• Autor
  • O Blog

vicio da poesia

Tag Archives: Stéphane Mallarmé

A Vaidade, pintura de Hans Memling com Mallarmé e Cecília Meireles pelo caminho

20 Terça-feira Ago 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poetas e Poemas

≈ Deixe um comentário

Etiquetas

Cecilia Meireles, Hans Memling, Stéphane Mallarmé

Memling - A vaidadeVá lá saber-se porque motivo esta graciosa rapariga nua a olhar-se ao espelho e pintada pelo flamengo Hans Memling (1430-1494) representa A Vaidade no dizer de especialistas.

Consultadas as autoridades que em livro escrevem e tenho em casa, pouco adianto.

A rapariga (modelo) faz de Virgem com o Menino em diversas pinturas do mestre e aqui mostra os seus argumentos.

Nada na sua atitude faz lembrar a rainha má da história a Branca de Neve: diz-me espelho meu, há alguma mais bela que eu? Pelo contrario, a menina parece até surpreendida com o que vê.

Pertence a pintura ao tríptico Da Vaidade Terrestre e da Redenção Celeste. Olhai!

Hans Memling - Tríptico Da vaidade Terrena e da redenção CelesteNão sei a quem cabe a responsabilidade do nome: se ao pintor, se a algum dos proprietários através dos séculos, ou se ao Museu de Belas Artes de Estrasburgo onde agora a pintura se guarda. Aparentemente representará a vaidade e a luxuria porque a rapariga se contempla, nua, ao espelho, sem vergonha ou restea de pudor. Ele há cada uma! Num tempo em que não havia revistas para homens, chamadas, nem net, os pretextos de que eles se serviam para olhar imagens de mulheres nuas!

A simbólica do espelho é rica em todas as culturas antigas, da Europa ao Japão, e até a ciência esclarecer a formação da imagem por reflexo, o sortilégio de se ver foi fonte de encantadoras crenças.

A poesia, que em tudo acompanha o mundo, também reflecte o que o espelho numa alma feminina escreve.

É um fragmento do poemeto Hérodiade, de Stéphane Mallarmé (1842-1898) que escolho para disso dar conta.

…

O miroir !

                   Eau froide par l’ennui dans ton cadre gelée

Que de fois et pendant des heures, désolée

Des songes et cherchant mes souvenirs qui sont

Comme des feuilles sous ta glace au trou profond,

Je m’apparus en toi comme une ombre lointaine,

Mais, horreur ! des soirs, dans ta sévère fontaine,

J’ai de mon rêve épars connu la nudité !

…

Deixo a tradução directa dos versos apesar de a perda inevitável da rima lhes retirar toda a música  original. E era Mallarmé quem defendia: “A poesia é uma música que se faz com ideias, e por isso com palavras“.

…

Ó espelho!

              Água fria pelo tédio na tua moldura gelada

Quantas vezes e durante horas, desolada

Dos sonhos e procurando as minhas recordações que são

Como folhas sob o teu vidro em poço profundo.

Apareci-me em ti como sombra longínqua

Mas, horror! certas noites, na tua severa fonte.

No meu sonho disperso conheci a nudez!

…

No detalhe do poema de Cecília Meireles (1901-1964) com que encerro esta divagação, encontramos uma mulher reflectindo sobre si e o mundo ao olhar a imagem que o espelho lhe devolve. Saberão as mulheres que me lêem quanto de verdade hoje ainda existe nesta imagem de mulher em meados do século XX.

Mulher ao espelho

Hoje, que seja esta ou aquela,

pouco me importa.

Quero apenas parecer bela,

pois, seja qual for, estou morta.

 

Já fui loura, já fui morena,

já fui Margarida e Beatriz.

Já fui Maria e Madalena.

Só não pude ser como quis.

 

Que mal faz, esta cor fingida

do meu cabelo, e do meu rosto,

se tudo é tinta: o mundo, a vida,

o contentamento, o desgosto?

 

Por fora, serei como queira

a moda, que me vai matando.

Que me levem pele e caveira

ao nada, não me importa quando.

 

Mas quem viu, tão dilacerados,

olhos, braços e sonhos seus

e morreu pelos seus pecados,

falará com Deus.

 

Falará, coberta de luzes,

do alto penteado ao rubro artelho.

Porque uns expiram sobre cruzes,

outros buscando-se no espelho.

Publicado pela primeira vez em Mar Absoluto e outros poemas, em 1945.

 

Partilhar:

  • Tweet
  • E-mail
  • Share on Tumblr
  • WhatsApp
  • Pocket
  • Telegram

Gostar disto:

Gosto Carregando...

