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Sobre tradução de poesia – poema de Zbigniew Herbert

26 Segunda-feira Nov 2012

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poetas e Poemas

≈ 1 Comentário

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Giorgio De Chirico, Herberto Helder, Jorge Sousa Braga, Zbigniew Herbert

 

Ao escolher poemas noutras linguas para o blog algumas vezes encontro versões em português, outras não sei que existam e aí, traduzi-los seria o caminho óbvio. Acaba por ser muitas vezes o receio de perder as subtilizas da língua original de um poema o que me tolhe quando coloco esses poemas no blog sem qualquer tradução a acompanhar.

Na labuta de aproximação à nossa língua de um poema que nos encanta, há muito dos trabalhos de sedução no processo amoroso: há um terreno virgem a percorrer no encontrar a palavra certa para flanquear o caminho do verso, culminando no prazer final de atingir o auge que é a conclusão de um poema.

De toda esta empreendedora tarefa nos dá conta em belas imagens na luta do besouro com a flor, o poema de Zbigniew Herbert (1924-1998) – Sobre tradução de poesia – que hoje vem ao blog, vertido em português pela genialidade de Herberto Hélder.

Herberto Hélder, além da sua obra poética singular, tem um conjunto vasto de poemas de diversas proveniências, mudados para português, como o próprio se lhes refere, dos quais este saboroso e dúplice tratado sobre tradução poética é um dos meus preferidos.

– Sobre tradução de poesia –
(Zbigniew Herbert)

Zumbindo um besouro pousa
numa flor e encurva
o caule delgado
e anda por entre filas de pétalas folhas
de dicionários
e vai direito ao centro
do aroma e da doçura
e embora transtornado perca
o sentido do gosto
continua
até bater com a cabeça
no pistilo amarelo

e agora o difícil o mais extremo
penetrar floralmente através
dos cálices até
à raiz e depois bêbado e glorioso
zumbir forte:
penetrei dentro dentro dentro
e mostrar aos cépticos a cabeça
coberta de ouro
de pólen

Tradução de Herberto Helder publicada a abrir o livro OUOLOF poemas mudados para português por Herberto Helder, Assírio & Alvim, Lisboa 1997.

A tradução poética continua matéria de controvérsia, ainda que para mim, enquanto leitor, a preferência vá sempre para a tradução que em português fala comigo, a uma qualquer versão em que a fidelidade lexical seja o propósito. As versões de Herberto Hélder são certamente um caso extremo no afastamento da fidelidade lexical, e, com rara felicidade, são sempre novos poemas acrescentados à língua portuguesa, como se nela tivessem sido criados de raiz. Para o avaliar convido o leitor a seguir a versão portuguesa do mesmo poema que hoje nos ocupa, agora por Jorge Sousa Braga:

SOBRE A TRADUÇÃO DE POESIA

Como um abelhão desajeitado
pousa numa flor
vergando o frágil caule
abre caminho com os cotovelos
através duma fileira de pétalas
através das folhas de um dicionário
quer chegar
onde se concentram a fragrância e a doçura
e embora esteja constipado
e sem gosto
continua a tentar
até que a cabeça choca
contra o pistilo amarelo

e não consegue ir mais longe
é tão duro
forçar a coroa
até chegar à raiz
por isso levanta voo
emerge pavoneando-se
zumbindo
eu estive lá
e aqueles
que não acreditam nisso
olhem para o seu nariz
amarelo de pólen

Versão de Jorge Sousa Braga a partir da versão inglesa de Czeslaw Milosz. Publicado em Zbigniew Herbert, Escolhido pelas Estrelas, antologia poética, Assírio & Alvim, Lisboa 2009.

Ilustra o artigo a pintura de Giorgio De Chirico, As Musas Inquietas (eventualmente inquietas com os problemas levantados pela tradução de poesia).

 

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Zbigniew Herbert — Poemas do Senhor Cogito

13 Terça-feira Nov 2012

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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Zbigniew Herbert

 

Apresento hoje aos leitores do blog que os não conheçam, alguns poemas do Senhor Cogito.

