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A Ceifeira, poema de Luís Augusto Palmeirim com passagem por Sophia

24 Quinta-feira Abr 2014

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poesia Antiga, Poetas e Poemas

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Luis Augusto Palmeirim, Malevitch, Sophia de Mello Breyner Andresen

Ceifeiras 1929-33Em outros artigos do blog já referi o que de relevante me pareceu sobre a poesia de Luís Augusto Palmeirim (1825-1893) e o contexto de época em que a escreveu. Hoje venho com um poema onde um tipo de mulher do povo se elogia — A Ceifeira, num tempo em que apenas as burguesas eram matéria de inspiração poética.  

 

Profissão felizmente extinta pela tecnologia, a ceifa era uma actividade duríssima e sobre ela temos vasta produção literária no século XX, sobretudo entre os escritores neo-realistas. Nas lutas dos trabalhadores rurais por melhores condições de vida coube a uma ceifeira, Catarina Eufémia (1928-1954), o destino de heroína, ao cair morta às balas da polícia. É a esta mulher, a certa altura tornada símbolo, que Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004) dedica um poema belíssimo e simultaneamente uma notável reflexão sobre Justiça e ser Mulher — inocência frontal que não recua:

 Mulher com pau vermelho 1932-33

Catarina Eufémia

 

O primeiro tema da reflexão grega é a justiça

E eu penso nesse instante em que ficaste exposta

Estavas grávida porém não recuaste

Porque a tua lição é esta: fazer frente

 

Pois não deste homem por ti

E não ficaste em casa a cozinhar intrigas

Segundo o antiquíssimo método oblíquo das mulheres

Nem usaste de manobra ou de calúnia

E não serviste apenas para chorar os mortos

 

Tinha chegado o tempo

Em que era preciso que alguém não recuasse

E a terra bebeu um sangue duas vezes puro

 

Porque eras a mulher e não somente a fêmea

Eras a inocência frontal que não recua

Antígona poisou a sua mão sobre o teu ombro no instante em que morreste

E a busca da justiça continua

 

Publicado em Dual, 1972, transcrito de Obra Poética, Editorial Caminho, Lisboa, 2011.

Raparigas no campo 1928É outro o universo em que o poema de Luís Augusto Palmeirim se move. É a graça feminil da mulher que o poeta canta, realçando como valores de beleza, ao contrário do estereótipo da época, a pele trigueira, queimada pelo sol.

A Ceifeira

 

Há quem diga por inveja

Que és feia por ser trigueira;

Dizem as damas da corte,

Deixai-as dizer ceifeira.

 

Quisera que elas te vissem

Feita senhora festeira,

Que me dissessem depois,

Se eras ou não feiticeira!

 

Que vissem com que requebros

Tu vais a mercar na feira,

Que vissem como inocente

Vais depois pular na eira.

 

Mariquinhas de olhos pretos,

Mimosa—gentil ceifeira,

És bela por caprichosa,

És linda por ser trigueira.

 

Hei-de ir à festa e de longe

Ver-te na dança ligeira,

A ver se coras na dança,

A ver se tens quem te queira.

 

Hei-de ir depois alcançar-te

No atalho, mesmo à beira,

E dizer-te que na dança

Eras gentil, a primeira.

 

A dizer-te que eras linda

Como aurora prazenteira;

A contar-te que na festa

Eras só, sem companheira.

 

A contar-te que não perdes

Por te chamarem trigueira,

A ti, rainha da festa

Mimosa—gentil ceifeira.

 

A ti que eu vi assentada

Ontem à noite à lareira,

Crendo deveras num conto,

Num conto de feiticeira.

 

A ti que vergas a cinta,

Como se verga a palmeira,

Que tens escrita no rosto

Inspiraçâo verdadeira.

 

A ti que dormes com o Cristo  

Pendente da cabeceira;

Que só choraste na vida,

Uma vez—por brincadeira!

 

A quem chamam, por inveja,

A Mariquinhas trigueira;

Porque sabem que és de todas

A mais mimosa ceifeira!

 

Porque tens nos olhos negros

O condão de dar cegueira,

A quem os fita de perto,

Com atenção verdadeira.

 

Só te falta alva capela,

Das flores da laranjeira,

Que a todos diga que a noiva

Era ainda há pouco a festeira.

 

Que nos dê a triste nova,

Que pela vez derradeira,

Vemos de perto tão perto

Aquela fronte fagueira.

 

A quem as mais, por despique,

Vendo a formosa ceifeira,

Diziam — coitada dela

Sendo assim morre solteira!

 

Transcrito de Poesias, 1ª edição, Imprensa Nacional, 1851.

Modernizei a ortografia.

Ceifeiras

No confronto destes poemas surge, gritante, a distância entre a exigência intelectual que a poesia pode ser e ter, e a graciosidade rítmica que consola o leitor poupando-o ao “enfado” da reflexão. E nesse confronto medimos também a distância que separa hoje o gosto do leitor, do gosto dos leitores de há 150 anos, se tivermos em conta quanto ambos os poetas foram populares no tempo que viveram.

 

Acompanham o artigo imagens de pinturas de Kasimir Malevitch (1879-1935).

 

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Malevitch suprematista

30 Quinta-feira Jan 2014

Posted by viciodapoesia in Convite à arte

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Kandinsky, Malevitch, Mondrian

malevich.petersburgFalamos de abstração em pintura quando nos encontramos perante uma obra onde não é reconhecível qualquer objecto ou realidade física identificável.

malevich.amsterdam

Tendo a abstracção começado pelo não-figurativo com Kandinsky (1866-1944),  (e o seu ensaio Ponto e Linha sobre o Plano é uma obra iluminante), Mondrian (1872-1944) desenvolveu a partir do valor das cores, a base para uma relação equilibrada enquanto indutora da emoção estética, nas obras do que chamou a Nova Plástica, em detrimento da harmonia, característica da pintura antiga ( veja-se Realidad Natural y Readidad Abstracta, Barral Editores, Barcelona 1973).

malevich.composition

Quando passamos a Malevitch (1879-1935), é no domínio do sem-objecto absoluto que nos encontramos. A representação basta-se a si mesma, e apenas o jogo plástico de cores e formas  transmite a emoção ao observador.

malevich.black-red-squareDe entre os fundadores da abstracção em pintura: Kandinsky, Mondrian, Malevitch, para citar os mais famosos, foi este ultimo quem levou mais longe esta pintura do sem-objecto com O Quadrado Negro sobre fundo Branco em 1915, e Branco no Branco em 1918.

malevich.black-square

Entre estas duas obras encontramos um conjunto vasto de obras de cores vivas e contrastadas onde formas de uma geometria quase regular em rectângulos e outras figuras geométricas se justapõem, surgindo a vaguear no espaço da tela, e em que o que conta é o movimento das massas coloridas.

malevich.supremus-56

Surgem estas obras sem propósito outro que dar conta de uma manifestação pictural da natureza enquanto lugar do ser, da vida, deste “Nada” que o pintor liberta sobre a tela. Este acto criador “não é mimético, é um acto puro que agarra a excitação universal do mundo, o ritmo, lá, de onde desapareceram todas as representações figurativas de tempo e espaço e onde não subsiste senão a excitação e a acção que ela condiciona. Excitação sem finalidade.” Citei amplamente o especialista da vanguarda plástica russa, Jean-Claude Marcadé, sobretudo em L’Avant-Garde Russe, Flammarion, Paris, 1995.

malevich.krasnodar

O século XX, com as vanguardas que se sucederam, encarregou-se da normalização de toda esta conversa e hoje olhamos estas obras ou de per se ou em contexto histórico, sendo certo que a arte da pintura não  voltou a ser a mesma depois destas escandalosas (à época) invenções.

malevich.aeroplane-flying

Concluo com mais algumas destas obras picturais, enquanto tal, onde a luz não é aquela, ilusória, do sol, mas a do negro e do branco de onde emanam ou se reúnem todas as outras cores.

malevich.black-circle

malevich.new-york

malevich.self-2d

malevich.supremus-58Todas as imagens são de obras de Malevitch do periodo Suprematista.

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