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Um poema de sabor antigo e Treze maneiras de olhar um melro por Wallace Stevens

29 Segunda-feira Abr 2019

Posted by viciodapoesia in Poesia de Língua Inglesa

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carlos mendonça lopes, Wallace Stevens

Provavelmente o longo convívio com poesia antiga e de todas as latitudes me condicione no processo criativo, fazendo o que escrevo soar tantas vezes fora de tempo. Aí talvez a razão por que a chegada da Primavera, e dos melros às árvores frente a casa, me tenha inspirado este poema de sabor antigo:

 

O Melro
De que fala quando canta
o melro à minha janela?
Fala do amor ausente
ou recorda simplesmente
os tempos que não viveu
porque morreu?
 
Vestiu de luto para sempre
e as penas pretas que veste
não consentem alegria:
apenas deixam ouvir
a sua melancolia
num cantar de dor presente.

Carlos Mendonça Lopes

 

 

Este poema é uma descrição nos antípodas da leitura da presença do melro na paisagem feita pelo poeta-filósofo Wallace Stevens (1879-1955) no poema Treze maneiras de olhar um melro. Poema dividido em treze estâncias, com o sabor de haiku a percorrê-las, em curtos versos, e numa visão sintética e metafórica, seguimos variadas formas de sentir e pressentir o mistério e variedade da vida observando um melro na paisagem nevada.

Entre a primeira e a última estâncias do poema:

1
No meio de vinte montanhas nevadas
A única coisa que se mexia
Era o olho do melro.
…
13
Anoitecia em cada instante da tarde.
Nevava
E ia continuar a nevar.
E o melro empoleirado
Nos ramos dos cedros.

acompanhamos a reflexiva observação do poeta. Implica esta o questionar do que é saber. E sabendo, esse conhecimento é exterior a mim, ou ao conhecer, ele passa objectivamente a integrar-me? É um caminho que o poema abre, não a letra do que ele contém:

 

 

Treze maneiras de olhar um melro

1
No meio de vinte montanhas nevadas
A única coisa que se mexia
Era o olho do melro.

2
Eu via as coisas de três maneiras diferentes,
Como uma árvore
Onde há três melros.

3
O melro rodopiava ao sabor dos ventos de Outono.
Era uma pequena parte da pantomina.

4
Um homem e uma mulher
São um
Um homem e uma mulher e um melro
São um.

5
Não sei qual prefiro,
A beleza das modulações de som
Ou a beleza das insinuações,
O melro a assobiar
Ou logo após.

6
Gotículas geladas cobriam a grande janela
De vidros toscos.
A sombra do melro
Cruzava-a, dum lado para o outro.
O estado de espírito
Desenhava na sombra
Uma causa indecifrável.

7
Ó homens esguios de Haddam
Porque pensais em pássaros dourados?
Não vedes como o melro
Caminha à volta dos pés
Das mulheres perto de vós?

8
Sei de sotaques notáveis
E ritmos lúcidos e inevitáveis;
Mas também sei
Que o melro está presente
Em tudo o que eu sei.

9
Quando o melro voou para fora do alcance da vista
Assinalou a orla
De um de muitos círculos.

10
Perante a visão de melros
Voando envolvidos numa luz verde,
Até os proxenetas da eufonia
Haviam de gritar com vivacidade.

11
Ele foi até Connecticut
Num coche de vidro
Uma vez, foi tomado de pânico
Quando confundiu
A sombra da carruagem
Com melros.

12
O rio corre
O melro deve andar a voar.

13
Anoitecia em cada instante da tarde.
Nevava
E ia continuar a nevar.
E o melro empoleirado
Nos ramos dos cedros.

Tradução de António Simões
in Antologia da Poesia Anglo-Americana, de Chaucer a Dylan Thomas, seleção, prefácio e notas de António Simões, Campo das Letras Editores, Porto, 2002.

