• Autor
  • O Blog

vicio da poesia

Tag Archives: Francisco Brines

Francisco Brines … e o ruído do mundo seja só o ruído do prazer

24 Segunda-feira Ago 2020

Posted by viciodapoesia in Poesia Espanhola

≈ Deixe um comentário

Etiquetas

Francisco Brines, Vincent Arcilesi

No poema de Francisco Brines (1932) que hoje trago ao blog em tradução minha, faz-se o elogio do sexo ocasional:

…

Com um obscuro corpo,

de quem nada conheço

senão a juventude.

 

 

Não será da solidão acompanhada de um casal onde o desejo se esfumou, descrita em tantos poemas trazidos ao blog, que fala este poema, Canção dos corpos. É antes da solidão do desprendimento afectivo e da entrega ao prazer lúdico entre desconhecidos que se faz o elogio:

 

A cama está feita,

brancos os lençóis,

e um corpo se me oferece

para o amor.

…

 

 

Neste universo o sentimento não conta, e a felicidade tem a dimensão do efémero, desejavelmente repetivel:

…

Que não há felicidade

tão repetida e plena

como passar a noite,

romper a madrugada,

com um ardente corpo.

…

 

 

Nas variedades que o amor reveste ao longo da vida de cada um, o seu entendimento aqui descrito também cabe. Mas lá vem a hora em que a afectividade reclama os seus direitos. E deles nos falam outros poemas. Por agora eis o poema em tradução:

 

 

Canção dos corpos

A cama está feita,

brancos os lençóis,

e um corpo se me oferece

para o amor.

Abramos a janela,

entrem calor e noite,

e o ruído do mundo

seja só o ruído

do prazer.

Que não há felicidade

tão repetida e plena

como passar a noite,

romper a madrugada,

com um ardente corpo.

Com um obscuro corpo,

de quem nada conheço

senão a juventude.

 

Tradução de Carlos Mendonça Lopes a partir do original publicado em Ensayo de una Despedida, Poesía Completa (1960-1997), Tusquets Editores, Barcelona, 1997.

 

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Vincent Arcilesi (1932), Vincent estúdio Wendy de 1967.  A pintura pertence à colecção do Hirshhorn Museum and Sculpture Garden, em Washington, e actualmente parte da Smithsonian Institution.

 

Partilhar:

  • Tweet
  • E-mail
  • Partilhar no Tumblr
  • WhatsApp
  • Pocket
  • Telegram

Gostar disto:

Gosto Carregando...

Francisco Brines — O mais formoso território

21 Terça-feira Jan 2014

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

≈ Deixe um comentário

Etiquetas

Francisco Brines

Simon Vouet - Venus adormecidaQuando confrontado com a ausência, cruzo, como agora, a memória com o mais formoso território, poeticamente descrito por Francisco Brines (1932):

 

Y porque estás ausente, eres hoy el deseo / de la tierra que falta al desterrado, / de la vida que el olvidado pierde, / y sólo por engaño la vida está en mi cuerpo, / pues yo sé que mi vida la sepulté en el tuyo.

 

O mais formoso território é para cada um de nós o corpo da mulher amada, fonte e consolo da mais intensa experiência do viver:

O intimidad de un tallo, y una rosa, en el seto, / en el posar cansado de un ocaso apagado.

Cantá-lo em variadas formas é apenas um acto de humilde homenagem.

 

Deixo-vos com o poema original antecedido da tradução de José Bento publicada em Ensaio de uma despedida, Antologia (1960-86), edição Assírio & Alvim, Lisboa, 1987.

 

O Mais Formoso Território

O cego desejo percorre com os dedos

as linhas venturosas que inebriam seu tacto,

e nada o apressa. O roçar faz-se lento

no vigor curvado de umas coxas

que encontram sua unidade em breve moita perfumada.

Ali, na escura luz dos mirtos,

enreda-se, palpitante, a asa de um gorrião,

o feliz corpo vivo.

Ou o íntimo de um caule e uma rosa, na sebe,

no pousar fatigado de um ocaso apagado.

 

Do estreito lugar da cintura,

reino de sesta e sono,

ou reduzido prado

de lábios delicados e dedos ardentes,

por igual, separadas, espreguiçam-se linhas

que afundam, graciosas, o vigor feliz da idade,

e deixam alto um peito, simétrico e escuro.

São duas sombras róseas esses mamilos breves

em vasto campo liso,

águas para beber ou fazê-las tremer.

E um fino canal sulca, para a sede benévola da língua,

um campo adormecido, e chega a um breve poço,

que é sorriso infantil,

breve dedal no ar.

