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Dei-me folga, e aos leitores, destas conversas com poesia em fundo. Regresso hoje para, o que espero, uma maior assiduidade, lendo Uma Ode ao Tempo por Pablo Neruda (1904-1973).

Envelhecer vivendo

é belo

como tudo o que vivemos.

 

Sentir isto é prova de enorme sabedoria. A vida, feita de alegrias e desgostos é o único quadro onde podemos ser felizes. Procurá-la sempre, a felicidade, sem descanso, é o que temos ao nosso alcance. Neste caminho, percorrê-lo quanto possível na companhia de um grande amor é parte imperdível da existência, sabendo quanto 

Nos teus cabelos / enreda o tempo / os seus fios, / mas no meu coração / como uma madressilva / está a tua fragrância, / incandescente como o fogo. / …

 

Quando se ama, o sonho de envelhecer juntos, já antes o escrevi aqui, é o desejo mais belo que pode coroar um grande amor, ou como escreveu Pablo Neruda

Amor, o que importa

é que o tempo,

o mesmo que ergueu como duas chamas

ou espigas paralelas

o meu corpo e a tua doçura,

amanhã os mantenha

ou os desgarre

e com os seus mesmos dedos invisíveis

apague a identidade que nos separa

dando-nos a vitória

de um único ser final sob a terra.

 

E se o inexorável avanço do tempo mostra no físico os seus sinais, a fragrância, / incandescente como o fogo. / … que o alimenta está lá para o fazer durar. É esse amor sem idade e para além do efémero da beleza física, A tua idade dentro de ti

crescendo, / a minha idade dentro de mim / andando. / … que surge cantado na Ode ao Tempo de Pablo Neruda que antes citei, e a seguir transcrevo:

 

 

Ode ao Tempo

 

A tua idade dentro de ti

crescendo,

a minha idade dentro de mim

andando.

O tempo é resoluto,

não faz soar o sino,

cresce e caminha

por dentro de nós,

aparece

como um lago profundo

no olhar

e junto às castanhas

queimadas dos teus olhos

um filamento, a pegada

de um minúsculo rio,

uma estrelinha seca

subindo para a tua boca.

Nos teus cabelos

enreda o tempo

os seus fios,

mas no meu coração

como uma madressilva

está a tua fragrância,

incandescente como o fogo.

Envelhecer vivendo

é belo

como tudo o que vivemos.

Cada dia

para nós

foi uma pedra transparente,

cada noite uma rosa negra,

e este sulco no meu ou no teu rosto

é uma pedra ou uma flor,

recordação de um relâmpago.

Gastaram-se-me os olhos na tua formosura

mas tu és os meus olhos.

Sob os meus beijos talvez tenha fatigado

os teus seios,

mas todos viram na minha alegria

o teu resplendor secreto.

Amor, o que importa

é que o tempo,

o mesmo que ergueu como duas chamas

ou espigas paralelas

o meu corpo e a tua doçura,

amanhã os mantenha

ou os desgarre

e com os seus mesmos dedos invisíveis

apague a identidade que nos separa

dando-nos a vitória

de um único ser final sob a terra.

 

Tradução de Luis Pignatelli

in Odes Elementares, Publicações Om Quixote, Lisboa, 1977.

 

Abre o artigo a imagem de uma fotografia de família e que me é especialmente querida. Mostra ela os meus pais durante o namoro, e, como era de regra à época, à janela. Se vivo, o meu pai faria hoje 100 anos. E com a publicação da foto assinalo a efeméride. A minha mãe, lúcida, e moderadamente activa, já passados os noventa anos é o elo da cadeia com quem aprendo o que é envelhecer: os medos, a serena aceitação da progressiva perda de capacidades, e a infinita generosidade; afinal o que justifica estarmos vivos.