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Tag Archives: Antonio Manuel Couto Viana

É Tarde — um poema de António Manuel Couto Viana

25 Segunda-feira Fev 2019

Posted by viciodapoesia in Poesia Portuguesa do sec. XX

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Antonio Manuel Couto Viana, Picasso

Há dias o jornal Washington Post trazia uma história comoventemente contada do reencontro, tarde na vida, de dois outrora adolescentes apaixonados, uma jovem brasileira e um jovem italiano, que as convenções sociais da época afastaram. Na história, contada pela neta, dizia-se que a avó, agora septuagenária, tendo andado os últimos anos a fugir da vida, ganhara um entusiasmo novo com este reencontro. Esta história ilustra exactamente a negação do que António Manuel Couto Viana (1923-2010) no poema É Tarde escreve a concluir:
…
Futuro, que queres de mim?
Fechei pra demolição
Escrevo fé, leio fim.
E tu não.

 

É evidentemente uma leitura restritiva das amplas implicações do poema extensivas que são, do eu às condições da circunstancia que o rodeia.
Para o Futuro nunca é tarde, qualquer que seja a idade e a vida que nos envolve, ainda que nem sempre seja fácil tê-lo presente.

 

 

É Tarde

Futuro, passei a idade
De passar a novo rumo:
Preso nesta sociedade
Me consumo.

Ainda me restam restos
De poesia e de coragem?
Não servem pra manifestos
Nem mensagens.

Irão na próxima leva,
Quando o pão for raro e ralo.
Depois, na fome da treva,
Tremo e calo.

Futuro, que queres de mim?
Fechei pra demolição
Escrevo fé, leio fim.
E tu não.
— 2 de Maio de 1970 —

 

Publicado em Pátria Exausta, 1971. Prémio da Academia das Ciências de Lisboa.
Transcrito de 60 Anos de Poesia, INCM, Lisboa, 2004.

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Picasso (1881-1973) O artista e o seu modelo de 1914.

 

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Madrigal da terceira idade para afastar a solidão

30 Sexta-feira Dez 2016

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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Antonio Manuel Couto Viana

edouard-manet-le-bon-bock-portrait-of-emile-bellot-500pxExiste cada vez mais a consciência de que a vida afectiva não se extingue progressivamente à medida que a idade avança. Pelo contrário, mesmo entre quem envelhece, o reconhecimento da satisfação afectiva para o conjunto do equilíbrio funcional ganha terreno, tal como junto da família que vê os seus maiores envelhecer. Apenas o envelhecimento do corpo dita as adaptações ao exercício dessa afectividade.

 

De uma forma suave e tocante, António Manuel Couto Viana (1923-2010) no poema que a seguir transcrevo — Madrigal da terceira idade para afastar a solidão — dá conta dessa manifestação da necessidade afectiva numa vida em idade avançada: o poeta tinha 82 anos quando o escreveu.

 

 

 

Madrigal da terceira idade para afastar a solidão

 

É um amor discreto,
Ignorado, até.
Só um gesto de afecto,
Um sorriso secreto,
Desfeito, se alguém vê.

 

É um amor tranquilo,
De alguém que quer alguém
Prá solidão do asilo.
— Coração, ao senti-lo,
Nem aceleras, nem…

 

É um amor-amizade.
Um amor-simpatia.
Mas, mesmo assim, ele há-de
Deixar dor e saudade
E gerar poesia.

 

24-11-2005

 

in Disse e Repito, Averno, Lisboa, 2008.

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Saudade de um corpo — poema de António Manuel Couto Viana

24 Terça-feira Jun 2014

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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Antonio Manuel Couto Viana, Pierre-Narcisse Guérin

GUÉRIN, Pierre-Narcisse - Aurora e Cephalus 1810 fragmento 600px

É sobre o que não aconteceu o poema de António Manuel Couto Viana (1923-2010), Saudade de um corpo:

…

Arrependido? Sim: preferia recordar

Um corpo saciado, a um corpo reprimido;

O momento fremente de o despir e enlaçar

…

 

Com o proverbial lirismo de tanta da sua poesia, avançamos na leitura do poema seguindo a delicadeza de gestos e encanto de um desejo adolescente até conhecer o desenlace-pretexto da memória que se faz poema:

 

Saudade de um corpo

 

Os nossos corpos tinham não sei que primavera,

Quando em noites de Maio, na influência da lua,

Florescia entre nós um silêncio de espera,

Se a minha mão pousava na tua.

 

Tímidos e febris, só os sentidos falavam,

Até que a tua voz, expulsando o torpor,

Receosa, talvez, de uns passos que passavam,

Se punha a divagar sobre a noite e o calor.

 

Nunca nos acalmou a frescura de um beijo;

É feliz a amizade! E o amor é tão sério

Que cada um guardou, para si, o desejo,

Temendo ver voar a asa do mistério.

 

Arrependido? Sim: preferia recordar

Um corpo saciado, a um corpo reprimido;

O momento fremente de o despir e enlaçar

E de o sentir ranger, como range um vestido.

 

É caso para parafrasear Camões:

Mais vale experimentá-lo… que transportar pela vida um desejo insaciado.

 

O poema foi transcrito de O Coração e a Espada, Edições Távola Redonda, 1953.

 

Na abertura vê-se com prazer a imagem de uma pintura de Pierre-Narcisse Guérin (1774-1833).