Criatura peculiar, segundo alguns altar ego do poeta Zbigniew Herbert (1924-1998), os seus poemas faiscam. Ao lê-los, muitas vezes o mundo organiza-se dando coerência ao puzzle quotidiano.

Embora a poesia de Zbigniew Herbert (1924-1998) seja mais que os poemas do Senhor Cogito, bastariam estes para nos fazer guardar-lhe a obra e o nome.

Trabalhador do pensamento, o Senhor Cogito imagina, pensa, reflecte, e nós com ele caminhamos pelo mundo substancialmente mais despertos. Ora vejam:

O SENHOR COGITO E A IMAGINAÇÃO

1

O Senhor Cogito sempre desconfiou
dos ardis da imaginação

do piano no cume dos Alpes
do qual saíam notas falsas

não apreciava os labirintos
as esfinges inspiravam-lhe desgosto

habitava uma casa sem cave
sem espelhos nem dialéctica

as selvas de quadros compulsivos
não eram a sua pátria

elevava-se raramente
nas asas da metáfora
para cair de seguida como Ícaro
nos braços da Grande Mãe

adorava tautologias
a explicação
idem per idem

que o pássaro é um pássaro
a servidão servidão
o cutelo um cutelo
a morte morte

amava
o horizonte plano
a linha recta
a atracção exercida pela terra

2

o Senhor Cogito será arrumado
na categoria minores

acolherá com indiferença o veredito
dos homens de letras

utilizava a imaginação
para outros fins
queria fazer dela
um instrumento de compaixão

desejava compreender a fundo

– a noite de Pascal
– a natureza do diamante
– a melancolia dos profetas
– a cólera de Aquiles
– a loucura dos assassinos em massa
– os sonhos de maria Stuart
– o medo neandertaliano
– o desespero dos últimos Aztecas
– a longa agonia de Nietzsche
– a alegria do pintor de Lascaux
– a ascensão e a queda do carvalho
– a ascensão e a queda de Roma

de forma a ressuscitar os mortos
e a manter a aliança

a imaginação do Senhor Cogito
segue um movimento pendular

passa com precisão
de sofrimento para sofrimento

não tem lugar
para fogos de artificio poético

o Senhor Cogito quer permanecer fiel
a uma incerta claridade

O SENHOR COGITO E O PENSAMENTO PURO

O Senhor Cogito esforça-se
por atingir o pensamento puro
ao menos antes de adormecer

mas o esforço
é o início do fracasso

com efeito mal chega
a um estado onde o pensamento é como a água
uma grande água pura
de uma praia impassível

a água de repente encrespa-se
e a onda traz
latas
madeira
uma madeixa de cabelos

na verdade o Senhor Cogito
não está inteiramente imaculado
não podia arrancar
o seu olho interior
da caixa de correio
tinha nas narinas o odor do mar
os grilos acariciavam a sua orelha
e debaixo do cinto sentia a mão ausente

era mediano como outros
pensamentos dotados
a pele da mão tocando os braços da poltrona
uma ruga de sensibilidade
no rosto

um dia
um dia qualquer
logo que arrefecer
atingirá o satori

e será como aconselham os mestres
vazio e
surpreendente

Olhando o fascinante fervilhar de ideias que cruza a nossa sociedade em todas as direcções: politicas, económicas, culturais, ocorre-me a influência nesse movimento da experiência do Senhor Cogito:

e andam em círculos
à procura de um grão
…
não mudam de lugar
porque não têm aonde ir

