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A cidade transformou-se e a avenida da Liberdade já não é o que era quando Fernando Assis Pacheco (1937-1995) escreveu o soneto As putas da Avenida.
Hoje percorre a avenida o luxo da alta costura e das marcas com que o dinheiro se perfuma, escondendo os cheiros da sua origem. Mas as artérias não se libertam tão facilmente da vida que durante anos a elas se agarrou e, avançada a noite, regressam os ecos deste passado contado com mão de mestre na concisão do soneto.
AS PUTAS DA AVENIDA
Eu vi gelar as putas da Avenida
ao griso da Janeiro e tive pena
do que elas chamam em jargão a vida
com um requebro triste de açucena
vi-as às duas e às três falando
como se fala antes de entrar em cena
o gesto já compondo a voz de mando
do director fatal que lhes ordena
essa pose de flor recém-cortada
que para as mais batidas não é nada
senão fingirem lírios da Lorena
mas a todas o griso ia aturdindo
e eu que do trabalho vinha vindo
calçando as luvas senti tanta pena
Este soneto de Fernando Assis Pacheco encontra-se no livro Variações em Sousa de 1987, republicado em A Musa Irregular, 3ªedição com as correcções do autor, por Assírio & Alvim, Lisboa, 2006.