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Miradoiro — poema de António Manuel Couto Viana

28 Sexta-feira Fev 2014

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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Antonio Manuel Couto Viana

Miradouro

Hoje, que a luz banha Lisboa e o cheiro da Primavera começa a soprar, da janela onde vejo o rio, ocorre-me este poema de António Manuel Couto Viana (1923-2010), Miradoiro, pérola no descrever do sentimento que a paisagem inspira.

A foto, fi-la, anos vai, ao olhar Lisboa a partir de Alcochete, na margem sul do rio Tejo.

 

Miradoiro

 

Frágeis, acenam alvos lenços d’asas

As gaivotas que a brisa, mansa, embala.

O rio azula, emoldurado em casas

— Que lindo quadro para pôr na sala!

 

No lírico perfil fogem veleiros,

Onde embarquei uns restos de ansiedade;

E, no cais, os guindastes e os cargueiros

São prática e viril realidade.

 

É mentira, talvez,

Assinar com meu nome esta poesia:

O Tejo foi quem na fez…

Cheira a limos, a sal, a maresia!

 

Poema publicado no livro No Sossego da Hora, 1949, Prémio Antero de Quental.

Transcrito de Líricas Portuguesas, 3ªSérie, Volume II, selecção e apresentação de Jorge de Sena, Edições 70, Lisboa 1983.

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Natal ainda? poemas de Antonio Manuel Couto Viana

23 Segunda-feira Dez 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poetas e Poemas

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Antonio Manuel Couto Viana

Petrus CHRISTUS - Natividade 1465 detalheAproxima-se o Natal, e variando as abordagens poéticas ao acontecimento, escolhi hoje quatro poemas de Antonio Manuel Couto Viana (1923-2010) onde de Natal se fala.

Com os dois poemas iniciais lemos quanto à aproximação do Natal o peso da idade se faz sentir na lucidez de saber a vida perto do fim:

Na solidão que o apavora, / O velho corre o coração de lado a lado.

Recorda um deus: um deus criança,

…

Conformar-se, porquê, com o Natal dos velhos?

ou ainda

Eu, para aqui ajoelhado, / A memória da infância a pedir-me alegria,

Depois, a dificuldade de todos os dias ser e fazer a vida no espírito do Natal para um homem religioso:

Mas, ai! a adoração dura-me instantes! / Em breve irei negá-lo / Três vezes, antes

De cantar o galo!

Finalmente a assimilação de Natal a cada novo nascimento.

Quando na mais sublime dor, / A mulher dá à luz, / Há sempre um Anjo Anunciador / A murmurar-lhe ao coração — Jesus!

 

Na aparente simplicidade do verso, a mestria de uma arte versificatória para saborear.

  DAVID, Gerard 1490

Que longa espera, noite fora!

Virá o anjo? Trará recado?

Na solidão que o apavora,

O velho corre o coração de lado a lado.

 

Recorda um deus: um deus criança,

Sem a ciência entre os doutores.

E sem espada. E sem balança.

Coroado de inocência e flores.

 

A bela imagem diluída

De uma passada madrugada

Que lhe foi vida,

Antes de a vida não lhe ser nada.

 

Conformar-se, porquê, com o Natal dos velhos?

Cenário literário dos Natais:

A manta nos joelhos,

Lareira acesa, a mesa com cristais…

 

A neve, sim, que a tem

No cabelo e também no coração.

— Nascerá hoje alguém

Que o leve, puro e ardente, pela mão?

 

In Pátria Exausta, Editorial Verbo, Lisboa 1971.

 

DARET, Jacques 1434-35

 

Cenário de Natal sem o Natal

 

Nenhuma estrela luz, com mais brilho no céu.

Não oiço rumor d’asa ou de vagido

É meia-noite já. E ainda não nasceu.

O que terá acontecido?

 

Eu, para aqui ajoelhado,

A memória da infância a pedir-me alegria,

Todo o presépio armado

… E a mangedoira vazia!

 

O silêncio apavora:

Nem uma loa, nem o som de um sino.

Porquê tanta demora?

Não mais irá nascer o meu menino?

 

Nenhum sinal de sobrenatural

No cenário onde a fé não sublima nem arde.

Por isso, o meu Natal

Vai chegar tarde.

 

(Para sempre tarde?)

 

In Mínimos, Centro Cultural do Alto Minho, Viana do Castelo,1990.

 

MASTER FRANCKE 1424

 

Natal tão pouco

 

Nasceu em Belém, ou Nazaré

(A nova teoria),

Este que nos é

O Pai-Nosso em cada dia?

 

Que importa onde nasceu,

Se num presépio, se num leito?

A verdade sou eu

A aguardá-lo no peito.

 

Pois abro o coração

Pra o receber,

Quer venha ou não

Do céu ou ventre de mulher.

 

Mas, ai! a adoração dura-me instantes!

Em breve irei negá-lo

Três vezes, antes

De cantar o galo!

8.12.2005

 

In Disse e Repito, Averno, 2008.

 

UNKNOWN MASTER, Flemish 1400A

 

Natal cada Natal

 

Quando na mais sublime dor,

A mulher dá à luz,

Há sempre um Anjo Anunciador

A murmurar-lhe ao coração — Jesus!

 

Cada criança é o Céu que vem

Pra nos remir do pecado

E as palhas d’oiro de Belém

Espalham-se no berço, como um Sol espelhado

 

Por sobre o lar presepial , o brilho

Da estrela abre o convite dos portais:

— Vinde adorar a floração do filho

No alvoroço da raiz dos pais.

 

In Mínimos, Centro Cultural do Alto Minho, Viana do Castelo,1990.

Stefan Lochner (1410-1451) virgem adorando o meninoA

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