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Aproxima-se o Natal, e variando as abordagens poéticas ao acontecimento, escolhi hoje quatro poemas de Antonio Manuel Couto Viana (1923-2010) onde de Natal se fala.
Com os dois poemas iniciais lemos quanto à aproximação do Natal o peso da idade se faz sentir na lucidez de saber a vida perto do fim:
Na solidão que o apavora, / O velho corre o coração de lado a lado.
Recorda um deus: um deus criança,
…
Conformar-se, porquê, com o Natal dos velhos?
ou ainda
Eu, para aqui ajoelhado, / A memória da infância a pedir-me alegria,
Depois, a dificuldade de todos os dias ser e fazer a vida no espírito do Natal para um homem religioso:
Mas, ai! a adoração dura-me instantes! / Em breve irei negá-lo / Três vezes, antes
De cantar o galo!
Finalmente a assimilação de Natal a cada novo nascimento.
Quando na mais sublime dor, / A mulher dá à luz, / Há sempre um Anjo Anunciador / A murmurar-lhe ao coração — Jesus!
Na aparente simplicidade do verso, a mestria de uma arte versificatória para saborear.
Que longa espera, noite fora!
Virá o anjo? Trará recado?
Na solidão que o apavora,
O velho corre o coração de lado a lado.
Recorda um deus: um deus criança,
Sem a ciência entre os doutores.
E sem espada. E sem balança.
Coroado de inocência e flores.
A bela imagem diluída
De uma passada madrugada
Que lhe foi vida,
Antes de a vida não lhe ser nada.
Conformar-se, porquê, com o Natal dos velhos?
Cenário literário dos Natais:
A manta nos joelhos,
Lareira acesa, a mesa com cristais…
A neve, sim, que a tem
No cabelo e também no coração.
— Nascerá hoje alguém
Que o leve, puro e ardente, pela mão?
In Pátria Exausta, Editorial Verbo, Lisboa 1971.
Cenário de Natal sem o Natal
Nenhuma estrela luz, com mais brilho no céu.
Não oiço rumor d’asa ou de vagido
É meia-noite já. E ainda não nasceu.
O que terá acontecido?
Eu, para aqui ajoelhado,
A memória da infância a pedir-me alegria,
Todo o presépio armado
… E a mangedoira vazia!
O silêncio apavora:
Nem uma loa, nem o som de um sino.
Porquê tanta demora?
Não mais irá nascer o meu menino?
Nenhum sinal de sobrenatural
No cenário onde a fé não sublima nem arde.
Por isso, o meu Natal
Vai chegar tarde.
(Para sempre tarde?)
In Mínimos, Centro Cultural do Alto Minho, Viana do Castelo,1990.
Natal tão pouco
Nasceu em Belém, ou Nazaré
(A nova teoria),
Este que nos é
O Pai-Nosso em cada dia?
Que importa onde nasceu,
Se num presépio, se num leito?
A verdade sou eu
A aguardá-lo no peito.
Pois abro o coração
Pra o receber,
Quer venha ou não
Do céu ou ventre de mulher.
Mas, ai! a adoração dura-me instantes!
Em breve irei negá-lo
Três vezes, antes
De cantar o galo!
8.12.2005
In Disse e Repito, Averno, 2008.
Natal cada Natal
Quando na mais sublime dor,
A mulher dá à luz,
Há sempre um Anjo Anunciador
A murmurar-lhe ao coração — Jesus!
Cada criança é o Céu que vem
Pra nos remir do pecado
E as palhas d’oiro de Belém
Espalham-se no berço, como um Sol espelhado
Por sobre o lar presepial , o brilho
Da estrela abre o convite dos portais:
— Vinde adorar a floração do filho
No alvoroço da raiz dos pais.
In Mínimos, Centro Cultural do Alto Minho, Viana do Castelo,1990.
Agradeço e retribuo. Feliz Natal para si.
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obrigada pela partilha e um Santo Natal!!
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