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Soneto pontudo por Le Sire de Chambley

07 Sábado Nov 2020

Posted by viciodapoesia in Poesia Francesa

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Edmond Haraucourt, Le Sire de Chamble, Pablo Picasso

Hoje é uma brincadeira erótico-gráfica que trago ao convívio dos leitores: o Sonnet pointu (ou Soneto pontudo como lhe chamei) por Le Sire de Chambley, pseudónimo de Edmond Haraucourt (1856-1941).

O soneto desenvolve-se graficamente em forma de triângulo invertido (base para cima e vértice para baixo). Suspeitando de algum mistério simbólico nessa figura geométrica, dediquei-me à pesquisa de significados por assim dizer esotéricos. E eis que num dicionário de símbolos (ver nota bibliográfica) encontro: “O triângulo com o vértice para cima simboliza o fogo e o sexo masculino; com o vértice para baixo, simboliza a água e o sexo feminino.”

Explica-se assim como Picasso (1881-1973) na sua infinita sabedoria, capta tal significado transcendente no desenho que abre o artigo.

Le Sire de Chambley, com enorme subtileza e complexa leitura, põe no poema esse sexo feminino a falar enquanto caminha para o êxtase penetrante que o nome do soneto também evoca. O aguçado do título e a arrumação dos versos em triângulo de vértice para baixo, fazem desta geometria associada ao poema um contributo suplementar na sua decifração. 

Foi essa obra suprema de poesia que certa noite forçadamente desperto, enquanto aguardava do tempo o seu passar, me entretive a trabalhar numa sua versão em português, e que o leitor encontra a seguir. Nada mais vale a pena acrescentar, a não ser, talvez, citar Camões:

…

Milhor é experimentá-lo que julgá-lo,

Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo.

…

Lusíadas Canto IX, estrofe 83

 

 

 

                            Soneto pontudo

 

  Vem, vem, amante meu!  Abro este meu desejo ao teu;

     Bem vejo como essa tua ânsia aumenta.  Regressa! 

       Sinto-te aí, intenso, duro, fundo dentro de mim…

          Ai!… Sim!… Sim!… Vem, docemente, devagar;

 

             Prolonguemos um pouco este momento…,

                Mantém suave o ritmo desse teu ardor.

                   Ai amor, morro!… Isso,  lentamente,

                      Segue-me neste meu balancear.

 

                          Rápido! Não, mais tempo!

                             Esvaio-me! Ai! Espera,

                                Sim, sim, te adoro…

 

                                   Vá!… vá!… VÁ!

                                      Ainda!… Ai!

                                             Ah !

 

Versão em português por Carlos Mendonça Lopes.

 

 

Poema original:

 

 

                          Sonnet pointu

 

Reviens sur moi!  Je sens ton amour qui se dresse;

 Viens, j’ouvre mon désir au tien, mon jeune amant.

    Là… Tiens… Doucement… Va plus doucement…

      Je sens, tout au fond, ta chair qui me presse.

 

                Rythme bien ton ardente caresse 

                   Au gré de mon balancements, 

                       O mon âme… Lentement, 

                   Prolongeons l’instant d’ivresse.

 

                      Là… Vite! Plus longtemps! 

                            Je fonds ! Attends, 

                               Oui, je t’adore… 

 

                                  Va ! va ! va ! 

                                      Encore. 

                                         Ha !

 

Nota bibliográfica

Soneto original em Le Sire de Chambley, La Legende des Sexes, Poëmes Histeriques, 1882, Impresso em Bruxelas pelo autor.

Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, Dicionário dos Símbolos, Editorial Teorema lda, Lisboa, 1994.

 

 

Abre o artigo a imagem de um desenho de Picasso (1881-1973), Fragmento de corpo de mulher (1960), da colecção do Museu Picasso de Paris. 

 

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Poemas de Carlos Maria de Araújo

20 Terça-feira Out 2020

Posted by viciodapoesia in Poesia Portuguesa do sec. XX

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Carlos Maria de Araújo, Pablo Picasso

O dia vai e noutro se encadeia

e este meu querer mais se liberta

de gestos, palavras, outras peias,

para ser

apenas

uma ideia

in Ofício de Trevas, Poema XII 

 

 

Há um desperdício no gesticular diário de cada um ao correr atrás do efémero, ou momentaneamente relevante, que no final nos deixa as mãos cheias de nada, parafraseando Irene Lisboa. Para a consciência desta vacuidade nos chama a atenção o poema de Carlos Maria de Araújo (1921-1962) com que abro o artigo.

 

São poucos poemas a obra conhecida de Carlos Maria de Araújo (1921-1962). Curta vida e edições pequenas fazem dos seus três livros publicados raridades bibliográficas. 

Talvez o nome do poeta Carlos Maria de Araújo de quem hoje transcrevo alguns poemas, seja familiar aos leitores de Hilda Hilst (1930-2004) pelos poemas de 1967, Pequenos funerais cantantes ao poeta Carlos Maria de Araújo. 

Foi Jorge de Sena quem, na edição de 1969 de Líricas Portuguesas, 3.ª Série, chamou a atenção em Portugal, em termos encomiásticos, para esta poesia: “A sua obra muito breve é por certo das mais puras e notáveis da poesia portuguesa …” e mais à frente acrescenta: “Poesia extremamente despojada e densa, de um intensa severidade formal e de vigorosa emoção contida numa expressão lapidar, é bem a de um oficiante das trevas que tão terrivelmente cobrem o mundo.”

Feita a apresentação, necessária face à pouca visibilidade pública desta poesia, vamos à escolha:

 

 

XVIII

De longe

não se sabe se é orvalho

se são contas de vidro

se apenas a tristeza

e uma flor…

 

 

XVI

Ainda se caíssemos como a noite

 

ainda se o vento nos levasse

em suas longas crinas de cavalo

 

ainda se fôssemos um gesto

de mar se alongando para o longe

 

ainda se não fôssemos semente

do grande medo que se levanta em nós

 

 

XXIII

Ofício de Trevas

 

A nossa fome

senhor

quotidiana

 

a nossa sede

de água

e de justiça

 

a carnagem do sal em nossos pés

as raízes da noite em nossos olhos

 

nosso caminho

senhor

senhor

nosso caminho

 

em nossas mãos

abertas

nosso grito

 

 

II

Oh! A terra

vermelha

do meu corpo,

que tantos pés

já pisaram

em ritmo apressado

e em todos os sentidos

mas onde

jamais alguém ficou

sequer por um instante

adormecido

sonhando

 

 

XI

Já foi um barco à vela 

este meu corpo

hoje um madeiro, algas e salsugem

 

já foi proa de aventuras

e em seu seio

vozes cantaram e arderam lumes

 

rasgou-lhe o peito o amor

um desespero

um arrecife sem nome, de tão grande

 

já foi um barco à vela

este meu corpo

hoje nudez, hoje ausências, hoje brumas

 

 

V

Elegia

 

Os dedos

que percorrem meus cabelos

e aquietam os meus olhos

que afagam os meus lábios

e seguram minha mão

que afastam minha angústia

hoje

não são 

 

 

X

Porque nunca foste nostalgia

 

porque nunca foste insónia

febre de aventura

navio

 

porque nunca foste a lua

vento nocturno

agonia

 

porque nunca foste desatino

luzir de faca

cilício

 

porque és penumbra e quietude

capela nua

vigília

 

és tu esta poesia

minha amiga

 

 

Nota bibliográfica

Poemas transcritos de Carlos Maria de Araújo, Ofício de Trevas, c/retrato e ilustrações de Clóvis Graciando, Livros de Portugal, Rio de Janeiro, 1960.

Líricas Portuguesas, 3.ª Série, vol. I, 3.ª edição, Edições 70, Lisboa, 1984.

 

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Picasso (1881-1973), O Marinheiro (1938), de colecção particular.

 

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Marianne Moore — Um Rosto

27 Segunda-feira Jan 2020

Posted by viciodapoesia in Poesia de Língua Inglesa

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Marianne Moore, Pablo Picasso

Rosto, espelho da alma? Certamente não. Olhar-se um ao espelho e não gostar do que vê, e mais, sentir o desacerto entre o que a imagem mostra e o sentir próprio acontece mais ou menos frequentemente a cada um, e é a reflexão superiormente levada a cabo por Marianne Moore (1877-1972) na primeira parte do poema A Face que a seguir transcrevo seguido de uma minha tradução. Depois, na segunda estrofe do poema: que deve mostrar um rosto? A impassibilidade que esconde a intimidade do ser, ou como escreve a poetisa: … o amor da ordem, ardor, insinuosa simplicidade / com uma expressão de indagação, são tudo o que alguém precisa ser!

Poema denso de implicações de como nos vemos e gostaríamos que nos vissem e recordassem: … Rosto fotografado por lembrança — / na minha opinião, a meu ver, / devem permanecer um prazer., faz-nos pensar se melhor será a neutralidade expressiva com quem nos cruzamos, ou a ilusória transparência da alma num rosto que chamamos de “comunicativo”.

 

A Face

 

“I am not treacherous, callous, jealous, superstitious,

supercilious, venomous, or absolutely hideous”:

            studying and studying its expression,

            exasperated desperation

                        though at no real impass,

                        would gladly break the mirror;

 

when love of order, ardor, uncircuitous simplicity

with an expression of inquiry, are all one needs to be!

            Certain faces, a few, one or two—or one

            Face photographed by recollection—

                        to my mind, to my sight,

                        must remain a delight.

 

in Marianne Moore, Collected Poems, privately printed for the subscribers of The Franklin Library of Pulitzer Prize Classics, USA, 1984.

 

 

Um Rosto

 

“Eu não sou traiçoeira, insensível, ciumenta, supersticiosa,

arrogante, venenosa ou absolutamente hedionda ”:

      estudando e estudando a sua expressão,

       exasperado desespero

               embora sem um verdadeiro impasse,

               de bom grado quebraria o espelho;

 

quando o amor da ordem, ardor, insinuosa simplicidade 

com uma expressão de indagação, são tudo o que alguém precisa ser!

       Certos rostos, poucos, um ou dois — ou um

       Rosto fotografado por lembrança —

              na minha opinião, a meu ver,

              devem permanecer um prazer.

 

Tradução em português de Carlos Mendonça Lopes

Embora o paralelismo da construção sintática e morfológica do poema original se perca em português, fica-nos a originalidade da expressão na interrogação de si perante a sua imagem e o que dela deve transparecer para os outros.

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Pablo Picasso (1881-1973), Girl Before A Mirror, de 1932, pertencente à colecção do MoMA de New York.

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