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Tag Archives: Francis Bacon

Leopardi — A Si Mesmo

01 Quarta-feira Ago 2018

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Francis Bacon, Leopardi

Pelos Cantos de Leopardi (1798-1837) passa uma serena meditação sobre o que na vida nos importa, do nascimento à morte; a palpitação do amor e o fogo extinto; os sinais que da história nos ficam e a atenção ao contemporâneo que foi seu. Tudo numa poesia onde o inefável frequentemente surge transmitindo uma dimensão atemporal ao seu verso.

 

Estreio esta poesia no blog com o poema A Se Stesso, atípica reflexão juvenil, tinha o poeta 37 anos, sobre a finitude e o sentido da existência, em duas traduções em português: uma por Jorge de Sena, a outra por Albano Martins.

 

 

A Si Mesmo

Repousa para sempre,
exausto coração. Morto é o engano extremo
que eu supusera eterno. É morto. E sinto
que em nós de enganos caros
a mais da esp’rança, o desejar é extinto.
Repousa. Já bastante
hás palpitado. Coisa alguma vale
o teu bater, nem de saudade é digna
a terra. Tédio amargo
a vida, e nada mais; e lama é o mundo.
Quieto, pois. Desperta
por uma última vez. À raça humana o fado
não deu mais que o morrer. Ora despreza
a natureza, o triste
brutal poder que contra nós impera.
e o infinito vácuo do que existe.

Tradução de Jorge de Sena
in Poesia de 26 Séculos, Antologia, tradução, prefácio e notas de Jorge de Sena, Fora do Texto, Coimbra, 1993.

 

 

A Si Próprio

Repousarás agora para sempre,
Ó meu cansado coração. Está morta a suprema
Ilusão, que julguei eterna. Morta. Bem sinto
Que das minhas caras ilusões
Não a esperança, mas o desejo é extinto.
Repousa para sempre. Demasiado
Palpitaste. De nada valem
Teus movimentos, nem de suspiros é digna
A terra. Amargor e tédio
A vida, nada mais; o mundo é lama.
Sossega, enfim. Desespera
Pela última vez. À nossa espécie o destino
Mais não deu que o morrer. Despreza-te, a partir de agora,
A ti, à natureza, ao mau
Poder, que, oculto, para nosso comum dano governa,
E à infinita vaidade de tudo.

Tradução de Albano Martins
in Giacomo Leopardi, Cantos, Apresentação, seleção, tradução e notas de Albano Martins,  Vega, Gabinete de Edições, Lisboa, s/d.

 

 

A Se Stesso

Or poserai per sempre,
Stanco mio cor. Perì l’inganno estremo,
Ch’eterno io mi credei. Perì. Ben sento,
In noi di cari inganni,
Non che la speme, il desiderio è spento.
Posa per sempre. Assai
Palpitasti. Non val cosa nessuna
I moti tuoi, né di sospiri è degna
La terra. Amaro e noia
La vita, altro mai nulla; e fango è il mondo.
T’acqueta omai. Dispera
L’ultima volta. Al gener nostro il fato
Non donò che il morire. Omai disprezza
Te, la natura, il brutto
Poter che, ascoso, a comun danno impera,
E l’infinita vanità del tutto.
(1835)

Transcrito de Leopardi, Canti, con uno scritto di Giuseppe Ungaretti, Arnaldo Mondadori Editore S.p.A., Milão, 1987.

 

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Francis Bacon (1909-1992), Estudo para um retrato de 1991.

 

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Noticia ao entardecer – Gabino Alejandro Carriedo

11 Sexta-feira Jan 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poetas e Poemas

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Francis Bacon, Gabino Alejandro Carriedo

Bacon_Francis-Study_for_a_Portrait_March_1991A este poema, Noticia ao entardecer, vindo da Madrid do após-guerra, leio-o como eco da devastação de alma que socialmente nos atravessa.

Noticia ao entardecer

Devia ter-te escrito há tempos uma carta
dizendo entre outras coisas: “na província chove,
minha irmã foi para freira,
eu perdi o emprego”.
Possivelmente responderias com a tua letra
miúda sobre o papel:
“Lamento isso da tua irmã
mas alegro-me com a chuva
que é boa para as colheitas”.
Há tempos, amigo, devia ter-te escrito
para te contar coisas de importância:
por exemplo que estou bastante só
depois daquele amor;
por exemplo que durmo muitas horas
para me esquecer de que existo;
por exemplo que estou bastante triste
mas que em algum país haverá eleições
antes do mês de Janeiro.
Terias respondido com a tua letra:
“Não me agrada o teu estado” ou “é preciso
que sacudas o tédio”.
Terias respondido com a tua letra
miúda sobre o papel:
“Eu conheci um senhor que estava morto…”
Ter-me-ias dito que não importa nada,
não importa estar triste ou solitário
se na província chove,
se as colheitas foram boas este Verão
haverá por aí dinheiro em abundância.
Dir-me-ias: “Amigo, o que importa
é ter vontade; quem quer pode”.
(Eu conheci um senhor que estava morto…)
O tal senhor que estava morto, estava
somente um pouco ferido. Disseram-no
os jornais. Até recordo a data.
Ressuscitou, é certo, mas estava
somente um pouco ferido.
Em troca sinto-me destruído, descentrado;
não tenho remédio; passeio,
Vou à taverna e escrevo
cartas que nunca saem de Madrid.
Não falo com ninguém, nunca pergunto
como acabou a festa.
Diz-me se ainda é possível escrever cartas.
Diz-me se ainda é possível estar mais morto.

A poesia de Gabino Alejandro Carriedo (1923-1981) é um daqueles segredos bem guardados e que vale a pena desvendar. Poesia transversal a escolas, lida hoje surge como nossa contemporânea, tanto na oficina como nos temas onde um “eu e o mundo” se reflecte.

O poema Noticia ao entardecer foi publicado na antologia Poesia Espanhola do Após-Guerra, com escolha e tradução do poeta Egito Gonçalves, editada por Portugália Editora em Lisboa, no inicio dos anos sessenta do século XX.

 

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