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Tive na vida, até hoje, duas paixões de coup de coeur. A primeira, vão mais de quarenta anos.
Era o Carnaval de 1971. Nesses anos Marcelistas as pessoas abriam as casas a desconhecidos com a maior afabilidade, e as festas privadas de fim-de-semana eram parte integrante do quotidiano de qualquer jovem. Chegado o Carnaval os grupos transformavam-se em multidão.
Naquele sábado combináramos encontrar-nos no atelier de um pintor na baixa. O boca-a-boca: onde vais sábado de Carnaval? transformou o pequeno grupo inicialmente previsto numa multidão que extravasava pela escada da mansarda. Quando chegámos, à entrada e indiferente a multidão que cirandava, acotovelando-se, encostava-se a mulher dos meus sonhos, embora à data eu não soubesse exactamente como era. Foi o baque da paixão, ali, a iluminar-me a alma.
O caos em redor e a falta de espaço não iam permitir qualquer festa, era preciso encontrar solução alternativa àquela barafunda. Festa tinha que haver. Conferenciámos sobre as alternativas e sugeriu-se a casa da Paula.
– Mas é em Bicesse, alguém lembrou.
– Não faz mal, quantos carros há?
Havia apenas 2.
– Quem couber vai de carro, quem não couber vai de comboio e vou buscá-los à estacão do Estoril, propôs uma amiga com quem eu ia. E assim se fez. A minha descoberta paixão foi connosco e a festa decorreu com quem quis ir. Durou até bem avançada a manhã. O meu coup de coeur deu em namoro e casamento.
A casa era de Almada Negreiros, e a partir dela escreveu o poeta AQUI PORTUGAL, poema com que termino esta evocação.
Com ela pretendo lembrar a amiga que, com o seu carro e disponibilidade, permitiu que a festa acontecesse e a paixão de um olhar me fizesse feliz por muitos anos. Lembro-a no éter da net agora que faleceu vitima de cancro da mama.
AQUI PORTUGAL
Aqui Portugal
Bicesse
O Fim-do-Mundo mais perto de
Lisboa a da boa flôrdelis
e
Entre a Serra da Lua (Sintra)
As grutas e necrópole daqueles
Que nascidos em Creta
Passaram em Homero
Em Cristo
E a vista de Roma
Saíram do Mediterrâneo
E aqui ficaram e passaram
Trazendo consigo para toda a parte
A civilização da Liberdade individual
Do Homem
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