Etiquetas

Petrus CHRISTUS - Natividade 1465 detalheAproxima-se o Natal, e variando as abordagens poéticas ao acontecimento, escolhi hoje quatro poemas de Antonio Manuel Couto Viana (1923-2010) onde de Natal se fala.

Com os dois poemas iniciais lemos quanto à aproximação do Natal o peso da idade se faz sentir na lucidez de saber a vida perto do fim:

Na solidão que o apavora, / O velho corre o coração de lado a lado.

Recorda um deus: um deus criança,

Conformar-se, porquê, com o Natal dos velhos?

ou ainda

Eu, para aqui ajoelhado, / A memória da infância a pedir-me alegria,

Depois, a dificuldade de todos os dias ser e fazer a vida no espírito do Natal para um homem religioso:

Mas, ai! a adoração dura-me instantes! / Em breve irei negá-lo / Três vezes, antes

De cantar o galo!

Finalmente a assimilação de Natal a cada novo nascimento.

Quando na mais sublime dor, / A mulher dá à luz, / Há sempre um Anjo Anunciador / A murmurar-lhe ao coração — Jesus!

 

Na aparente simplicidade do verso, a mestria de uma arte versificatória para saborear.

  DAVID, Gerard 1490

Que longa espera, noite fora!

Virá o anjo? Trará recado?

Na solidão que o apavora,

O velho corre o coração de lado a lado.

 

Recorda um deus: um deus criança,

Sem a ciência entre os doutores.

E sem espada. E sem balança.

Coroado de inocência e flores.

 

A bela imagem diluída

De uma passada madrugada

Que lhe foi vida,

Antes de a vida não lhe ser nada.

 

Conformar-se, porquê, com o Natal dos velhos?

Cenário literário dos Natais:

A manta nos joelhos,

Lareira acesa, a mesa com cristais…

 

A neve, sim, que a tem

No cabelo e também no coração.

— Nascerá hoje alguém

Que o leve, puro e ardente, pela mão?

 

In Pátria Exausta, Editorial Verbo, Lisboa 1971.

 

DARET, Jacques 1434-35

 

Cenário de Natal sem o Natal

 

Nenhuma estrela luz, com mais brilho no céu.

Não oiço rumor d’asa ou de vagido

É meia-noite já. E ainda não nasceu.

O que terá acontecido?

 

Eu, para aqui ajoelhado,

A memória da infância a pedir-me alegria,

Todo o presépio armado

… E a mangedoira vazia!

 

O silêncio apavora:

Nem uma loa, nem o som de um sino.

Porquê tanta demora?

Não mais irá nascer o meu menino?

 

Nenhum sinal de sobrenatural

No cenário onde a fé não sublima nem arde.

Por isso, o meu Natal

Vai chegar tarde.

 

(Para sempre tarde?)

 

In Mínimos, Centro Cultural do Alto Minho, Viana do Castelo,1990.

 

MASTER FRANCKE 1424

 

Natal tão pouco

 

Nasceu em Belém, ou Nazaré

(A nova teoria),

Este que nos é

O Pai-Nosso em cada dia?

 

Que importa onde nasceu,

Se num presépio, se num leito?

A verdade sou eu

A aguardá-lo no peito.

 

Pois abro o coração

Pra o receber,

Quer venha ou não

Do céu ou ventre de mulher.

 

Mas, ai! a adoração dura-me instantes!

Em breve irei negá-lo

Três vezes, antes

De cantar o galo!

8.12.2005

 

In Disse e Repito, Averno, 2008.

 

UNKNOWN MASTER, Flemish 1400A

 

Natal cada Natal

 

Quando na mais sublime dor,

A mulher dá à luz,

Há sempre um Anjo Anunciador

A murmurar-lhe ao coração — Jesus!

 

Cada criança é o Céu que vem

Pra nos remir do pecado

E as palhas d’oiro de Belém

Espalham-se no berço, como um Sol espelhado

 

Por sobre o lar presepial , o brilho

Da estrela abre o convite dos portais:

— Vinde adorar a floração do filho

No alvoroço da raiz dos pais.

 

In Mínimos, Centro Cultural do Alto Minho, Viana do Castelo,1990.

Stefan Lochner (1410-1451) virgem adorando o meninoA