, aluga um. Entre nós, eu que tomei a opção de viver sem carro próprio, vejo como todos os dias isso torna a vida difícil.

Esta divagação procura ilustrar onde reside grande parte do problema das alterações climáticas que nos atinge e assusta, ou seja: na organização social, e em nós.

A ambição de ter dinheiro para possuir o que gostaríamos, móbil generalizado do viver, é o assunto do poema Me lo decía mi abuelito, em tempos cantado por Paco Ibañez(1934), que prometi antes e a seguir transcrevo. Dá ele conta como essa ambição nos chega desde a mais tenra idade na educação em casa, estimulando o passar por cima dos outros a qualquer preço para o conseguir, e simultaneamente, como essa ideia inculcada pode ser contrariada e esquecida pela vontade individual. Exista ela.  

Escrito à época como acerba crítica ao egoísmo individual por oposição a um pensamento que incluísse os outros, nas condições precisas dos nossos dias ganha uma acutilância de actualidade para além da componente ideológica original.

 

[Me lo decía mi abuelito]

 

Me lo decía mi abuelito,

me lo decía mi papá,

me lo dijeron muchas veces

y lo olvidaba muchas más.

 

Trabaja niño no te pienses

que sin dinero vivirás.

Junta el esfuerzo y el ahorro

ábrete paso, ya verás,

como la vida te depara

buenos momentos. Te alzarás

sobre los pobres y mezquinos

que no han sabido descollar.

 Me lo decía mi abuelito

me lo decía mi papá

me lo dijeron muchas veces

y lo olvidaba muchas más.

 

La vida es lucha despiadada

nadie te ayuda, así, no más,

y si tú solo no adelantas,

te irán dejando, atrás, atrás.

¡Anda muchacho y dale duro!

La tierra toda, el sol y el mar,

son para aquellos que han sabido

sentarse sobre los demás.

Me lo decía mi abuelito

me lo decía mi papá

me lo dijeron muchas veces

y lo he olvidado siempre más.

 

 

Embora suponha que o original é inteligível para a generalidade dos leitores do blog, a seguir deixo uma minha tradução do poema, à qual falta claramente a musicalidade do original, e por isso não me satisfaz.

 

 

[Dizia-me o meu avôzinho]

 

Dizia-me o meu avôzinho,

dizia-me o meu papá,

disseram-me muitas vezes

e eu esquecia muitas mais.

 

Trabalha menino, tu não penses 

que sem dinheiro viverás.

Junta o esforço ao aforro

abre caminho, já verás

como na vida bons tempos 

alcançarás. Subirás sobre

pobres e mesquinhos

que ficaram para trás.

Dizia-me o meu avôzinho

dizia-me o meu papá,

disseram-me muitas vezes

e eu esquecia muitas mais.

 

A vida é luta cruel

ninguém te vai ajudar,

e se por ti não avanças

deixar-te-ão para trás.

Anda rapaz, dá-lhe duro!

A terra inteira, o sol e o mar

são para aqueles que souberam

sentar-se sobre os demais.

Dizia-me o meu avôzinho,

dizia-me o meu papá,

disseram-me muitas vezes

e eu esqueci sempre mais.

 

Tradução de Carlos Mendonça Lopes

Abre o artigo uma foto em Pequim numa das situações críticas de poluição atmosférica na cidade. A foto circulou na imprensa e não encontrei o nome do fotógrafo a quem a creditar.

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Prova — poema de Ángel González

17 Quarta-feira Abr 2019

Posted by viciodapoesia in Poesia Espanhola

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Angél Gonzalez

Dúplice e irónico, o poema Prova de Ángel González (1925-2008), traz uma prova da existência de Deus na perfeição do funcionamento físico da sua criatura, O Homem:

…
Isto é alguma coisa
repito
se se tem
em conta
essa admirável prova da existência de Deus
constituída
pelo perfeito funcionamento dos meus centros nervosos
que transmitem as ordens que o meu cérebro emite
às margens longínquas das minhas extremidades.
…

 

Depois, a evidência de que esse perfeito funcionamento tanto serve para fazer o bem como para fazer o mal,
…
Mão coça-me a cabeça!
Mão, aproxima
essa cadeira. Desaperta
o soutien a essa miúda
— e tu, a outra, não fiques quieta.
Apanha
todo o dinheiro, mão:
incendeia, mata.
…

 

O que lhe permite concluir em dedução à maneira da matemática, com esta fórmula lapidar:
…
Portanto,
prova-se uma vez mais,
como eu dizia,
a ordem natural e pré-existente,
a formosura harmónica das coisas.

 

De novo, e uma vez mais, sem respostas definitivas, continuamos a busca inacabada da razão porque existimos.

 

 

Prova

De todos os modos, tenho ainda
este papel,
a caneta,
e a mão direita que a aperta,
e o braço que liga ao meu corpo
para que não fique
— tão distante e longínqua —
como um objeto solto e estranho
— cinco dedos movendo-se,
marchando
pelo solo,
tal como um sujo
animal acossado pela vassoura…

Isto é alguma coisa
repito
se se tem
em conta
essa admirável prova da existência de Deus
constituída
pelo perfeito funcionamento dos meus centros nervosos
que transmitem as ordens que o meu cérebro emite
às margens longínquas das minhas extremidades.

Penso:
           a tarde morre,
e minha mão escreve:
                                     a tarde
morre.
           Ergo Deus existe.

Como é fácil agora,
integrar-se num mundo ordenado e perfeito,
quando se dispõe de uma mão tão perfeita e valiosa,
tão matéria de prova,
tão corpo de delito.

Mão coça-me a cabeça!
Mão, aproxima
essa cadeira. Desaperta
o soutien a essa miúda
— e tu, a outra, não fiques quieta.
Apanha
todo o dinheiro, mão:
incendeia, mata.

Portanto,
prova-se uma vez mais,
como eu dizia,
a ordem natural e pré-existente,
a formosura harmónica das coisas.

Tradução de Egito Gonçalves.

O poema original, Prueba, foi publicado no livro Grado Elemental, 1962.
Transcrevo a tradução de Poesia Espanhola do Após-Guerra, Portugália Editora, s/d.

 

 

Abre o artigo a imagem ligeiramente enquadrada de uma pintura de Georg Baselitz (1938), A mão de Deus (Remix) de 2006.

 

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Karmelo C. Iribarren — Com certeza que esta história te soa

22 Sábado Out 2016

Posted by viciodapoesia in Poesia Espanhola

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Karmelo C. Iribarren

sigmar-polke-1941-2010-par-amoroso-ii-1965-450pxDe um poeta raro, Karmelo C. Iribarren (1959), traduzo hoje alguns poemas.
Poesia em que as palavras cheiram e sabem ao gosto tantas vezes amargo da vida, possa eu ao traduzir ter dado uma aproximação em português.

 

 

 

Que estranha  [Qué rara]

Que estranha
soa
a estas idades
a palavra
amor.
Dize-la,
e não sabes
se te enganas
a ti mesmo,
ou a ela,
ou ele
aos dois.

 

 

 

Ultimamente  [Últimamente]

Os dias vêm
e vão
e isso é tudo o que fazem

como páginas de uma novela
que esqueces
ao passar
à seguinte

ou como quando vás
no comboio
olhando pela janela
e apenas te interessa
a paisagem.

 

 

 

Amor  [Amor]

Apenas
quatro letras.

E cabe tanto dentro.

E dói tanto
quando te deixam
fora.

 

 

 

O verão aos 40  [El verano a los 40]

É como estar
a dieta
num bom restaurante;
uma tortura.

      Chega
e de repente
de todo o lado
surgem
coisas
e mais coisas apetitosas
que nunca
irás comer.

 

 

 

Vencido  [Vencido]

Vencido, uma vez mais. Pelo amor,
o ódio, ou pela vida
que não faz concessões
nem dá tréguas. Aqui,
na esquina de um século
tão inútil como o foram
todos. E também
tão sanguinário. Fumando
um cigarro. Indiferente. Vendo
como a gente se destroça,
e sem sentir nada especial.

 

 

 

O que perdura  [Lo que perdura]

Das cidades que visito
sempre trago comigo
alguma coisa:
    praças ao cair da tarde, o pulsar
de uma avenida à hora de ponta,
um bar diferente,
uma livraria
                  e
(isto nunca me esquece)
                                      os olhos,
os olhares fugazes
de uma mulher
desconhecida:
                      misteriosos
rescaldos que perduram
entre as cinzas
de tudo o resto.

Traduções a partir do castelhano por Carlos Mendonça Lopes

 

 

Os poemas foram traduzidos do livro Seguro que esta historia te suena, Poesía completa (1985-2012), publicado pela editora Renascimento de Sevilha na sua colecção Calle del Aire.

 

 

 

Abre o artigo a imagem de uma pintur de Sigmar Polke (1941-2010), Par amoroso II de 1965.

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