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Damas e jovens amantes,
viva Baco e viva Amor!
Haja bailes e descantes!
Arda o peito em doce ardor!
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Estes versos dão o tom do poema de Lorenzo de Medici (1449-1492), Canzona di Bacco, que a seguir transcrevo em tradução de Jorge de Sena.
Associar ao vinho a festa da vida, da alegria, do amor, são aspectos recorrentes na poesia lírica antiga no ocidente. Neste poema o Príncipe Magnífico, poeta maior entre a meia dúzia de grandes poetas da renascença italiana, retoma a atmosfera festiva da lírica grega e romana com o seu cortejo de seres mitológicos, vivendo num mundo encantado de harmonia e de prazer. Mergulhemos nele, pelo menos enquanto a leitura dura:
Canção de Baco
Quanto é bela a mocidade
que se escapa tão andeja!
Aí seja alegre quem seja:
de amanhã nada se sabe.
Este é Baco mais Adriana,
belos ambos, mui ardentes:
porque o tempo foge e engana,
sempre um do outro vão contentes.
Estas ninfas e outras gentes,
não há del’s triste quem esteja.
Ai seja alegre quem seja:
de amanhã nada se sabe.
Estes sátiros joviais,
destas ninfas namorados,
por cavernas e pinhais,
mil ardis lhes têm lançados,
ou por Baco já esquentados
saltam de amor que lampeja.
Ai seja alegre quem seja:
de amanhã nada se sabe.
Estas ninfas têm temor
de sofrer um desacato:
mas só se queixa do amor
quem seja rude e ingrato.
Ora em tumulto gaiato
dançam de fazer inveja.
Ai seja alegre quem seja:
de amanhã nada se sabe.
Este monstro que vem pronto
sobre um burro, esse é Sileno,
assim velho e alegre e tonto,
de carne e anos bem pleno:
se não monta sem empeno,
ao menos ri-se e festeja.
Ai seja alegre quem seja:
de amanhã nada se sabe.
Este a seguir é o rei Midas
que o que toca ouro se faz.
Mas que importam tais validas,
se tesouros não dão paz?
Tem prazer quem sempre jaz
na sede de que vasqueja?
Ai seja alegre quem seja:
de amanhã nada se sabe.
Abram todos as orelhas:
do amanhã não haja empachos,
hoje sejam novas, velhas,
ledos todos, fêmeas, machos!
Tristezas vão prós diachos,
e contente tudo esteja.
Ai seja alegre quem seja:
de amanhã nada se sabe.
Damas e jovens amantes,
viva Baco e viva Amor!
Haja bailes e descantes!
Arda o peito em doce ardor!
Fora coitas, fora a dor!
O que tem de ser que seja.
Ai seja alegre quem seja:
de amanhã nada se sabe.
Tradução de Jorge de Sena
Transcrito de Poesia do Século XX, Antologia, tradução, prefácio e notas de Jorge de Sena, Fora do Texto, Coimbra, 1994.
Poema original
Canzona di Bacco
Quant’è bella giovinezza,
che si fugge tuttavia!
chi vuol esser lieto, sia:
di doman non c’è certezza.
Quest’è Bacco e Arïanna,
belli, e l’un dell’altro ardenti:
perché ’l tempo fugge e inganna,
sempre insieme stan contenti.
Queste ninfe ed altre genti
sono allegre tuttavia.
Chi vuol esser lieto, sia:
di doman non c’è certezza.
Questi lieti satiretti,
delle ninfe innamorati,
per caverne e per boschetti
han lor posto cento agguati;
or da Bacco riscaldati
ballon, salton tuttavia.
Chi vuol esser lieto, sia
di doman non c’è certezza.
Queste ninfe anche hanno caro
da lor essere ingannate:
non può fare a Amor riparo
se non gente rozze e ingrate:
ora, insieme mescolate,
suonon, canton tuttavia.
Chi vuol esser lieto, sia:
di doman non c’è certezza.
Questa soma, che vien drieto
sopra l’asino, è Sileno:
così vecchio, è ebbro e lieto,
già di carne e d’anni pieno;
se non può star ritto, almeno
ride e gode tuttavia.
Chi vuol esser lieto, sia:
di doman non c’è certezza.
Mida vien drieto a costoro:
ciò che tocca oro diventa.
E che giova aver tesoro,
40s’altri poi non si contenta?
Che dolcezza vuoi che senta
chi ha sete tuttavia?
Chi vuol esser lieto, sia:
di doman non c’è certezza.
Ciascun apra ben gli orecchi,
di doman nessun si paschi;
oggi siam, giovani e vecchi,
lieti ognun, femmine e maschi;
ogni tristo pensier caschi:
facciam festa tuttavia.
Chi vuol esser lieto, sia:
di doman non c’è certezza.
Donne e giovinetti amanti,
viva Bacco e viva Amore!
Ciascun suoni, balli e canti!
Arda di dolcezza il core!
Non fatica, non dolore!
Ciò c’ha a esser, convien sia.
Chi vuol esser lieto, sia:
di doman non c’è certezza.
Abre o artigo a imagem de um detalhe da pintura de Nicolas Poussin (1594-1665), Bacanal frente à estátua de Pan, da coleção da National Gallery de
Londres.
Entre os poemas encontramos a imagem de uma gravura de Giulio Bonasone (1498-1576), Sileno bêbado.