 

Nessa rectidão de uns ombros potentes e sensíveis

ergue-se o pescoço altivo que serena,

ou o retraído pescoço a abrandar as carícias,

o tronco de onde brota um vivo fogo negro,

a cabeça: e no ar e perfumado,

sorri um enredado tufo de jasmins,

e o mundo faz-se noite porque habitam aquela

astros cheios e vastos, felizes e benéficos.

E brilham e nos fitam, e queremos morrer

ébrios de adolescência.

Há uma brisa negra que perfuma os cabelos.

 

Eu desci este torso,

a mais descansada de todas as descidas,

que, sendo longa e dura, é de marcha serena,

pois nos conduz ao lugar das delícias.

Na seda mais fresca e mais suave

a mão recreia-se,

neste espaço indizível, que se ergue tão diáfano,

a formosura caluniada, o sítio envilecido

por palavras soezes.

Leito infindável onde reparamos

a sede da beleza da forma,

que é sede apenas de um deus que nos sossegue.

Roço com minhas faces a própria pele do ar,

a dureza da água, que é frescura,

a solidez do mundo que me tenta.

 

Muito secretas, as ladeiras levam

ao lugar aceso da ventura.

Ali o fundo gozo que o viver fortalece,

a realidade magica que vence até o sonho,

experiência tão ébria

que um sábio deus a condena ao olvido.

Conhecemos então que tem morte somente

a queimada formosura da vida.

 

E porque estás ausente, és hoje o desejo

da terra que falta ao desterrado,

da vida que o olvidado perde,

e apenas por engano está a vida em meu corpo,

pois sei que a minha vida a sepultei no teu.

 

El más hermoso territorio

El ciego deseoso recorre con los dedos

las líneas venturosas que hacen feliz su tacto,

y nada le apresura. El roce se hace lento

en el vigor curvado de unos muslos

que encuentran su unidad en un breve sotillo perfumado.

Allí en la luz oscura de los mirtos

se enreda, palpitante, el ala de un gorrión,

el feliz cuerpo vivo.

O intimidad de un tallo, y una rosa, en el seto,

en el posar cansado de un ocaso apagado.

 

Del estrecho lugar de la cintura,

reino de siesta y sueño,

o reducido prado

de labios delicados y de dedos ardientes,

por igual, separadas, se desperezan líneas

que ahondan. muy gentiles, el vigor mas dichoso de la edad,

y un pecho dejan alto, simétrico y oscuro.

Son dos sombras rosadas esas tetillas breves

en vasto campo liso,

aguas para beber, o estremecerlas.

y un canalillo cruza, para la sed amiga de la lengua,

este dormido campo, y llega a un breve pozo,

que es infantil sonrisa,

breve dedal del aire.

 

En esa rectitud de unos hombros potentes y sensibles

se yergue el cuello altivo que serena,

o el recogido cuello que ablanda las caricias,

el tronco del que brota un vivo fuego negro,

la cabeza: y en aire, y perfumada,

una enredada zarza de jazmines sonríe,

y el mundo se hace noche porque habitan aquélla

astros crecidos y anchos, felices y benéficos.

Y brillan, y nos miran, y queremos morir

ebrios de adolescencia.

Hay una brisa negra que aroma los cabellos.

 

He bajado esta espalda,

que es el más descansado de todos los descensos,

y siendo larga y dura, es de ligera marcha,

pues nos lleva al lugar de las delicias.

En la más suave y fresca de las sedas

se recrea la mano,

este espacio indecible, que se alza tan diáfano,

la hermosa calumniada, el sitio envilecido

por el soez lenguaje.

Inacabable lecho en donde reparamos

la sed de la belleza de la forma,

que es sólo sed de un dios que nos sosiegue.

Rozo con mis mejillas la misma piel del aire,

la dureza del agua, que es frescura,

la solidez del mundo que me tienta.

 

Y, muy secretas, las laderas llevan

al lugar encendido de la dicha.

Allí el profundo goce que repara el vivir,

la maga realidad que vence al sueño,

experiencia tan ebria

que un sabio dios la condena al olvido.

Conocemos entonces que sólo tiene muerte

la quemada hermosura de la vida.

 

Y porque estás ausente, eres hoy el deseo

de la tierra que falta al desterrado,

de la vida que el olvidado pierde,

y sólo por engaño la vida está en mi cuerpo,

pues yo sé que mi vida la sepulté en el tuyo.

 

Publicado originalmente em “El otoño de las rosas” 1986 e transcrito de Ensayo de una Despedida Poesía Completa (1960-1997) Tusquets Editores, Barcelona, 1997.

