Etiquetas

,

No poema de Francisco Brines (1932) que hoje trago ao blog em tradução minha, faz-se o elogio do sexo ocasional:

Com um obscuro corpo,

de quem nada conheço

senão a juventude.

 

 

Não será da solidão acompanhada de um casal onde o desejo se esfumou, descrita em tantos poemas trazidos ao blog, que fala este poema, Canção dos corpos. É antes da solidão do desprendimento afectivo e da entrega ao prazer lúdico entre desconhecidos que se faz o elogio:

 

A cama está feita,

brancos os lençóis,

e um corpo se me oferece

para o amor.

 

 

Neste universo o sentimento não conta, e a felicidade tem a dimensão do efémero, desejavelmente repetivel:

Que não há felicidade

tão repetida e plena

como passar a noite,

romper a madrugada,

com um ardente corpo.

 

 

Nas variedades que o amor reveste ao longo da vida de cada um, o seu entendimento aqui descrito também cabe. Mas lá vem a hora em que a afectividade reclama os seus direitos. E deles nos falam outros poemas. Por agora eis o poema em tradução:

 

 

Canção dos corpos

A cama está feita,

brancos os lençóis,

e um corpo se me oferece

para o amor.

Abramos a janela,

entrem calor e noite,

e o ruído do mundo

seja só o ruído

do prazer.

Que não há felicidade

tão repetida e plena

como passar a noite,

romper a madrugada,

com um ardente corpo.

Com um obscuro corpo,

de quem nada conheço

senão a juventude.

 

Tradução de Carlos Mendonça Lopes a partir do original publicado em Ensayo de una Despedida, Poesía Completa (1960-1997), Tusquets Editores, Barcelona, 1997.

 

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Vincent Arcilesi (1932), Vincent estúdio Wendy de 1967.  A pintura pertence à colecção do Hirshhorn Museum and Sculpture Garden, em Washington, e actualmente parte da Smithsonian Institution.