Stéphane Mallarmé — Brisa marinha

27 Sexta-feira Jul 2012

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poesia Antiga

≈ Deixe um comentário

Etiquetas

Paul Gauguin, Stéphane Mallarmé

Às vezes, na sobrecarga dos dias invade-nos um desejo imenso de evasão, uma vontade de partir, em que apenas o mar é consolação.
É do que nos fala este poema de Stéphane Mallarmé (1842-1898), Brisa marinha, para o qual vos deixo duas versões em português, ambas satisfatórias mas sem a música desolada que se ouve no original, o qual acrescento para os leitores fluentes em francês.

A pintura de Paul Gauguin (1848-1903) a acompanhar explica-se pela biografia do pintor, aquele que definitivamente partiu, deixando tudo, em busca do paraíso.

Brisa marinha (Brise marine)

A carne é triste e eu, aí! já li todos os livros.
Fugir! Fugir p’ra longe. Oiço as aves aos gritos
Ébrias na espuma ignota e sob o céu, em bando!
Nada, nem vãos jardins nos olhos se espelhando
Retém meu coração que se embebe de mar,
Oh noite! nem a luz da candeia a alumiar
O deserto papel que a brancura defende;
Nem mesmo jovem mãe que seu filho amamente.
Hei-de partir! Vapor em marítimas crises,
Iça o ferro e faz rumo a exóticos países.

Um tédio triste, em cruel e inútil esperar,
Crê no supremo adeus dos lenços a acenar.
Que os mastros, porventura, atraindo presságios,
São os mesmos que um vento inclina nos naufrágios.
Soltos no mar, no mar, sem ilhas nem esteiros.
Mas ouve, coração, cantar os marinheiros.

Tradução de Herculano de Carvalho

Brisa marinha (Brise marine)

Triste carne, aí de mim! Já li os livros todos.
Fugir! Longe fugir! As aves sinto a modos
De ser ébrias de espuma entre o mistério e os céus!
Nada, nem os jardins espelhados nos meus
Olhos, o coração retém quase afogado,
Ó noites! nem da lâmpada a ausente claridade
No branco do papel que o vazio rejeita
E nem a jovem mãe que ao peito o filho aleita.
Hei-de partir! Veleiro a mastrear, tu, larga
As amarras, demanda outra exótica plaga!

Um Tédio, desolado por esperanças cruéis,
Crê ainda nos lenços molhados dos adeus!
E talvez que esses mastros atraindo os presságios
Sejam dos que o tufão verga sobre os naufrágios
Perdidos, já sem mastros, em estéreis ilhéus …
Mas os marujos cantam, ouve, coração meu!

Tradução de José Augusto Seabra

Brise marine

La chair est triste, hélas ! et j’ai lu tous les livres.
Fuir ! là-bas fuir! Je sens que des oiseaux sont ivres
D’être parmi l’écume inconnue et les cieux !
Rien, ni les vieux jardins reflétés par les yeux
Ne retiendra ce coeur qui dans la mer se trempe
Ô nuits ! ni la clarté déserte de ma lampe
Sur le vide papier que la blancheur défend
Et ni la jeune femme allaitant son enfant.
Je partirai ! Steamer balançant ta mâture,
Lève l’ancre pour une exotique nature !

Un Ennui, désolé par les cruels espoirs,
Croit encore à l’adieu suprême des mouchoirs !
Et, peut-être, les mâts, invitant les orages,
Sont-ils de ceux qu’un vent penche sur les naufrages
Perdus, sans mâts, sans mâts, ni fertiles îlots …
Mais, ô mon coeur, entends le chant des matelots !

 

Partilhar:

  • Tweet
  • E-mail
  • Share on Tumblr
  • WhatsApp
  • Pocket
  • Telegram

Gostar disto:

Gosto Carregando...

Visitas ao Blog

  • 1.975.628 hits

Introduza o seu endereço de email para seguir este blog. Receberá notificação de novos artigos por email.

Junte-se a 869 outros seguidores

Página inicial

  • Ir para a Página Inicial

Posts + populares

  • Ricardo Reis — Se recordo quem fui, outrem me vejo
  • A valsa — poema de Casimiro de Abreu
  • O azul na obra de Van Gogh

Artigos Recentes

  • Sonetos atribuíveis ao Infante D. Luís
  • Oh doce noite! Oh cama venturosa!— Anónimo espanhol do siglo de oro
  • Um poema de Salvador Espriu

Arquivos

Categorias

Site no WordPress.com.

  • Seguir A Seguir
    • vicio da poesia
    • Junte-se a 869 outros seguidores
    • Already have a WordPress.com account? Log in now.
    • vicio da poesia
    • Personalizar
    • Seguir A Seguir
    • Registar
    • Iniciar sessão
    • Denunciar este conteúdo
    • Ver Site no Leitor
    • Manage subscriptions
    • Minimizar esta barra
 

A carregar comentários...
 

    %d bloggers like this: