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Tag Archives: António Dinis da Cruz e Silva

As cadeias do amor num epigrama de Paulo Silenciário e o seu eco em António Dinis da Cruz e Silva

19 Domingo Maio 2019

Posted by viciodapoesia in Poesia Grega, Poesia Portuguesa antiga

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António Dinis da Cruz e Silva, Paulo Silenciário

A força com que o amor nos prende é um mistério que tem permanecido insolúvel pelos séculos. Pensar que com ele rompemos tão logo o queiramos é a ilusão dos neófitos. A curiosidade de o experimentar leva ao desejo de o conhecer melhor. À medida que a ele nos entregamos fazem-se mais fortes as amarras com que nos prende. Invisíveis são, mas estão lá, e rompê-las acaba por ser a custo emocional elevado.

Fazendo uso de uma metáfora impressiva, Paulo Silenciário (séc. VI) primeiro, e António Dinis da Cruz e Silva (1731-1799) numa paráfrase do poema daquele, mostram-no de forma eloquente:

Epigrama de Paulo Silenciário

 

O cabelo

 

Arrancando um cabelo da dourada cabeleira,

Dóris atou as minhas mãos como um prisioneiro de guerra.

A princípio ri às gargalhadas, pensando

que sacudiria facilmente as cadeias da minha Dóris.

Mas, sem forças para as romper, comecei a gemer

como se estivesse preso por grilhetas de ferro.

E agora, três vezes infeliz, vivo suspenso de um cabelo,

seguindo amarrado para onde a minha amante me leva.

 

Tradução de Albano Martins

in Antologia da Poesia Grega Clássica, Edições Afrontamento, Porto, 2011.

 

 

Soneto de António Dinis da Cruz e Silva

Centúria II

Soneto XCI

 

Parafraseando o epigrama grego de Paulo Silenciário

 

Estava eu com Licori à sombra fria

De um florido murtal de Amor tratando;

A Ninfa, seu poder exagerando,

Mil prodígios contou, de que eu me ria.

 

Ela porque eu pagasse a zombaria,

E de Amor fosse a força em mim provando,

Um cabelo das tranças arrancando,

Ambas as mãos com ele me prendia.

 

Zombei eu ao princípio destes laços;

Pois ao ver sua frágil contextura

Cri, que pronto os faria em mil pedaços.

 

Mas logo conheci minha loucura;

Que depois quis em vão soltar os braços,

E a prisão cada vez sinto mais dura.

 

Obras de António Dinis da Cruz e Silva vol. II, edição de Maria Luísa Malaquias Urbano, Edições Colibri, Lisboa 2001.

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Egon Schiele (1890-1918), Nu feminino e masculino de 1913.

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Um apólogo de António Dinis da Cruz e Silva

05 Domingo Maio 2019

Posted by viciodapoesia in Poesia Portuguesa antiga

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António Dinis da Cruz e Silva

Comecemos com um esclarecimento aos menos informados do que é um apólogo:
Apólogo — historieta mais ou menos longa, que ilustra uma lição de sabedoria e cuja moralidade é expressa como conclusão. E para instrução e recreio de meninos e crescidos venho hoje com um apólogo de António Dinis da Cruz e Silva (1731-1799) cuja lição o poeta explica assim:

…
Deste conto consiste a inteligência
Em quanto erra e se engana tristemente
Quem se move a julgar pela aparência.

Deliciosa história de rato e gato onde o galo tem papel essencial, ela mostra-nos simultaneamente os riscos inesperados da vida quando levados pela curiosidade de a viver; o valor de bons conselhos; e como podemos ser ajudados pelos outros sem que nada peçam em troca.

O poema é uma pequena jóia de elegância narrativa e versificatória em rima perfeita emparelhada aabb, quase sempre rica, e às vezes rara, com a moralidade em rima alternada aba.

Apólogo IV

Um rato que a primeira vez saía
Do sombrio buraco, onde vivia,
Ao ver-se sobre a terra, quanto olhava
Espanto tudo, e admiração lhe dava.
Mas o que mais lhe tinha embelezado
Era a pele de um gato bem malhado,
Que meneando a cola, se dispunha
Nele a empolgar a retorcida unha:
Quando um galo emproado passeando
No meio de ambos se meteu cantando.
O ratinho de o ver, todo medroso,
No buraco se esconde pressuroso;
Onde a mãe, que impaciente há muito o espera,
Lhe pergunta o que viu e o detivera.
Mil coisas vi, que de prazer me encheram,
E ali (lhe torna o filho) me prenderam.
Mas entre todas, o que vi mais belo
Foi, mãe, um animal branco e amarelo,
Que os olhos tendo sobre mim pregados,
De longe me fazia mil agrados;
Mas outro que em dois pés só se sustinha,
E uma coroa na cabeça tinha,
Gritando a mim se volve cheio de ira,
E me matara, se lhe não fugira.
Então a mãe lhe diz: Filho inocente,
O animal, que te olhava brandamente,
Devorar-te queria, carniceiro;
E esse, de quem fugindo vens ligeiro,
Da morte te livrou, e foi tua guarda:
Dele não temas, do outro te resguarda.

Deste conto consiste a inteligência
Em quanto erra e se engana tristemente
Quem se move a julgar pela aparência.

 

Escolho publicar este artigo no Dia da Mãe em Portugal para uma homenagem singela às mães que guiam seus filhos nos primeiros passos da vida, alertando para os perigos que ela traz, ainda que raramente eles as levem em atenção, até que seja demasiado tarde. Acresce à homenagem o apreço com que contra ventos e marés, sejam os filhos patinhos feios ou cisnes, a eles se entregam vida fora, no esforço de que apenas o bem lhes aconteça.

 

Nota bibliográfica e iconográfica

Obras de António Diniz da Cruz e Silva vol. II, edição de Maria Luísa Malaquias Urbano, Edições Colibri, Lisboa 2001.

O número IV que acompanha o apólogo é o da edição referida acima.

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Georg Schrimpf (1889-1938), Retrato de criança.

 

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Um soneto de António Dinis da Cruz e Silva a pretexto do Julgamento de Páris

11 Quarta-feira Set 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poesia Antiga

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António Dinis da Cruz e Silva, Julgamento de Páris, Lucas Cranach o Velho

Cranach_the_Elder_Lucas-Saxon_Princesses_Sibylla_Emilia_and_Sidonia 1530-35Em jeito de paródia ao artigo sobre o Julgamento de Páris, associo esta pintura de Lucas Cranach o Velho (1472-1553) a um soneto de António Dinis da Cruz e Silva (1731-1799) por este enviado a três irmãs, e onde evoca o julgamento de Páris.

Absorto entre as três deusas duvidava

Páris a qual o pomo entregaria:

Sem véu as perfeições de todas via,

E quanto via mais, mais vacilava:

 

Se qualquer de per si atento olhava,

Em seu favor a lide decidia,

Mas logo resolver-se não sabia

Quando juntas depois as contemplava.

 

Enfim um não sei quê, que a Natureza

Mais liberal com Vénus repartira,

O move a dar-lhe o prémio da beleza.

 

Ah! Se igual entre vós lide se vira,

O mesmo Páris cheio de incerteza

Nunca a grande contenda decidira.

Soneto LIII do vol. I das Obras de António Dinis da Cruz e Silva.

O retrato, pintado por Lucas Cranach o Velho respeita às princesas da Saxónia: Sibyla, Emília e Sidónia, feito entre 1530-35.

Termino com três dos Julgamentos de Páris por Lucas Cranach o Velho, mestre cuja pintura me encanta.

Nelas o nosso Páris é um guerreiro armado até aos dentes e aparentemente exausto pela ciclópica tarefa deste julgamento, enquanto as deusas exibem de forma insinuante os seus argumentos.

 Lucas Cranach o Velho -O Julgamento de Páris - 1512-14

Lucas Cranach o Velho -O Julgamento de Páris - 1530

Lucas Cranach o Velho -O Julgamento de Páris - 1528-II

 

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