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Category Archives: Poesia Hispano-americana

Todo o mundo está aqui, no teu corpo — Gustavo Cobo Borda

18 Terça-feira Fev 2020

Posted by viciodapoesia in Poesia Hispano-americana

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Juan Gustavo Cobo Borda, Willem de Kooning

E de novo relatos de paixão e seu fim reflectidos na poesia. Hoje traduzo poemas do colombiano Juan Gustavo Cobo Borda (1948). Primeiro a notícia de uma paixão, talvez clandestina, no poema Teu corpo: O mundo, que sobretudo conta como o mergulho físico no outro deixa o resto do mundo para trás:

…

Lá fora o mundo, monótono como uma tragédia.

Carácter que modificou a força única de um beijo,

todo o mundo está aqui, no teu corpo.

 

Depois, em Romance de ocasião, a vertigem de uma paixão e o seu fim:

 

Supostamente não era o tempo mais adequado 

para nos unirmos, sedentos um do outro, 

por hotéis efémeros 

que ainda ardem na memória. 

…

Hoje, quando o pranto angustiado

buscar em vão um pouco de paz 

só vejo a minha mão acariciando a tua nuca;

a tua, repousando no meu ventre. 

…

Aprenderei, é certo, uma nova forma de estar só,

carente da impetuosa confiança que me davas 

…

 

E enquanto houver mundo, notícia poética teremos deste vai-vem ao abismo dos sentidos.

Vamos aos poemas.

 

 

Teu corpo: O mundo

 

Lá fora o mundo e as suas pequenas misérias.

Aqui a difícil ciência do abraço,

a lentidão com que aprendo as tuas costas,

a arte de delapidar o tempo 

no descobrimento cauteloso do outro corpo.

Lá fora o aborrecido lastro do que fomos 

e esse manchado nome que não nos pertence.

Aqui, ao contrário, a inerme vulnerabilidade

do que sentimos pela primeira vez.

Lá fora os olhos que nos julgam 

as desculpas que devemos inventar para alcançar o êxtase,

essas mentiras nas quais nem nós mesmos acreditamos.

Aqui o compassado ballet 

graças ao qual as almas se amoldam,

isentas de qualquer remorso.

Lá fora o mundo e os seus mexericos néscios

tratando de contaminar este pudor que treme.

Lá fora o mundo, monótono como uma tragédia.

Carácter que modificou a força única de um beijo,

todo o mundo está aqui, no teu corpo.

 

Poema original em Todos los poetas son santos e irán al cielo 

 

Romance de ocasião

 

Supostamente não era o tempo mais adequado 

para nos unirmos, sedentos um do outro, 

por hotéis efémeros 

que ainda ardem na memória. 

Mas nunca há outro tempo senão este 

quando o passado por resolver fica atrás 

e uma ténue capa de beijos estanca a ferida.

Este, em que entro em ti 

e teu corpo formula a sua obscura exigência.

Hoje, quando o pranto angustiado

buscar em vão um pouco de paz 

só vejo a minha mão acariciando a tua nuca;

a tua, repousando no meu ventre. 

Uma cidade hostil 

onde o teu rosto arrasado me diz adeus 

com uma determinação que ignorava.

Aprenderei, é certo, uma nova forma de estar só,

carente da impetuosa confiança que me davas 

e todavia, perdoa por dizê-lo,

cuspirei cem vezes 

sobre o excessivamente feliz que me fizeste.

 

Poema original em Salón de té

 

 

Lúcido, o poeta, não só escreveu o que acima lemos, mas interrogando-se sobre o seu propósito não deixa também de o reflectir em Poética:

…

Para quê aumentar as dúvidas,

reviver antigos conflitos,

imprevistas ternuras;

esse pouco de ruído

acrescentado a um mundo

que o ultrapassa e anula?

…

poema com que termina esta curta viagem, e assim dando voz à eterna dúvida dos poetas sobre a relevância do seu escrever.

 

 

Poética

 

Como escrever agora poesia,

porque não calarmo-nos definitivamente 

e dedicarmo-nos a coisas muito mais úteis?

