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Aqueles imprecisos nadas que vez por outra nos assaltam, e no seu inesperado criam uma insatisfação do existir, capta Fernando Pessoa (1888-1935) no poema  O peso de haver o mundo. É a sensação de um vago desejo de mudança, de que algo não bate certo na nossa vida, e também não sabemos como ultrapassar…

 

Passa no sopro da aragem

Que um momento o levantou

Um vago anseio de viagem

Que o coração me toldou.

 

Se persiste, torna-se problema, se pontual é tão só um saudável questionar do estável e adquirido, fazendo-nos perguntar: não há mais mundos?

Será que em seu movimento

A brisa lembre a partida,

Ou que a largueza do vento

Lembre o ar livre da ida?

 

No poema, a conhecida incapacidade para a acção que percorre a poesia de Pessoa, dá a dimensão que torna grave a insatisfação continuada:

 

… / Não sei, mas subitamente / Sinto a tristeza de estar / O sonho triste que há rente / Entre sonhar e sonhar.

 

Ao concluir com o verso : Entre sonhar e sonhar temos a medida dessa incapacidade para a acção, quando uma atitude saudável seria: Entre sonhar e agir. Mas aí não seria o poeta a falar, mas filosofia de vida explicitada.

 

 

O peso de haver o mundo

 

Passa no sopro da aragem

Que um momento o levantou

Um vago anseio de viagem

Que o coração me toldou.

 

Será que em seu movimento

A brisa lembre a partida,

Ou que a largueza do vento

Lembre o ar livre da ida?

 

Não sei, mas subitamente

Sinto a tristeza de estar

O sonho triste que há rente

Entre sonhar e sonhar.

 

19.05.1932

 

Transcrito de Quadras e Outros Cantares, Editora literária Teresa Sobral Cunha, Relógio D’Água Editores, Lisboa, 1997.

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Alex Katz (1927), Passing, óleo s/tela de 1962. Pertence à colecção do MOMA de New York.

Este auto-retrato de Alex Katz, lembrando vagamente a figura conhecida de Fernando Pessoa, é em si a imagem mesma desse peso de haver o mundo de que fala o poema.