A foto de abertura não é do melro que canta à minha janela. Encontrei-a na net, colocada por um Camberra ornithologist group.

 

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Table talk — poema de Wallace Stevens em várias versões

01 Quinta-feira Mar 2018

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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Píerre-Auguste Renoir, Wallace Stevens

No seu desenho aforístico, o poema Table Talk de Wallace Stevens (1879-1955) põe-nos perante a evidência do papel do acaso e ausência de determinismo no que à vida respeita.
Diz-nos ele que a vida é, em grande medida, coisa de acontecer gostarmos, não de dever —  Life, then, is largely a thing / Of happens to like, not should. E sugere-nos que, no seu correr, sem interrogações, gostemos do que acontecer gostarmos: One likes what one happens to like. Sem mais. Pois, a vida quando acaba, é para sempre: Granted, we die for good.
E assim, com a despreocupação de uma conversa de café, somos levados a pensar quanto o sem sentido de muitas das angústias que nos atravessam a existência.

Seguem-se três interessantes exercícios de tradução sobre este poema. Elas dão-nos conta, de forma lapidar, quanto o exercício de tradução em poesia é reinterpretação do poema original para além das consabidas alterações de métrica e ritmo inerentes às diferenças linguísticas. A reinterpretação revela-se logo na tradução do título, Table talk. E temos de Conversa à mesa a Conversa Familiar, e Conversa de café. Depois, ao longo do poema, as diferenças nas opções de tradução abundam. A começar pela primeira palavra do poema, Granted, Concedido. Temos alteração do tempo verbal para Concedo, ou então Claro, ou ainda com inversão na posição de Granted no verso, e a sua tradução por é certo.
Poderia continuar quase palavra a palavra, o que seria sobremaneira enfadonho, pelo que lhe deixo, a si, leitor, o exercício de fruir outras diferenças e sentir como as variadas opções de tradução encaminham a leitura do poema em diferentes direcções.

 

 

 

Conversa de café

Claro, morremos para sempre.
A vida, então, é em grande parte uma coisa
De acontecer gostar-se, não de ter de.

E isso, também, claro, porque é que
Acontece eu gostar de arbustos vermelhos,
Relva cinzenta, e céu cinzento-esverdeado?

Que mais resta? Mas vermelho,
Cinzento, verde, porquê essas de entre todas?
Isso não é o que eu disse:

Não essas de entre todas. Mas essas.
Gosta-se do que acontece gostar-se
Gosta-se do modo como o vermelho cresce.

Não tem nenhuma importância.
Acontecer gostar-se é um
Dos modos como as coisas acontecem calhar.

Tradução de Luísa Maria Queiroz de Campos
in Wallace Stevens, Ficção Suprema, Assírio & Alvim, Lisboa, 1991.

 

 

 

Conversa à mesa

Morremos de vez, é certo.
Por isso, a vida é uma coisa,
De que acontece, ou não, gostar.

Mas, sendo assim, porque me acontece
Gostar do mato vermelho,
Da erva cinzenta, e do céu verde-cinza?

E que mais? Mas vermelho,
Cinzento, verde, porquê, especialmente?
Não foi isso o que eu disse:

Não esses, especialmente. Apenas, esses.
Gostamos do que acontece gostarmos.
Gostamos da maneira como o vermelho cresce.

Não tem nenhuma importância.
Acontecer gostar é uma das maneiras
Que as coisas têm de acontecer.

Tradução de Maria Andersen de Sousa
in Wallace Stevens, Antologia, Relógio d’Água, Lisboa.

 

 

 

Conversa Familiar

Concedo: quando se morre é para sempre.
E a vida é em grande parte coisa
De acontecer gostar, não de o dever.

E concedido também isto, porque acontece que eu
Goste do mato vermelho,
De relva cinzenta, da cinza verde do céu?