Para quê aumentar as dúvidas,

reviver antigos conflitos,

imprevistas ternuras;

esse pouco de ruído

acrescentado a um mundo

que o ultrapassa e anula?

Aclara-se algo com semelhante novelo?

A ninguém faz falta.

Resíduo de velhas glórias,

a quem acompanha, que feridas cura?

 

Poema original em Consejos para sobrevivir, 1974.

 

Traduções de Carlos Mendonça Lopes a partir dos originais incluídos em Antología, La poesía del sigilo XX em Colombia, Visor Libros, Madrid, 2006.

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Willem de Kooning (1904-1997), Abstracção de 1949-50, da colecção do Museo Nacional Thyssen-Bornemisza, Madrid.

 

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O amor e o seu fim em dois poemas de María Mercedes Carranza

09 Domingo Fev 2020

Posted by viciodapoesia in Poesia Hispano-americana

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Colin Self, María Mercedes Carranza

Há um cerrar os dentes e seguir em frente na poesia da colombiana María Mercedes Carranza (1945-2003) quando fala do amor e do seu fim. Para transmitir a desolação e desamparo de um amor que acabou, a poetisa encontra a linguagem seca e sem adornos que transmite a força dos factos e a necessidade de os enfrentar. Sem subterfúgios ou circunlóquios, na lanhesa do verso surge a força da vontade de continuar a vida para além dos desencantos amorosos, seja no poema Ode ao amor ou no poema Acontece Acontecer que escolhi traduzir para o ilustrar.

 

 

Ode ao Amor

 

Uma tarde que jamais esquecerás 

chega a tua casa e senta-se à mesa. 

Pouco a pouco terá um lugar em cada divisão, 

nas paredes e nos móveis estarão as suas marcas,

desfazer-te-á a cama, amachurará a almofada.

Os livros da biblioteca, precioso tecido de anos,

acomodar-se-ão ao seu gosto e semelhança, 

mudarão de lugar as fotos antigas.

Outros olhos observarão os teus hábitos, 

o teu e vir entre paredes e abraços 

e serão diferentes os ruídos quotidianos e os cheiros.

Certa tarde que jamais esquecerás 

o que estragou tua casa e habitou tuas coisas 

sairá pela porta sem dizer adeus.

Deverás começar a fazer de novo a casa,

reacomodar os móveis, limpar as paredes,

mudar as fechaduras, rasgar retratos,

varrer tudo isso e seguir vivendo.

 

 

Acontece acontecer

 

Depois de alguns anos

de não o ver,

de novo nos encontrámos.

Não o desejo, como antes,

mas a nostalgia

daqueles dias de desejo

nos levou à cama.

A alegria de então

foi ternura, e o gozo

e a voluptuosidade

só complacência.

Ambos, poderia jurá-lo,

tivemos a certeza

de havermos sobrevivido.

 

Traduções de Carlos Mendonça Lopes a partir dos originais incluídos em Antología, La poesía del sigilo XX en Colombia, Visor Libros, Madrid, 2006.

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Colin Self (1941), Two waiting women and B52 nuclear bomber, 1963, de colecção partícular.

Numa associação simbólica da pintura na imagem de abertura com os poemas traduzidos, encontramos à esquerda a mulher que, saída do desmoronamento amoroso, medita no que lhe sucedeu, qual bombardeamento nuclear simbolicamente transmitido pelo aparecer do avião bombardeiro no canto superior esquerdo da pintura, e à direita a nova mulher, segura de si, que. de frente e olhando ligeiramente para o lado, para o seu anterior eu, talvez, segue o caminho sem desfalecer.

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Ernesto Cardenal — Salmo I

29 Quarta-feira Jan 2020

Posted by viciodapoesia in Poesia Hispano-americana

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Ernesto Cardenal, Vieira da Silva

Na turbulenta e perturbada América Latina na segunda metade do século XX e até hoje, a figura humana e política de Ernesto Cardenal (1925) é quase paradigmática destes três quartos de século, onde política, religião, e comprometimento social dos intelectuais foi uma constante. Nascido na Nicarágua, Doutor pela universidade nova-yorquina de Columbia, no início dos anos 50 viajou pela Europa. Opositor ao regime de Somoza, tornou-se monge ainda nos anos 50, e mais tarde, na década de 60, padre. Aderiu ao marxismo depois de visitar Cuba. Foi ministro Sandinista e mais tarde seu opositor. Expulso da igreja católica pelo seu comprometimento político, foi já em 2019 readmitido na igreja católica pelo Papa Francisco. 

