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Há dias o jornal Washington Post trazia uma história comoventemente contada do reencontro, tarde na vida, de dois outrora adolescentes apaixonados, uma jovem brasileira e um jovem italiano, que as convenções sociais da época afastaram. Na história, contada pela neta, dizia-se que a avó, agora septuagenária, tendo andado os últimos anos a fugir da vida, ganhara um entusiasmo novo com este reencontro. Esta história ilustra exactamente a negação do que António Manuel Couto Viana (1923-2010) no poema É Tarde escreve a concluir:
…
Futuro, que queres de mim?
Fechei pra demolição
Escrevo fé, leio fim.
E tu não.
É evidentemente uma leitura restritiva das amplas implicações do poema extensivas que são, do eu às condições da circunstancia que o rodeia.
Para o Futuro nunca é tarde, qualquer que seja a idade e a vida que nos envolve, ainda que nem sempre seja fácil tê-lo presente.
É Tarde
Futuro, passei a idade
De passar a novo rumo:
Preso nesta sociedade
Me consumo.
Ainda me restam restos
De poesia e de coragem?
Não servem pra manifestos
Nem mensagens.
Irão na próxima leva,
Quando o pão for raro e ralo.
Depois, na fome da treva,
Tremo e calo.
Futuro, que queres de mim?
Fechei pra demolição
Escrevo fé, leio fim.
E tu não.
— 2 de Maio de 1970 —
Publicado em Pátria Exausta, 1971. Prémio da Academia das Ciências de Lisboa.
Transcrito de 60 Anos de Poesia, INCM, Lisboa, 2004.
Abre o artigo a imagem de uma pintura de Picasso (1881-1973) O artista e o seu modelo de 1914.
Conheci bem o Manuel Couto Viana, grande poeta. MInhoto…É bom recordar, de vez em quando, limpa as almas do quotidiano banal.
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Quem não recorda / não vive / … . Versos lapidares de um seu poema, Yvette Centeno, que há anos transcrevi no blog, e amiúde recordo. É verdade! Faz bem à alma recordar.
Obrigado pelo comentário e até breve.
Carlos Mendonça Lopes
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