Que mais resta? Mas porquê de entre todos esses,
O vermelho, o cinzento, o cinzento verde?
Não foi isso o que eu disse:

Gosta-se do que gostar nos acontece.
Não de entre todos esses. Mas esses.
Gosta-se da maneira como o vermelho cresce.

Importante não deverá ser.
Acontecer gostar é uma
Das coisas que acontece acontecer.

Tradução de Victor Palla
in Poemas do Inglês, Ler Editora, Lisboa, 1985.

 

 

 

Table talk

Granted, we die for good.
Life, then, is largely a thing
Of happens to like, not should.

And that, too, granted, why
Do I happen to like red bush,
Grey grass and green-gray sky?

What else remains? But red,
Gray, green, why those of all?
That is not what I said:

Not those of all. But those.
One likes what one happens to like.
One likes the way red grows.

It cannot matter at all.
Happens to like is one
Of the ways things happen to fall.

1935?

in Opus Posthumous, 1957
Transcrito de Wallace Stevens, Collected Poetry & Prose, The Library of America, 1997.

 

 

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Pierre-Auguste Renoir (1841-1919), Almoço de barqueiros.

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Pão Seco — poema de Wallace Stevens

08 Quarta-feira Mar 2017

Posted by viciodapoesia in Crónicas

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James Nachtwey, Wallace Stevens

Igual a viver numa terra de tragédia é / Viver num tempo de tragédia.

Eis que um poema de Wallace Stevens (1879-1955) escrito ao tempo da 2ª guerra mundial, ganha uma dimensão de actualidade:

…
Era um bater de tambores o que eu ouvi
Era a fome, eram os famintos que gritavam
…

 

O mundo não mudou. Tantos sonhos, tanto sangue, e a tragédia continua. África, uma vez mais, e a crise de fome aguda com o seu cortejo de vidas inocentes.
O tempo de tragédia é, para lá de todos os ideais que a humanidade vem alimentando, o nosso. E a terra de tragédia rodeia-nos perto ou longe, ainda que a tranquilidade do nosso quotidiano dela no imediato nos afaste.
Floresce a imensidão de teatros de guerra e devastação, que a natureza acentua com catástrofes naturais cada vez mais fora de controle. Por isso, diariamente surgem
… homens tisnados pelo vento,
Escuros como o pão, pensando em pássaros
Vindos de países escaldantes e litorais de areia escura,
…
arriscando a vida com a coragem de quem não tem nada a perder.

 

Se o poema Pão Seco, que a seguir transcrevo, não deixa de nos remeter por simples associação de ideias para as tragédias dos nossos dias, também reflecte, e é motivo de alarme, a forma como elas nos vão impregnando o quotidiano com a aceitação de uma inevitabilidade que não deveríamos permitir.

…
E os pássaros chegavam ainda, chegavam em bandos marítimos,
Porque era primavera e os pássaros tinham que chegar.
Sem dúvida que os soldados tinham que marchar
E que os tambores tinham que rufar, rufar, rufar.

Será?

Pão Seco

Igual a viver numa terra de tragédia é
Viver num tempo de tragédia.
Olhai agora os rochedos montanhosos e inclinados
E o rio que força o seu caminho sobre pedras,
Olhai os casebres daqueles que vivem nesta terra.

Aquilo foi o que eu pintei por trás do pão seco,
Os rochedos nem sequer tocados de neve,
Os pinheiros ao longo do rio e homens tisnados pelo vento,
Escuros como o pão, pensando em pássaros
Vindos de países escaldantes e litorais de areia escura,

Pássaros que vieram como água suja em ondas,
Voando por cima dos rochedos, voando por cima do céu,
Como se o céu fosse uma corrente que os trouxesse,
Espalhando-os como se espalham as ondas pela praia,
Uma após outra, tornando nuas as montanhas.

Era um bater de tambores o que eu ouvi
Era a fome, eram os famintos que gritavam
E as ondas, as ondas eram soldados movendo-se,
Marchando, marchando num tempo de tragédia,
Abaixo de mim, no asfalto, sob as árvores.

