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vicio da poesia

Category Archives: Poesia Antiga

O silêncio, o desejo, e o prazer, com poemas de Paulo Silenciário

29 Quarta-feira Ago 2018

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga, Poesia Grega

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Lucas Cranach o Velho, Paulo Silenciário

Os prazeres da intimidade revestem para cada um as formas mais variadas, e nem sequer são sempre desejados nas mesmas condições. Na verdade, se no acto de amor há quem aprecie como adicional de excitação a manifestação audível dos caminhos do prazer, ocasiões haverá em que o silêncio é bem-vindo, se não mesmo indispensável. Aos leitores entrego o decifrar quando um ou outro apetece.

Em dois poemas que a seguir transcrevo, Paulo Silenciário (séc.VI) dá conta, primeiro do silêncio como escolha para sublimação do prazer na intimidade, e no segundo refere a necessidade do silêncio como resguardo de amores que não se querem públicos. Uma e outra situações em que se aceita com naturalidade que o silêncio intensifica o prazer.

 

O abraço silencioso

Tiremos, ó graciosa, as nossas vestes e, aproximando-nos, nus,
que os nossos corpos se enlacem.
Que nada exista entre nós, pois as tuas finas roupas
me parecem as muralhas de Semíramis.
Unamos os nossos peitos e os nossos lábios. Que tudo o mais
seja coberto pelo silêncio. Odeio a tagarelice.

 

O segredo

Ocultemos, Ródope, os nossos beijos
e os agradáveis e difíceis trabalhos de Cípris*.
É bom estar oculto e evitar o olhar
dos observadores que tudo perscrutam.
Os amores furtivos são mais saborosos
que os do conhecimento público.

* trabalhos de Cípris: trabalhos do amor

Traduções de Albano Martins
in Antologia da Poesia Grega Clássica, Edições Afrontamento, Porto, 2011.

 

Abre o artigo a imagem de um pormenor da pintura de Lucas Cranach, o Velho (1472-1553), Fonte da Juventude.

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O Infinito — poema de Leopardi

27 Segunda-feira Ago 2018

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Leopardi, William Baziotes

Invade-nos uma sensação estranha à leitura dos Cantos de Giacomo Leopardi (1798-1837). Há um sopro de vida nos gestos de quotidiano que são o assunto dos poemas, e neles surge o intemporal e o essencial da condição humana.

No poema L’Infinito de 1819, a meditação solitária envolvida pela natureza, a que com prazer nos entregamos, leva o pensamento umas vezes pelas interrogações existenciais, outras apenas pelo espanto da imutável natureza na sua indiferença às paixões humanas.

 

O Infinito

Cara me foi sempre esta erma colina
E esta sebe, que por diversos lados
O extremo do horizonte veda ao meu olhar.
Mas, sentado e olhando, intermináveis
Espaços para além dela, e sobrehumanos
Silêncios, e sossego profundíssimo
No pensamento imagino; então por pouco
O coração se não sobressalta. E, quando o vento
Nas folhas ouço sussurrar, aquele
Infinito silêncio a esta voz
Vou comparando: e lembro-me do eterno,
E das mortas estações, e da que agora passa
E vive, do seu rumor. Assim no meio
Desta imensidade o pensamento se me afoga:
E naufragar me é doce neste mar.

Tradução de Albano Martins
in Giacomo Leopardi, Cantos, Apresentação, seleção, tradução e notas de Albano Martins,  Vega, Gabinete de Edições, Lisboa, s/d.

O Infinito

Sempre cara me foi esta erma altura
Com esta sebe que por tanta parte
Do último horizonte a visão exclui.
Sentado aqui, e olhando, intermináveis
Espaços para além, e sobrehumanos
Silêncios, e profunda quietude,
Eu no pensar evoco; onde por pouco
O coração não treme. E como o vento
Ouço gemer nas ervas, eu àquele
Infinito silêncio esta voz
Vou comparando: e sobrevem-me o eterno,
E as idades já mortas, e a presente
E viva, e seu ruído… Assim, por esta
Imensidade a minha ideia desce:
E o naufragar me é doce neste mar

Tradução de Jorge de Sena
in Poesia de 26 Séculos, Antologia, tradução, prefácio e notas de Jorge de Sena, Fora do Texto, Coimbra, 1993.

