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Rosto, espelho da alma? Certamente não. Olhar-se um ao espelho e não gostar do que vê, e mais, sentir o desacerto entre o que a imagem mostra e o sentir próprio acontece mais ou menos frequentemente a cada um, e é a reflexão superiormente levada a cabo por Marianne Moore (1877-1972) na primeira parte do poema A Face que a seguir transcrevo seguido de uma minha tradução. Depois, na segunda estrofe do poema: que deve mostrar um rosto? A impassibilidade que esconde a intimidade do ser, ou como escreve a poetisa: … o amor da ordem, ardor, insinuosa simplicidade / com uma expressão de indagação, são tudo o que alguém precisa ser!
Poema denso de implicações de como nos vemos e gostaríamos que nos vissem e recordassem: … Rosto fotografado por lembrança — / na minha opinião, a meu ver, / devem permanecer um prazer., faz-nos pensar se melhor será a neutralidade expressiva com quem nos cruzamos, ou a ilusória transparência da alma num rosto que chamamos de “comunicativo”.
A Face
“I am not treacherous, callous, jealous, superstitious,
supercilious, venomous, or absolutely hideous”:
studying and studying its expression,
exasperated desperation
though at no real impass,
would gladly break the mirror;
when love of order, ardor, uncircuitous simplicity
with an expression of inquiry, are all one needs to be!
Certain faces, a few, one or two—or one
Face photographed by recollection—
to my mind, to my sight,
must remain a delight.
in Marianne Moore, Collected Poems, privately printed for the subscribers of The Franklin Library of Pulitzer Prize Classics, USA, 1984.
Um Rosto
“Eu não sou traiçoeira, insensível, ciumenta, supersticiosa,
arrogante, venenosa ou absolutamente hedionda ”:
estudando e estudando a sua expressão,
exasperado desespero
embora sem um verdadeiro impasse,
de bom grado quebraria o espelho;
quando o amor da ordem, ardor, insinuosa simplicidade
com uma expressão de indagação, são tudo o que alguém precisa ser!
Certos rostos, poucos, um ou dois — ou um
Rosto fotografado por lembrança —
na minha opinião, a meu ver,
devem permanecer um prazer.
Tradução em português de Carlos Mendonça Lopes
Embora o paralelismo da construção sintática e morfológica do poema original se perca em português, fica-nos a originalidade da expressão na interrogação de si perante a sua imagem e o que dela deve transparecer para os outros.
Abre o artigo a imagem de uma pintura de Pablo Picasso (1881-1973), Girl Before A Mirror, de 1932, pertencente à colecção do MoMA de New York.