Com uma carreira poética recheada de prémios, do poeta transcrevo o Salmo I numa minha tradução. O poema foi inicialmente publicado em 1964 no livro Salmos, e para quem conheça o seu percurso político posterior é um retrato das contradições que envolveram um cidadão empenhado nas circunstâncias do seu tempo.

 

Salmo I 

 

Bem aventurado o homem que não segue as directivas do Partido

nem assiste aos seus comícios

nem se senta na mesa com os gangsters

nem com os Generais no Conselho de Guerra

Bem aventurado o homem que não espia o seu irmão

nem delata o seu companheiro de colégio

Bem aventurado o homem que não lê os anúncios comerciais

nem escuta suas rádios

nem acredita nos seus slogans

 

         Será como uma árvore plantada junto a uma fonte

 

Tradução do castelhano por Carlos Mendonça Lopes,

Poema original em Ernesto Cardenal, Antologia poética, Visor Libros, Madrid, 2009.

Abre o artigo a imagem de um cartaz de Maria Helena Vieira da Silva (1908-1992) “ A Poesia está na rua” alusivo ao 25 de Abril de 1974em Portugal.

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Pablo Neruda — Ode ao Tempo

19 Segunda-feira Ago 2019

Posted by viciodapoesia in Poesia Hispano-americana

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Pablo Neruda

Dei-me folga, e aos leitores, destas conversas com poesia em fundo. Regresso hoje para, o que espero, uma maior assiduidade, lendo Uma Ode ao Tempo por Pablo Neruda (1904-1973).

…

Envelhecer vivendo

é belo

como tudo o que vivemos.

…

 

Sentir isto é prova de enorme sabedoria. A vida, feita de alegrias e desgostos é o único quadro onde podemos ser felizes. Procurá-la sempre, a felicidade, sem descanso, é o que temos ao nosso alcance. Neste caminho, percorrê-lo quanto possível na companhia de um grande amor é parte imperdível da existência, sabendo quanto 

…

Nos teus cabelos / enreda o tempo / os seus fios, / mas no meu coração / como uma madressilva / está a tua fragrância, / incandescente como o fogo. / …

 

Quando se ama, o sonho de envelhecer juntos, já antes o escrevi aqui, é o desejo mais belo que pode coroar um grande amor, ou como escreveu Pablo Neruda: 

…

Amor, o que importa

é que o tempo,

o mesmo que ergueu como duas chamas

ou espigas paralelas

o meu corpo e a tua doçura,

amanhã os mantenha

ou os desgarre

e com os seus mesmos dedos invisíveis

apague a identidade que nos separa

dando-nos a vitória

de um único ser final sob a terra.

 

E se o inexorável avanço do tempo mostra no físico os seus sinais, a fragrância, / incandescente como o fogo. / … que o alimenta está lá para o fazer durar. É esse amor sem idade e para além do efémero da beleza física, A tua idade dentro de ti

crescendo, / a minha idade dentro de mim / andando. / … que surge cantado na Ode ao Tempo de Pablo Neruda que antes citei, e a seguir transcrevo:

 

 

Ode ao Tempo

 

A tua idade dentro de ti

crescendo,

a minha idade dentro de mim

andando.

O tempo é resoluto,

não faz soar o sino,

cresce e caminha

por dentro de nós,

aparece

como um lago profundo

no olhar

e junto às castanhas

queimadas dos teus olhos

um filamento, a pegada

de um minúsculo rio,

uma estrelinha seca

subindo para a tua boca.

Nos teus cabelos

enreda o tempo

os seus fios,

mas no meu coração

como uma madressilva

está a tua fragrância,

incandescente como o fogo.

Envelhecer vivendo

é belo

como tudo o que vivemos.

Cada dia

para nós

foi uma pedra transparente,

cada noite uma rosa negra,

e este sulco no meu ou no teu rosto

é uma pedra ou uma flor,

recordação de um relâmpago.