 

Poema original

 

L’Infinito

Sempre caro mi fu quest’ermo colle,
E questa siepe, che da tanta parte
Dell’ultimo orizzonte il guardo esclude.
Ma sedendo e mirando, interminati
Spazi di là da quella, e sovrumani
Silenzi, e profondissima quiete
Io nel pensier mi fingo; ove per poco
Il cor non si spaura. E come il vento
Odo stormir tra queste piante, io quello
Infinito silenzio a questa voce
Vo comparando: e mi sovvien l’eterno,
E le morte stagioni, e la presente
E viva, e il suon di lei. Cosi tra questa
Immensita s’annega il pensier mio:
E il naufragar m’è dolce in questo mare.
(1819)

Transcrito de Leopardi, Canti, con uno scritto di Giuseppe Ungaretti, Arnaldo Mondadori Editore S.p.A., Milão, 1987.

 

Abre o artigo a imagem de uma aguarela de William Baziotes (1912-1963).

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Canção de Baco — poema de Lorenzo de Medici

25 Sábado Ago 2018

Posted by viciodapoesia in Crónicas, Poesia Antiga

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Giulio Bonasone, Lorenzo de Medici, Nicolas Poussin

Damas e jovens amantes,
viva Baco e viva Amor!
Haja bailes e descantes!
Arda o peito em doce ardor!
…

 

Estes versos dão o tom do poema de Lorenzo de Medici (1449-1492), Canzona di Bacco, que a seguir transcrevo em tradução de Jorge de Sena.

Associar ao vinho a festa da vida, da alegria, do amor, são aspectos recorrentes na poesia lírica antiga no ocidente. Neste poema o Príncipe Magnífico, poeta maior entre a meia dúzia de grandes poetas da renascença italiana, retoma a atmosfera festiva da lírica grega  e romana com o seu cortejo de seres mitológicos, vivendo num mundo encantado de harmonia e de prazer. Mergulhemos nele, pelo menos enquanto a leitura dura:

 

 

Canção de Baco

Quanto é bela a mocidade
que se escapa tão andeja!
Aí seja alegre quem seja:
de amanhã nada se sabe.

Este é Baco mais Adriana,
belos ambos, mui ardentes:
porque o tempo foge e engana,
sempre um do outro vão contentes.
Estas ninfas e outras gentes,
não há del’s triste quem esteja.
Ai seja alegre quem seja:
de amanhã nada se sabe.

Estes sátiros joviais,
destas ninfas namorados,
por cavernas e pinhais,
mil ardis lhes têm lançados,
ou por Baco já esquentados
saltam de amor que lampeja.
Ai seja alegre quem seja:
de amanhã nada se sabe.

Estas ninfas têm temor
de sofrer um desacato:
mas só se queixa do amor
quem seja rude e ingrato.
Ora em tumulto gaiato
dançam de fazer inveja.
Ai seja alegre quem seja:
de amanhã nada se sabe.

Este monstro que vem pronto
sobre um burro, esse é Sileno,
assim velho e alegre e tonto,
de carne e anos bem pleno:
se não monta sem empeno,
ao menos ri-se e festeja.
Ai seja alegre quem seja:
de amanhã nada se sabe.

Este a seguir é o rei Midas
que o que toca ouro se faz.
Mas que importam tais validas,
se tesouros não dão paz?
Tem prazer quem sempre jaz
na sede de que vasqueja?
Ai seja alegre quem seja:
de amanhã nada se sabe.

