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Longe deste verão que agora desfruto, é o Verão das terras gélidas da Rússia de que nos fala este poema de Boris Pasternak (1890-1960), pertencente ao cancioneiro do Dr. Jivago, Iuri Jivago, publicado no final do romance do mesmo nome, originalmente em Itália.
Em vez de sol são aguaceiros e trovoada os protagonistas a dar a atmosfera poética de um amor tumultuoso, ainda que a poesia surja na manhã onde Só as tílias seculares, / Cheias de perfume e flor, / Nos olham com o olhar / De quem passou mal a noite.

VERÃO NA CIDADE

Conversas a meia voz,
E esse gesto impetuoso
Com que afastas os cabelos
De cima do teu pescoço.

E sob o brilho do pente
É que aparece o olhar,
Debaixo do capacete
Dos cabelos ondulados.

A noite quente, lá fora,
Faz prever um aguaceiro.
Dispersam-se os caminhantes,
Matraqueando os passeios.

Do estrondo da trovoada
Ouve-se rolar o eco.
E o vento faz ondular
As cortinas da janela.

Vem a seguir o silêncio
Mas sufoca-se, e não cessa,
Intermitente, a presença
Dos relâmpagos no céu.

Quando por fim a manhã,
Cintilante, vem secar,
Nas bermas e nas valetas,
A água da tempestade,

Só as tílias seculares,
Cheias de perfume e flor,
Nos olham com o olhar
De quem passou mal a noite.

Versos de Iuri Jivago (1957)
Tradução de David Mourão-Ferreira