O SENHOR COGITO E O MOVIMENTO DAS IDEIAS

As ideias passam pela cabeça
diz uma expressão corrente

a expressão corrente
sobrestima a circulação de ideias

a maior parte delas
permanece imóvel
no meio de uma paisagem pesada
de outeiros ermos
e árvores ressequidas

por vezes atingem
a corrente rápida de outro pensamento
acampam na margem
sobre um só pé
como as garças famintas

com tristeza
recordam-se das nascentes secas

e andam em círculos
à procura de um grão

não atravessam
porque não chegariam a nenhum lado

não mudam de lugar
porque não têm aonde ir

permanecem empoleiradas nas pedras
torcendo as mãos

debaixo do céu
pesado
e baixo
do crânio

Como o mundo não podia ser perfeito, o Senhor Cogito tem um problema com a sua alma:

abandona o seu corpo vivo
sem uma palavra de despedida

durante meses durante anos diverte-se
em outros continentes
para além dos seus limites

não é fácil saber onde se encontra
não dá notícias

mas nos dois poemas que seguem conheceremos não só a evolução do problema como o seu estado actual.

A ALMA DO SENHOR COGITO

Diz-nos a história
que ela abandona o corpo
quando o coração pára de bater

com o último suspiro
parte calmamente
para as pastagens celestiais

a alma do Senhor Cogito
comporta-se de maneira diferente

abandona o seu corpo vivo
sem uma palavra de despedida

durante meses durante anos diverte-se
em outros continentes
para além dos seus limites

não é fácil saber onde se encontra
não dá notícias

evita contactos
não escreve uma carta

não se sabe quando regressará
pode ser que tenha partido para sempre

o Senhor Cogito quer superar
os seus ciúmes primitivos

pensa bem da sua alma
pensa nela com ternura

ela deve poder viver
em outros corpos

não há almas suficientes
para toda a humanidade

o Senhor Cogito aceita o seu destino
sabe que não tem alternativa

nem tenta dizer
– a minha alma

pensa na sua alma com afecto
com uma terna solicitude

e quando ela de repente
regressa
não diz
– ainda bem que estás de volta

olha apenas através do canto do olho
como ela se senta ao espelho
e penteia o cabelo
– emaranhado e cinzento

A POSIÇÃO ACTUAL DA ALMA DO SENHOR COGITO

desde há algum tempo
que o Senhor Cogito
traz a alma
no braço

quer dizer
pronta para voar

colocar
a alma no braço
é uma operação delicada
deve ser feita
sem pressas febris
ou cenas familiares
de guerras
evacuações
cidades sitiadas

a alma gosta de assumir
varias formas
agora é uma pedra
crava as suas garras
no braço esquerdo do Senhor Cogito
e fica à espera

pode abandonar
o corpo do Senhor Cogito
enquanto ele dorme
ou pode partir
à luz do dia
em completa consciência
breve como o assobio
de um espelho quebrado

por agora
senta-se no seu braço
pronta para voar

E voemos nós com ela neste mundo onde o nonsense nos permite alguma alegria.

Nota final

Não sei que significado terá pretendido atribuir o poeta ao nome do seu altar ego, mas agrada-me pensar que o sentido do nome decorre directamente do significado do verbo latino:

cogito, as, are, avi, atum – pensar, reflectir, remoer no espírito.

Versões dos poemas por Jorge Sousa Braga a partir das versões em inglês de Czeslaw Miloz, publicadas em Zbigniew Herbert, Escolhido pelas Estrelas antologia poética, Assírio & Alvim, Lisboa 2009.

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Juan Gris — o outro cubista, com OS OBJECTOS de Zbigniew Herbert

06 Segunda-feira Ago 2012

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poetas e Poemas

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Juan Gris, Zbigniew Herbert

Apesar de ser um nome menos divulgado e a sua pintura menos conhecida, a obra de Juan Gris (1887-1927) permanece como a mais lírica de entre a pintura cubista. Integrando o grupo de Braque e Picasso em 1907, quando as primeiras manifestações cubistas surgiram, a curta vida do pintor fez com que a sua obra de maturidade se centre nesta visão da pintura, de onde a perspectiva a partir de um único ponto observador desapareceu.
Para o que me ocupa no blog, é irrelevante o efectivo papel do pintor na génese desta revolução na arte ocidental e qual a sua posição hierárquica no seio dela.
Gosto da sua pintura, do calor que a paleta transmite aos objectos das suas natureza mortas, e sobretudo da harmonia na composição/decomposição que as suas pinturas respiram.
Autor de alguns retratos abordados do ponto de vista do cubismo, neles observamos o essencial da figura humana, servindo a côr para nos transportar ao calor da personalidade retratada, qual seja o caso desta mulher com cesto que vem a seguir, ou o retrato da mulher do pintor com que o artigo abre.

Deixo-vos agora com um grupo de pinturas de objectos, a que no final OS OBJECTOS de Zbigniew Herbert (1924 – 1998) dará o complemento poético.

OS OBJECTOS

Os objectos inanimados estão sempre em ordem e nós infelizmente não temos nada a censurar-lhes. Nunca vi uma poltrona trocar de pé ou uma cama erguer-se nas pernas traseiras. E as mesas, mesmo quando estão fatigadas, não se põem de joelhos. Suspeito que os objectos se comportam assim por razões pedagógicas: para nos censurarem constantemente pela nossa instabilidade.

Tradução de Jorge Sousa Braga a partir da versão inglesa de Czeslaw Milosz. Publicado por Assírio & Alvim, Lisboa 2009

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Notícias do Paraíso, também por Zbigniew Herbert (1924 – 1998)

03 Sexta-feira Ago 2012

Posted by viciodapoesia in Convite à fotografia, Poetas e Poemas

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carlos mendonça lopes, Zbigniew Herbert

Anoitecera há pouco.

Por quilómetros estendia-se o areal deserto.

No horizonte do mar surgiam ao longe as silhuetas dos apanhadores de conquilha.

Do azul rosado do poente ergue-se majestosa a lua, cheia, neste Agosto de prazer.

Corre sobre o mar uma ligeira brisa temperando o ar quente que se mantém acima dos 30ºC.
Lambendo a areia da baixa-mar vêm as ondas mansas marulhar junto ao corpo que deitado se enleva nesta doçura de paraíso. E o banho, inevitável, surge. Qual Adão antes do pecado original, mergulho e aí vou, em movimentos que parecem surgir naturalmente, no indescritível prazer do fluir da água até ao mais recôndito da alma.

É de um outro paraíso que nos fala o poema de Zbigniew Herbert (1924 – 1998) que hoje transcrevo. Eivado dos pressupostos cristãos e longe do panteísmo por onde acima andei, afirma ele, como verdade revelada, que “na verdade no paraíso vive-se melhor do que em qualquer outro lado“. Todos aceitamos que sim. Por isso mesmo se chama paraíso!
De qualquer forma, é comovente a visão que nos descreve dos proletários celestes: envergonhados debaixo ds braços carregam as suas asas como violinos.
Ao genial poeta polaco regressarei com mais detalhe.

Notícias do Paraíso

No paraíso a semana de trabalho é de trinta horas
os salários são elevados e os preços descem regularmente
o trabalho manual não é cansativo (devido à reduzida gravidade)
derrubar árvores não é mais pesado do que dactilografar
o sistema social é estável e as leis são sábias
na verdade no paraíso vive-se melhor do que em qualquer outro lado

A principio era para ter sido diferente
círculos luminosos coros e graus de abstracção
mas não foram capazes de separar completamente
o espirito da carne de tal modo que quem chega
traz sempre uma gota de gordura uma fibra de músculo
foi necessário enfrentar as consequências
misturar um grão de absoluto com um grão de argila
mais um desvio da doutrina o ultimo desvio
só o apostolo João o entreviu: ressuscitaremos na carne

São poucos os que acreditam em Deus
isso é só para aqueles cem por cento pneuma
os outros ouvem os comunicados sobre milagres e dilúvios
um dia Deus revelar-se-á a todos
quando irá isso acontecer ninguém sabe

Como agora todos os sábados ao meio-dia
as sirenes tocam docemente
e das fábricas saem os proletários celestes
envergonhados debaixo ds braços carregam as suas asas como violinos

Tradução de Jorge Sousa Braga a partir da versão inglesa de Czeslaw Milosz.

Publicado por Assírio & Alvim, Lisboa 2009

 

 

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