Abram todos as orelhas:
do amanhã não haja empachos,
hoje sejam novas, velhas,
ledos todos, fêmeas, machos!
Tristezas vão prós diachos,
e contente tudo esteja.
Ai seja alegre quem seja:
de amanhã nada se sabe.

Damas e jovens amantes,
viva Baco e viva Amor!
Haja bailes e descantes!
Arda o peito em doce ardor!
Fora coitas, fora a dor!
O que tem de ser que seja.
Ai seja alegre quem seja:
de amanhã nada se sabe.

Tradução de Jorge de Sena
Transcrito de Poesia do Século XX, Antologia, tradução, prefácio e notas de Jorge de Sena, Fora do Texto, Coimbra, 1994.

Poema original

 

Canzona di Bacco

Quant’è bella giovinezza,
che si fugge tuttavia!
chi vuol esser lieto, sia:
di doman non c’è certezza.

Quest’è Bacco e Arïanna,
belli, e l’un dell’altro ardenti:
perché ’l tempo fugge e inganna,
sempre insieme stan contenti.
Queste ninfe ed altre genti
sono allegre tuttavia.
Chi vuol esser lieto, sia:
di doman non c’è certezza.

Questi lieti satiretti,
delle ninfe innamorati,
per caverne e per boschetti
han lor posto cento agguati;
or da Bacco riscaldati
ballon, salton tuttavia.
Chi vuol esser lieto, sia
di doman non c’è certezza.

Queste ninfe anche hanno caro
da lor essere ingannate:
non può fare a Amor riparo
se non gente rozze e ingrate:
ora, insieme mescolate,
suonon, canton tuttavia.
Chi vuol esser lieto, sia:
di doman non c’è certezza.

Questa soma, che vien drieto
sopra l’asino, è Sileno:
così vecchio, è ebbro e lieto,
già di carne e d’anni pieno;
se non può star ritto, almeno
ride e gode tuttavia.
Chi vuol esser lieto, sia:
di doman non c’è certezza.

Mida vien drieto a costoro:
ciò che tocca oro diventa.
E che giova aver tesoro,
40s’altri poi non si contenta?
Che dolcezza vuoi che senta
chi ha sete tuttavia?
Chi vuol esser lieto, sia:
di doman non c’è certezza.

Ciascun apra ben gli orecchi,
di doman nessun si paschi;
oggi siam, giovani e vecchi,
lieti ognun, femmine e maschi;
ogni tristo pensier caschi:
facciam festa tuttavia.
Chi vuol esser lieto, sia:
di doman non c’è certezza.

Donne e giovinetti amanti,
viva Bacco e viva Amore!
Ciascun suoni, balli e canti!
Arda di dolcezza il core!
Non fatica, non dolore!
Ciò c’ha a esser, convien sia.
Chi vuol esser lieto, sia:
di doman non c’è certezza.

 

Abre o artigo a imagem de um detalhe da pintura de Nicolas Poussin (1594-1665), Bacanal frente à estátua de Pan, da coleção da National Gallery de
Londres.
Entre os poemas encontramos a imagem de uma gravura de Giulio Bonasone (1498-1576), Sileno bêbado.

 

 

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Foge-me pouco a pouco a curta vida — A sextina de Camões

20 Segunda-feira Ago 2018

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Bronzino, Luís de Camões

Dar em palavras a medida do sentimento, seja ele felicidade, alegria, tristeza ou desespero, é esse o génio de Luís de Camões (1524-1580) na sua faceta mais cativante: a lírica, fazendo uso das formas poéticas em uso no tempo. E uma vez mais, na única sextina que escreveu, encontramos a fluência da expressão amorosa sem que nos apercebamos imediatamente do espartilho das exigências estróficas e de rima que a construção de uma sextina reclama.

