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Na turbulenta e perturbada América Latina na segunda metade do século XX e até hoje, a figura humana e política de Ernesto Cardenal (1925) é quase paradigmática destes três quartos de século, onde política, religião, e comprometimento social dos intelectuais foi uma constante. Nascido na Nicarágua, Doutor pela universidade nova-yorquina de Columbia, no início dos anos 50 viajou pela Europa. Opositor ao regime de Somoza, tornou-se monge ainda nos anos 50, e mais tarde, na década de 60, padre. Aderiu ao marxismo depois de visitar Cuba. Foi ministro Sandinista e mais tarde seu opositor. Expulso da igreja católica pelo seu comprometimento político, foi já em 2019 readmitido na igreja católica pelo Papa Francisco. 

Com uma carreira poética recheada de prémios, do poeta transcrevo o Salmo I numa minha tradução. O poema foi inicialmente publicado em 1964 no livro Salmos, e para quem conheça o seu percurso político posterior é um retrato das contradições que envolveram um cidadão empenhado nas circunstâncias do seu tempo.

 

Salmo I 

 

Bem aventurado o homem que não segue as directivas do Partido

nem assiste aos seus comícios

nem se senta na mesa com os gangsters

nem com os Generais no Conselho de Guerra

Bem aventurado o homem que não espia o seu irmão

nem delata o seu companheiro de colégio

Bem aventurado o homem que não lê os anúncios comerciais

nem escuta suas rádios

nem acredita nos seus slogans

 

         Será como uma árvore plantada junto a uma fonte

 

Tradução do castelhano por Carlos Mendonça Lopes,

Poema original em Ernesto Cardenal, Antologia poética, Visor Libros, Madrid, 2009.

Abre o artigo a imagem de um cartaz de Maria Helena Vieira da Silva (1908-1992)A Poesia está na rua” alusivo ao 25 de Abril de 1974em Portugal.