Eram soldados que seguiam marchando nos rochedos
E os pássaros chegavam ainda, chegavam em bandos marítimos,
Porque era primavera e os pássaros tinham que chegar.
Sem dúvida que os soldados tinham que marchar
E que os tambores tinham que rufar, rufar, rufar.

in Wallace Stevens, Antologia, tradução e introdução de Maria Andersen de Sousa, Relógio d’Água, Lisboa, 2005.

 

Original do poema

 

Dry Loaf

It is equal to living in a tragic land
To live in a tragic time.
Regard now the sloping, mountainous rocks
And the river that batters its way over stones,
Regard the hovels of those that live in this land.

That was what I painted behind the loaf,
The rocks not even touched by snow,
The pines along the river and the dry men blown
Brown as the bread, thinking of birds
Flying from burning countries and brown sand shores,

Birds that came like dirty water in waves
Flowing above the rocks, flowing over the sky,
As if the sky was a current that bore them along,
Spreading them as waves spread flat on the shore,
One after another washing the mountains bare.

It was the battering of drums I heard
It was hunger, it was the hungry that cried
And the waves, the waves were soldiers moving,
Marching and marching in a tragic time
Below me, on the asphalt, under the trees.

It was soldiers went marching over the rocks
And still the birds came, came in watery flocks,
Because it was spring and the birds had to come.
No doubt that soldiers had to be marching
And that drums had to be rolling, rolling, rolling.

Publicado pela primeira vez em Parts of a World (1942).
Transcrito de Wallace Stevens, Collected Poetry and Prose, The Library of America, 1996.

 

A foto que acompanha o artigo pertence a James Nachtwey. Foi feita por este no Sudão em 1993, e mostra uma vítima da fome.

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Poemas para o Verão: poema de Wallace Stevens

04 Sábado Ago 2012

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poetas e Poemas

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Maria Helena Vieira da Silva, Wallace Stevens

A noite de Verão é como uma perfeição de pensamento. escreveu Wallace Stevens (1879-1955) no poema que hoje arquivo.

Não sei de outra forma mais exacta para exprimir o que em noites de Verão por vezes acontece, como hoje. Corre uma brisa suave que o som do saxofone de Ben Webster embala. O ar quente envolve-se de um acre, potente e delicioso cheiro a resina de pinheiro, e num quase mágico momento o tempo pára. Não há antes nem depois, apenas a harmonia de um céu onde a lua esplende, o cheiro inebria os sentidos, e o  som do saxofone decanta a emoção. É o Verão, são as ferias de Verão!

E o mundo estava calmo. A verdade num mundo calmo, / No qual não há outro sentido, a própria verdade / / Está calma, ela própria é verão e noite, …

Leia-se o poema na totalidade:

A casa estava silenciosa e o mundo estava calmo.
O leitor tornava-se no livro, e a noite de verão

Era como a essência consciente do livro.
A casa estava silenciosa e o mundo estava calmo.

As palavras eram pronunciadas como se não houvesse livro,
A não ser o leitor inclinado sobre a página,

A desejar inclinar-se, a desejar extremamente ser
O letrado para quem o seu livro é verdadeiro, para quem

A noite de verão é como uma perfeição de pensamento.
A casa estava silenciosa porque assim tinha de estar.

O silêncio fazia parte do sentido, parte do espirito:
Era a perfeição no seu acesso à página.

E o mundo estava calmo. A verdade num mundo calmo,
No qual não há outro sentido, a própria verdade

Está calma, ela própria é verão e noite, ela própria
É o leitor em tardia vigília, inclinado, lendo.

In Transport to Summer (1947), tradução de David Mourão-Ferreira.

Não sei de melhor companhia pictórica para este poema que alguma pintura de Maria Helena Vieira da Silva (1908-1992) com que acompanhei o artigo e de quem escolho uma das suas bibliotecas para fecho.

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