 

Numa sextina, poema com seis estrofes de seis versos cada e um terceto final, são seis as palavras que constituem as rimas ao longo dos seis sextetos do poema. Na composição de Camões são elas: vida, vivo, olhos, falo, passo, pena, as quais devem surgir uma a uma no final de cada verso de uma estrofe de seis versos. Estas palavras, sempre as mesmas, surgem nas estrofes seguintes em ordem diferente da primeira estrofe. No terceto final estas seis palavras são repetidas duas a duas em cada verso, uma a meio, outra no final do verso.

 

Construir um poema comovente em que o leitor caminha sem dar conta desta estrutura cerrada, é a proeza de Camões nesta obra singular:

…
Morrendo estou na vida, e em morte vivo;
Vejo sem olhos, e sem língua falo;
E juntamente passo glória e pena.

 

É um desgosto mortal, e um desgosto de amor, o relatado por Camões neste poema, ao ponto de lhe parecer a existência sem qualquer sentido:
…
Que mais me monta ser morto que vivo?
Pera que choro, enfim? Pera que falo,
Se lograr-me não pude de meus olhos?
…

Sabemos a seguir que tanto desgosto decorre de não poder ver a quem ama:

…
Ó fermosos gentis e claros olhos,
Cuja ausência me move a tanta pena
…

 

E é no choro que o apaixonado, confrontado com a ausência da amada, algum consolo encontra:

…
Mas, sobre a maior dor que sofro e passo
Me temperam as lágrimas dos olhos;
Com que, fugindo, não se acaba a vida.
…

 

 

SEXTINA

Foge-me, pouco a pouco, a curta vida,
Se por acaso é verdade que inda vivo;
Vai-se-me o breve tempo de entre os olhos;
Choro pelo passado; e, enquanto falo,
Se me passam os dias passo a passo.
Vai-se-me, enfim, a idade e fica a pena.

Que maneira tão áspera de pena!
Pois nunca uma hora viu tão longa vida
Em que posso do mal mover-se um passo.
Que mais me monta ser morto que vivo?
Pera que choro, enfim? Pera que falo,
Se lograr-me não pude de meus olhos?

Ó fermosos gentis e claros olhos,
Cuja ausência me move a tanta pena
Quanta se não compreende enquanto falo!
Se, no fim de tão longa e curta vida,
De vós me inda inflamasse o raio vivo,
Por bem teria tudo quanto passo.

Mas bem sei que primeiro o extremo passo
Me há-de vir a cerrar os tristes olhos,
Que amor me mostre aqueles por que vivo.
Testemunhas serão a tinta e pena
Que escreverão de tão molesta vida
O menos que passei, e o mais que falo.

Oh! que não sei que escrevo, nem que falo!
Que se de um pensamento noutro passo,
Vejo tão triste género de vida
Que, se lhe não valerem tanto os olhos,
Não posso imaginar qual seja a pena
Que traslade esta pena com que vivo.

Na alma tenho contino um fogo vivo,
Que, se não respirasse no que falo,
Estaria já feita cinza a pena;
Mas, sobre a maior dor que sofro e passo
Me temperam as lágrimas dos olhos;
Com que, fugindo, não se acaba a vida.

Morrendo estou na vida, e em morte vivo;
Vejo sem olhos, e sem língua falo;
E juntamente passo glória e pena.

Luís de Camões, Lírica Completa, edição de Maria de Lurdes Saraiva, INCM, Lisboa, 1980.

 

 

Abre o artigo a imagem de um pormenor de um fresco de Bronzino (1503-1572) no Palazzo Vechio de Florença.

 

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Amor e afastamento no soneto 44 de Shakespeare

09 Quinta-feira Ago 2018

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Shakespeare

Uma vez mais amor e afastamento são o pretexto para a poesia, aqui o soneto 44 de Shakespeare (1564-1616) numa peculiar versão de Vasco Graça Moura (1942-2014), o qual nos dá um belíssimo soneto em português.
Recusando aqui e ali a fidelidade lexical, a tradução de Vasco Graça Moura transporta para português a especiosa forma da expressão shakespeariana, como certamente os leitores com domínio do inglês comprovam pela leitura do original que à frente também transcrevo.

 

Soneto 44

Fosse-me carne opaca pensamento,
a vil distância não me deteria
e de remotos longes num momento
até onde te encontras eu viria.
Nem importava que tivesse os pés
no ponto que é de ti mais afastado:
o pensamento vai de lés a lés
mal pensa no lugar a que é chamado.
Mas mata-me pensar que em mim não pensas
para saltar as milhas quando vás;
feito de terra e água em partes densas,
espero em ânsias o que o tempo traz.
  Nem lentos elemento trazem mais
  do que choros, da nossa dor sinais.

Tradução de Vasco Graça Moura
in Os Sonetos de Shakespeare, versão integral, Bertrand Editora, 2007.

 

 

SONNET 44

If the dull substance of my flesh were thought,
Injurious distance should not stop my way;
For then, despite of space, I would be brought,
From limits far remote, where thou dost stay.
No matter then although my foot did stand
Upon the farthest earth removed from thee,
For nimble thought can jump both sea and land
As soon as think the place where he would be.
But ah, thought kills me that I am not thought,
To leap large lengths of miles when thou art gone,
But that, so much of earth and water wrought,
I must attend time’s leisure with my moan,
  Receiving naught by elements so slow
  But heavy tears, badges of either’s woe.

Transcrito de The Oxford Shakespeare, Complete Sonnets and Poems, Oxford 2002.

 

 

 

Abre o artigo a imagem de um fragmento da pintura de Antonio del Pollaiuolo (1431-1499), Apolo e Dafne, da coleção da National Gallery de Londres.

 

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Leopardi — A Si Mesmo

01 Quarta-feira Ago 2018

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Francis Bacon, Leopardi

Pelos Cantos de Leopardi (1798-1837) passa uma serena meditação sobre o que na vida nos importa, do nascimento à morte; a palpitação do amor e o fogo extinto; os sinais que da história nos ficam e a atenção ao contemporâneo que foi seu. Tudo numa poesia onde o inefável frequentemente surge transmitindo uma dimensão atemporal ao seu verso.

 

Estreio esta poesia no blog com o poema A Se Stesso, atípica reflexão juvenil, tinha o poeta 37 anos, sobre a finitude e o sentido da existência, em duas traduções em português: uma por Jorge de Sena, a outra por Albano Martins.

 

 

A Si Mesmo

Repousa para sempre,
exausto coração. Morto é o engano extremo
que eu supusera eterno. É morto. E sinto
que em nós de enganos caros
a mais da esp’rança, o desejar é extinto.
Repousa. Já bastante
hás palpitado. Coisa alguma vale
o teu bater, nem de saudade é digna
a terra. Tédio amargo
a vida, e nada mais; e lama é o mundo.
Quieto, pois. Desperta
por uma última vez. À raça humana o fado
não deu mais que o morrer. Ora despreza
a natureza, o triste
brutal poder que contra nós impera.
e o infinito vácuo do que existe.

Tradução de Jorge de Sena
in Poesia de 26 Séculos, Antologia, tradução, prefácio e notas de Jorge de Sena, Fora do Texto, Coimbra, 1993.

 

 

A Si Próprio

Repousarás agora para sempre,
Ó meu cansado coração. Está morta a suprema
Ilusão, que julguei eterna. Morta. Bem sinto
Que das minhas caras ilusões
Não a esperança, mas o desejo é extinto.
Repousa para sempre. Demasiado
Palpitaste. De nada valem
Teus movimentos, nem de suspiros é digna
A terra. Amargor e tédio
A vida, nada mais; o mundo é lama.
Sossega, enfim. Desespera
Pela última vez. À nossa espécie o destino
Mais não deu que o morrer. Despreza-te, a partir de agora,
A ti, à natureza, ao mau
Poder, que, oculto, para nosso comum dano governa,
E à infinita vaidade de tudo.

Tradução de Albano Martins
in Giacomo Leopardi, Cantos, Apresentação, seleção, tradução e notas de Albano Martins,  Vega, Gabinete de Edições, Lisboa, s/d.

 

 

A Se Stesso

Or poserai per sempre,
Stanco mio cor. Perì l’inganno estremo,
Ch’eterno io mi credei. Perì. Ben sento,
In noi di cari inganni,
Non che la speme, il desiderio è spento.
Posa per sempre. Assai
Palpitasti. Non val cosa nessuna
I moti tuoi, né di sospiri è degna
La terra. Amaro e noia
La vita, altro mai nulla; e fango è il mondo.
T’acqueta omai. Dispera
L’ultima volta. Al gener nostro il fato
Non donò che il morire. Omai disprezza
Te, la natura, il brutto
Poter che, ascoso, a comun danno impera,
E l’infinita vanità del tutto.
(1835)

Transcrito de Leopardi, Canti, con uno scritto di Giuseppe Ungaretti, Arnaldo Mondadori Editore S.p.A., Milão, 1987.

 

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Francis Bacon (1909-1992), Estudo para um retrato de 1991.

 

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Beleza ideal e amor humano no soneto 130 de Shakespeare

25 Quarta-feira Jul 2018

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Eugène Delacroix, Shakespeare

Num soneto/paródia ao soneto de amor popularizado desde Petrarca (1304-1374), Shakespeare (1564-1616) dá-nos, no seu soneto 130, um poema onde impera a lucidez sobre a mulher amada e os seus atributos físicos, concluindo por declarar o seu amor excepcional, apesar da ausência dos detalhes que fazem o canon do belo.
O poema é assim uma peremptória afirmação do poder do real humano sobre o ideal, e por ele lemos como o amor triunfa sobre as ideias feitas quando a vida nos toca e o amor nos bate à porta.

 

 

Soneto 130

Minha amante nos olhos sol não tem,
mais rubro é o coral que sua boca,
se a neve é branca, o peito é escuro e bem,
se há toucas de oiro, negro fio a touca.
Vi rosas brancas, rubras, damascadas,
não tem rosas na face, ao contemplá-la,
e há essências que são mais delicadas
do que o bafo que a minha amante exala.
Gosto de ouvir-lhe a voz, contudo sei
da música mais doce a afinação,
e uma deusa a passar jamais olhei,
a minha amante a andar põe pés no chão.
  Creio no entanto o meu amor tão raro
  quão falsas ilusões a que o comparo.

 

Tradução de Vasco Graça Moura
in Os Sonetos de Shakespeare, versão integral, Bertrand Editora, 2007.

 

 

Sonnet 130

My mistress’ eyes are nothing like the sun,
Coral is far more red than her lips’ red;
If snow be white, why then her breasts are dun;
If hairs be wires, black wires grow on her head.
I have seen roses damasked, red and white,
But no such roses see I in her cheeks;
And in some perfumes is there more delight
Than in the breath that from my mistress reeks.
I love to hear her speak, yet well I know
That music hath a far more pleasing sound;
I grant I never saw a goddess go:
My mistress, when she walks, treads on the ground.
   And yet, by heaven, I think my love as rare
   As any she belied with false compare.

 

Transcrito de The Oxford Shakespeare, Complete Sonnets and Poems, Oxford 2002.

 

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Eugène Delacroix (1798-1863).

 

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Solta a alegria! — o vinho e a poesia de Al-Mu’tamid

20 Sexta-feira Jul 2018

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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AL-MU’TAMID

Eu só quero que me fales
de cantigas e de vinho
deixa lá, tu não te rales
Deus perdoa o descaminho!