Partilhar:

  • Tweet
  • E-mail
  • Partilhar no Tumblr
  • WhatsApp
  • Pocket
  • Telegram

Gostar disto:

Gosto Carregando...

Pensar no Futuro / Pensar o Futuro — O destino não é um lugar (Francisco Brines )

02 Segunda-feira Dez 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Crónicas, Poetas e Poemas

≈ Deixe um comentário

Etiquetas

Albrecht Dürer, Francisco Brines, Ludwig Wittgenstein

Dürer - Retrato de homem com 95 anos 1521

Gosto de pensar que este velho de 95 anos desenhado por Albrecht Dürer (1471-1528) em 1521 pensa no futuro, mais que na vida vivida. Do que viveu terá aprendido o que mais tarde lapidarmente Wittgenstein escreveu:

6.373.       O mundo é independente da minha vontade.

6.374.        Ainda que tudo o que desejamos acontecesse, isto seria apenas, por assim dizer uma graça dada pelo destino, uma vez que não existe uma conexão lógica entre a vontade e o mundo que a garantisse, e a suposta conexão física também não a poderíamos por sua vez desejar.

5.1361.     Não podemos inferir os acontecimentos futuros dos acontecimentos presentes.

A crença no nexo causal é a superstição.

5.1362.     O livre arbítrio consiste no facto de as acções futuras não poderem ser conhecidas no presente. Só poderíamos conhecê-las se a causalidade fosse uma necessidade interior, como a da inferência lógica. — A conexão entre o saber e o que se sabe é a conexão da necessidade lógica.

Ludwig Wittgenstein (1889-1951) in Tratado Lógico-Filosófico com tradução de M. S. Lourenço

Aceitando que as acções futuras não podem ser conhecidas, ainda assim sobra lugar para o sonho ou desejo. E por isso, do futuro, acreditando na existência de um além vida, pensará o nosso homem, quero crer, no que deseja: e aí talvez siga a ideia de Francisco Brines  (1932) no poema Projecto de Vida Eterna.

Projecto de Vida Eterna

E depois de acabar, voltar ao mundo

após uma curta eternidade, já sereno

voltar de novo ao mundo, a este que sei,

com uma repetida juventude, e junto a mim

seu corpo como fora em sua idade de ouro

perdida, e assim admitir que a vida é infindável

como não pôde ser (agora já eterna),

porque houve um adeus, e o tempo envelhecia

não o tempo, que em si é sempre eterno,

mas o que ele tocava: o mundo,

e aquele que, por sabê-lo, mais sofria.

 

E para o que lhe falta viver tentará certamente pensar o futuro tendo em conta quanto o destino não é um lugar, verdadeiro e belo título do poema com que hoje me despeço da poesia de Francisco Brines.

 

O Destino nao é um Lugar

 

O caminho foi longo e houve névoa.

Porém, houve o espaço. Mas agora

adensou-se a névoa até ao ponto

de ser o espaço o muro que já roço.

Nele me deterei e, ao voltar

os olhos para trás, a mesma névoa

far-me-á tentar de novo o mesmo muro,

e, se eu dirigir o olhar ao céu

para ali me salvar, a negra névoa

irá cegar-me os olhos, e assim será

isso a que chamaste sono eterno.

 

Traduções dos poemas por José Bento in A Ultima Ceia, edição Assírio & Alvim, Lisboa 1997.

 

Partilhar:

  • Tweet
  • E-mail
  • Partilhar no Tumblr
  • WhatsApp
  • Pocket
  • Telegram

Gostar disto:

Gosto Carregando...

Visitas ao Blog

  • 2.062.043 hits

Introduza o seu endereço de email para seguir este blog. Receberá notificação de novos artigos por email.

Junte-se a 874 outros subscritores

Página inicial

  • Ir para a Página Inicial

Posts + populares

  • A valsa — poema de Casimiro de Abreu
  • Horas breves do meu contentamento — soneto em diversas versões
  • Camões - reflexões poéticas sobre o desconcerto do mundo

Artigos Recentes

  • Sonetos atribuíveis ao Infante D. Luís
  • Oh doce noite! Oh cama venturosa!— Anónimo espanhol do siglo de oro
  • Um poema de Salvador Espriu

Arquivos

Categorias

Site no WordPress.com.

  • Seguir A seguir
    • vicio da poesia
    • Junte-se a 874 outros seguidores
    • Already have a WordPress.com account? Log in now.
    • vicio da poesia
    • Personalizar
    • Seguir A seguir
    • Registar
    • Iniciar sessão
    • Denunciar este conteúdo
    • Ver Site no Leitor
    • Manage subscriptions
    • Minimizar esta barra
 

A carregar comentários...
 

    %d bloggers gostam disto: