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Não lamentes, ó Nise, o teu estado — soneto de Bocage ou tradução do castelhano?

24 Sábado Out 2020

Posted by viciodapoesia in Poesia Espanhola, Poesia Portuguesa antiga

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Antoine Watteau, Bocage, Tomás de Iriarte

Hoje trago um desafio aos estudiosos da obra de Bocage (1765-1805) com uma questão de autoria de um dos seus sonetos burlescos. Trata-se do soneto cujo primeiro verso é “Não lamentes, ó Nise, o teu estado” publicado por Inocêncio na primeira edição das Poesias Eróticas Burlescas e Satíricas com o nº6. Refere o editor em nota que o soneto, muito popular à época, embora tendo circulado sempre como de Bocage, o próprio nunca o reconheceu como seu e poderia, por isso, ser de João Vicente Pimentel Maldonado (1773-1838) e não de Bocage. O moderno editor destas poesias, Daniel Pires, diz taxativamente: “Julgamos tratar-se de um poema de Bocage.” em nota na sua edição, onde o soneto traz o nº23. Até aqui tudo bem.

Acontece que lendo eu poesias burlescas e satíricas em castelhano deparei com um soneto atribuído a Tomás de Iriarte (1750-1791), cujo primeiro verso é “No te quejes, ¡oh, Nise!, de tu estado”. Não só o primeiro verso em português e castelhano é idêntico, como o desenvolvimento dos sonetos é o mesmo com as adaptações de rima e métrica necessárias em cada língua, como o leitor pode constatar pelas transcrições respectivas a seguir.

A atribuição a Tomás de Iriarte sendo mais frequente, não é unânime, e diferentes edições de poesias burlescas castelhanas o dão ora como anónimo (ex. no “Álbum de Príapo (1820)), ou como de Francisco de Quevedo (1580-1645), ou ainda de Felix Maria de Samaniego (1745-1801). Sendo incerta a autoria de Iriarte, os modernos editores espanhóis da colecção escolhida por Barbadillo (ver nota bibliográfica) consideram como provável ser o soneto do séc. XVII. Tanta autoria atribuída em Espanha, e constando o soneto das mais variadas antologias antigas compiladas a partir de manuscritos os mais diversos, pode concluir-se da extrema popularidade do soneto em Espanha.

Como Bocage teria 26 anos em 1791 quando Iriarte morreu, para não falar em Pimentel Maldonado que teria 18 anos, parece-me difícil que Bocage tivesse escrito o soneto antes e este fosse tão popular que Iriarte ou outro em Espanha o tivesse traduzido e o fizesse circular como seu. Fica assim a única possibilidade plausível de o soneto ser um original castelhano e alguém em Portugal, Bocage ou outro, tentou a tradução e a fez circular eventualmente como original. Comparando os dois sonetos encontra-se uma elegância no soneto em castelhano que em português desaparece substituída por alguma grosseria.

Eis os sonetos:

 

 

Soneto atribuído a Bocage/Pimentel Maldonado

 

Não lamentes, ó Nise, o teu estado; 

Puta tem sido muita gente boa,

Putissimas fidalgas tem Lisboa, 

Milhões de vezes putas têm reinado:

 

Dido foi puta, e puta dum soldado; 

Cleopatra por puta alcança a c’roa; 

Tu, Lucrecia, com toda a tua proa, 

O teu cono não passa por honrado;

 

Essa da Rússia imperatriz famosa,

Que inda há pouco morreu (diz a Gazeta)

Entre mil porras expirou vaidosa.

 

Todas no mundo dão a sua greta: 

Não fiques pois, ó Nize, duvidosa 

Que isto de virgo e honra é tudo peta.

 

 

 

Soneto de Tomás de Iriarte (?)

 

 

Extención y fama del oficio de puta

 

No te quejes, ¡oh, Nise!, de tu estado

aunque te llamen puta a boca llena,

que puta ha sido mucha gente buena

y millones de putas han reinado.

 

Dido fue puta de un audaz soldado

y Cleopatra a ser puta se condena

y el nombre de Lucrecia, que resuena,

no es tan honesto como se ha pensado;

 

esa de Rusia emperatriz famosa

que fue de los virotes centinela,

entre más de dos mil murió orgullosa;

 

y, pues todas lo dan tan sin cautela,

haz tú lo mismo, Nise vergonzosa;

que aquesto de honra y virgo es bagatela.

 

 

Nota bibliográfica

Bocage, Obra Completa, vol VII, edição de Daniel Pires, Caixotim Edições, 2004.

Bocage, Poesias Eróticas, Burlescas e Satíricas, Bruxellas, MDCCCLXL.

Barbadilho, Joaquín López, Cancionero de Amor y de Risa, Ediciones Espuela de Plata, Sevilla, 2007.

 

 

Abre o artigo a imagem de um detalhe de uma pintura de Antoine Watteau (1684-1721), Uma mulher caprichosa (1718), pertença da colecção do museu Hermitage de São Petersburgo.




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Soneto de Tomás de Iriarte

28 Sábado Abr 2012

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Tomás de Iriarte

Com este soneto, Tomás de Iriarte (1750-1791) leva-nos, com o não dito pela fala da narradora, dos preliminares à consumação do acto sexual, evidenciando uma mestria absoluta na técnica de contrução do poema, fazendo-nos percorrer, ao acompanhar a narração, o conjunto das emoções, receios, preconceitos e entrega ao prazer, vividos pela protagonista. Apenas uma palavra aqui, uma exclamação acolá, uma reticência, e o ambiente está criado. De Mestre!

Señor don Juan, quedito, que me enfado:

besar la mano es mucho atrevimiento;

abrazarme… don Juan, no lo consiento.

Cosquillas… ay Juanito… ¿y el pecado?

 

Qué malos son los ombres… mas, cuidado,

que me parece, Juan, que pasos siento…

no es nadie…, despachemos un momento.

¡Ay, qué placer… tan dulce y regalado!

 

Jesús, qué loca soy, quién lo creyera

que con un hombre yo… siendo cristiana

mas… que… de puro gusto… ¡ay… alma mia!

 

Ay, qué vergüenza, vete… ¿aún tienes gana?

Pues quando tú lo pruebes otra vez…

pero, Juanito, ¿volverás mañana?

 

E agora a tradução portuguesa de José Paulo Paes:

Senhor D. João, quietinho, que me enfado:

beijar a mão é muito atrevimento;

abraçar-me… isso não, que me apoquento.

Cosquinhas… ai Joãozinho… e o pecado?

 

Como são maus os homens… mas cuidado

que me parece ouvir passos lá dentro…

não é ninguém… apressa o teu momento.

Ai que prazer… tão doce e regalado!

 

Jesus, sou uma louca, quem diria

que com um homem eu… sendo cristã

mas… que… de puro gozo… ai! vida minha!

 

Quanta vergonha… Vai-te… Queres mais?

O que tivestes não te satisfaz?

Oh meu Joãozinho, voltas amanhã?

Noticia bibliográfica

A tradução e o poema original encontram-se publicados em Poesia Erótica em tradução, com selecção, tradução, introdução e notas de José Paulo Paes, numa edição Companhia Das Letras, 1990.

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