I
deixa esta gente vã,
de promessas e intrigas.
ela já não conta nada
pois o meu maior afã
é beber minha golada
nesta tarde tão louçã
ao som de belas cantigas.
…

 

Neste itinerário do vinho em poesia paremos agora no rei-poeta do Al-Andaluz nascido em Beja, Al-Mu’tamid (1040-1095).
Embora nalguma poesia de  Al-Mu’tamid o beber seja em sentido figurado tentar saciar a inesgotável sede de amor do poeta, nesse percurso de prazer o vinho também entra, ainda que seja, como se sabe, um interdito do Islão.

Além da nota de festa do fragmento de abertura, leiamos em dois poema: primeiro, como o vinho sublima o prazer do amor:

 

A noite lavava as sombras
das suas pálpebras com a aurora.
ligeira corria a brisa.
e bebemos! um vinho velho cor de rubi,
denso de aroma e de corpo suave.

 

E para concluir, mais uma reflexão sobre a finitude e o que vale da vida é o prazer que dela se colhe:
Solta a alegria! Que fique desatada! / esquece a ânsia que roi o coração. /… a vida é uma presa, vai-te a ela! / pois é bem curta a sua duração.

 

 

Poema

Solta a alegria! Que fique desatada!
esquece a ânsia que roi o coração.
tanta doença foi assim curada!
e a vida é uma presa, vai-te a ela!
pois é bem curta a sua duração.

e mesmo que a tua vida acaso fosse
de mil anos plenos já composta
mal se poderia dizer que fora longa.
seres triste sempre não seja a tua aposta
pois que o alaúde e fresco vinho
te aguardam na beira do caminho.

os cuidados não serão de ti os donos
se a taça for espada brilhante em tua mão.
da sabedoria só colherás a turbação
cravado no mais fundo do teu ser:
é que, dentre todos, o mais sábio
é aquele que não cuida de saber.

 

Tradução dos poemas por Adalberto Alves, transcritos de Al-Mutamid poeta do destino, Assírio & Alvim, Lisboa, 1996.

 

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Internadas — um poema de Paul Verlaine

16 Segunda-feira Jul 2018

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Gustave Courbet, Paul Verlaine

No carrossel das convenções morais, aqui e agora já não é objecto de escândalo o contacto íntimo entre amigas que circunstâncias propícias desencadeia, qual refere este poema de Paul Verlaine (1844-1896), Internadas, até não há muitos anos incluído entre os seus poemas malditos, como a edição portuguesas de onde o transcrevo, evidencia.
A tradução, atrever-me-ia a dizer, mais bela que o original, feita por Luiza Neto Jorge, dá conta, com intensidade, da perturbação erótica que as protagonistas vivem.

O soneto foi inicialmente publicado em Bruxelas em 1867, no livro Amigas, sob o pseudónimo de Pablo Maria de Herlagñes (Ségovie), numa tiragem de 50 exemplares. Condenado à destruição de todos os exemplares pelo Tribunal de Lille, e multado o seu editor, tal não impediu sucessivas edições clandestinas até à sua circulação sem proibições.

 

 

Internadas

Quinze anos uma, a outra uns dezasseis,
Num só quarto dormiam lado a lado.
Era em Setembro, à noite, um ar pesado.
Cor de morango, olhos azuis, tão frágeis.

Despem, como quem livre se deseja,
A veste fina, d’ambar perfumada.
Ergue a mais nova os braços, arqueada,
Enquanto, mãos nos seios, a irmã a beija.

De joelhos já cai, e assim treslouca,
Cola o rosto ao ventre, e sequiosa a boca
Afunda no que é sombra e incandescência;

E a menina recenseia o que sente
Plos débeis dedos, um valsar fremente,
E rosada sorri com inocência.

 

Tradução de Luiza Neto Jorge
in Paul Verlaine, Poemas Malditos, edição em fascículos com doze desenhos de José Rodrigues, Editorial O Oiro do Dia, Porto, 1991.

 

 

Poema original

 

Pensionnaires

L’une avait quinze ans, l’autre en avait seize ;
Toutes deux dormaient dans la même chambre.
C’était par un soir très lourd de septembre
Frêles, des yeux bleus, des rougeurs de fraise.

