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Há uma precisão cirúrgica na poesia de Carlos de Oliveira (1921-1981). As palavras cortam como estilete afiado, dilacerando o leitor com a realidade que devolvem. São frequentemente poemas onde o verso, na sua medida exacta, transmite o mais lídimo conceito de poesia, qual seja este poema O Viandante, que a seguir transcrevo.
O Viandante
Trago notícias da fome
que corre nos campos tristes:
soltou-se a fúria do vento
e tu, miséria, persistes.
Tristes notícias vos dou:
caíram espigas da haste,
foi-se o galope do vento
e tu, miséria, ficaste.
Foi-se a noite, foi-se o dia,
fugiu a cor às estrelas:
e, estrela nos campos tristes,
só tu, miséria, nos velas.
Se, felizmente, a realidade próxima, raíz deste poema, um certo Portugal até finais dos anos 50, desapareceu, esta miséria extrema de que o poema pungentemente fala, grassas pelo mundo, sobretudo em África, sem que os países desenvolvidos consigam contribuir para uma solução que a extinga.
No entanto, como em toda a poesia intemporal, multiplas são situações em que sentimos em nós o que o poeta refere a concluir o poema:
…
Foi-se a noite, foi-se o dia,
fugiu a cor às estrelas:
e, estrela nos campos tristes,
só tu, miséria, nos velas.
Abre o artigo a imagem de uma pintura de Florian Maiorescu – People IV 2008, de colecção particular.
Grande poeta, de poesia densa, de sentido universal, tenho a obra completa que saiu outrora na Portugália.
Ia ao Tony dos bifes, sentava-se a uma mesa, a ler ou a escrever. Nunca me atrevi a interrompê-lo, nós íamos ao Tony com os nossos filhos pequenos. Quando perguntávamos o que querem de sobremesa, o Bernardo, o mais velho, dizia: outro bife!
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Obrigado por partilhar connosco estas memórias pessoais.
Carlos Mendonça Lopes
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