Gastaram-se-me os olhos na tua formosura

mas tu és os meus olhos.

Sob os meus beijos talvez tenha fatigado

os teus seios,

mas todos viram na minha alegria

o teu resplendor secreto.

Amor, o que importa

é que o tempo,

o mesmo que ergueu como duas chamas

ou espigas paralelas

o meu corpo e a tua doçura,

amanhã os mantenha

ou os desgarre

e com os seus mesmos dedos invisíveis

apague a identidade que nos separa

dando-nos a vitória

de um único ser final sob a terra.

 

Tradução de Luis Pignatelli

in Odes Elementares, Publicações Om Quixote, Lisboa, 1977.

 

Abre o artigo a imagem de uma fotografia de família e que me é especialmente querida. Mostra ela os meus pais durante o namoro, e, como era de regra à época, à janela. Se vivo, o meu pai faria hoje 100 anos. E com a publicação da foto assinalo a efeméride. A minha mãe, lúcida, e moderadamente activa, já passados os noventa anos é o elo da cadeia com quem aprendo o que é envelhecer: os medos, a serena aceitação da progressiva perda de capacidades, e a infinita generosidade; afinal o que justifica estarmos vivos.

 

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Memórias, a vida, e Onde estará a Guilhermina, poema de Pablo Neruda

25 Quinta-feira Abr 2019

Posted by viciodapoesia in Poesia Hispano-americana

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Pablo Neruda

Folheio álbuns de fotografias antigas. E ali estou eu, treze anos, quatorze anos, e juntos, amigos de um tempo de descoberta e aprendizagem, que a vida dispersou. Alguns já partiram definitivamente.

…
e depois, depois, depois, depois
é tão longo contar as coisas.

Não tenho nada para acrescentar.
…

 

Não é nostalgia o que me invade. É um filme que me corre sob os olhos a velocidade acelerada, e de trás para a frente transporta as imagens pouco claras que a memória a custo guardou.
Desses tempos de descoberta, com outras, veio a poesia de Pablo Neruda (1904-1973), numa pequena antologia superiormente traduzida por Fernando Assis Pacheco, e nela um poema que à época pouco me disse e hoje recordo na imensa sabedoria do seu significado: Onde estará a Guilhermina?

 

Onde estará a Guilhermina?

Quando a minha irmã a convidou
e eu corri a abrir-lhe a porta,
entrou o sol, entraram estrelas,
entraram duas tranças de trigo
e dois olhos intermináveis.

Eu tinha catorze anos
e era orgulhosamente calado,
magro, severo, sisudo,
funéreo e cerimonioso:
vivia com as aranhas,
humedecido pela mata,
conheciam-me os coleópteros
e as abelhas tricolores,
adormecia com as perdizes
metido todo em hortelã.

Então entrou a Guilhermina
com dois relâmpagos azuis
que atravessaram o meu cabelo
e me cravaram como espadas
contra as paredes do Inverno.
Isto aconteceu em Temuco.
Lá para o Sul, na fronteira.

Passaram lentos os anos
pisando como paquidermes,
regougando como raposas loucas,
passaram impuros os anos
crescentes, poídos, mortuários,
e eu andei de nuvem pra nuvem,
de terra em terra, de olho em olho,
enquanto a chuva na fronteira
caía, com o mesmo fato.

Caminhou o meu coração
com intransmissíveis sapatos,
e digeri muitos espinhos:
não tive tréguas onde estive:
onde eu bati, bateram-me,
onde me mataram caí
e ressuscitei com frescura,
e depois, depois, depois, depois
é tão longo contar as coisas.

Não tenho nada para acrescentar.

Vim viver para este mundo.

Onde estará a Guilhermina?

Transcrito de Pablo Neruda, Antologia Breve, tradução e selecção de Fernando Assis Pacheco, Publicações D. Quixote, Lisboa, 1969.

 

Naufragada a barca dos sonhos, fica-nos a vida vivida e a memória dela.

Abre o artigo a imagem de uma pintura infantil a assinalar o 25 de Abril de 1974. O desenho à época foi publicado em livro sem identificação da criança que o fez.

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