Chacune a quitté, pour se mettre à l’aise,
La fine chemise au frais parfum d’ambre.
La plus jeune étend les bras, et se cambre,
Et sa soeur, les mains sur ses seins, la baise,

Puis tombe à genoux, puis devient farouche
Et tumultueuse et folle, et sa bouche
Plonge sous l’or blond, dans les ombres grises ;

Et l’enfant, pendant ce temps-là, recense
Sur ses doigts mignons des valses promises,
Et, rose, sourit avec innocence.

 

Transcrito de Paul Verlaine, Poèmes érotiques, Librio, 2006.

 

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura gigante (135x200cm) que hoje nos dá as boas-vindas no Petit Palais, museu de belas-artes da cidade de Paris, pintada por Gustave Courbet (1819-1877) em 1866, Le Sommeil.

 

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Porque o vinho é o espelho dos homens — poemas de Alceu de Mitilene

11 Quarta-feira Jul 2018

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga, Poesia Grega

≈ 3 comentários

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Alceu de Mitilene, Giovanni Maria Bottalla

Na alegria, como na tristeza ou no desespero, o vinho é companhia e confidente dos homens desde os alvores da civilização. E a sua presença na poesia é quase um universal, olhado o arco geográfico e temporal onde ela surge.
Comecemos uma volta por esta tradição poética com alguns poemas e fragmentos de Alceu de Mitilene (c. 600 a. C.). Outros de outras épocas e latitudes se seguirão.

 

 

O vinho, meu amigo, e a verdade.
(366 L-P)

 

 

Planta a videira de preferência
a outro qualquer arbusto.
(342 L-P)

 

 

É preciso não entregar
o coração ao infortúnio.
Nada lucraremos, ó Bíquis,
com tristezas. O melhor
remédio é pedir
vinho e embriagar-nos.
(335 L-P)

 

 

Bebamos. Porque havemos
de esperar pelas lucernas? O dia
tem a extensão de um dedo. Traz
as taças grandes, meu amor, as coloridas
taças. O filho
de Sémele e de Zeus aos homens
o vinho deu para esquecimento
de seus males. Enche-as
até transbordarem — uma
parte de vinho para duas
de água. E que uma taça
empurre a outra.
(346 L-P)

 

 

Precisamos de embriagar-nos, é preciso
que todos bebam sem descanso, agora
que Mírsilo morreu.
(332 L-P)

 

 

Chove a mando de Zeus, e do céu
cai forte invernia. Estão
gelados os cursos de água.

Combate o frio atiçando
o fogo, misturando
sem descanso o vinho doce
como o mel, e reclina
em seguida a cabeça sobre
uma almofada macia.
(338 L-P)

 

 

Já sinto chegar
a primavera florida…

Misturai depressa no vaso
vinho doce como o mel.
(367 L-P)

 

 

Humedece o vinho a garganta, que o astro
já voltou. É penosa
a estação e tudo
esmorece com o calor. Entre
a folhagem, docemente
a cigarra canta… Floresce
o cardo. É a hora
em que as mulheres se tornam
mais fogosas e mais fracos
os homens, pois que Sírio
as cabeças abrasa e os joelhos.
(347 L-P)*

 

 

Porque o vinho
é o espelho dos homens
(333 L-P)

 

Traduções de Albano Martins
in O essencial de Alceu e Safo, INCM, Lisboa, 1986.

 

A numeração que sucede os poemas respeita à numeração dos poemas originais na edição E. Lobel e D. Page, Poetarum Lesbiorum Fragmenta, Oxford, 1955.

 

* Este poema (347 L-P) foi anteriormente transcrito em artigo no blog embora partir de uma edição diferente.

 

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Giovanni Maria Bottalla (1613-1644), chamado Il Raffaellino, Baco, Temperança e Cupido, de 1640-1642.

 

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