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Tag Archives: Carlos Queiroz

Cantam ao longe — poema de Carlos Queiroz

09 Quinta-feira Nov 2017

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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Carlos Queiroz, Edvard Munch

Dias há que o mundo e nós estamos de costas voltadas, e o desconforto dessa incompatibilidade sente-se intensamente.

Na concisão de um poema dá-nos Carlos Queiroz (1909-1949) essa dimensão de conflito existencial: uma palavra, um verso, e tudo fica dito.

No primeiro verso do poema a alegria dos outros regista o poeta com “Cantam ao longe.” seguido da escuridão sentida pelo próprio: “Anoitece.”
No segundo verso, “Faz frio pensar na vida;”, transmite-nos esse desconforto existencial que todo o poema transporte.
E o desacerto entre o homem e o mundo que o poeta quer transmitir surge na segunda parte do poema: “E a natureza parece / Dizer em voz comovida, /  Que o homem não a merece.”.

Exemplo maior do que a poesia pode ser na sua leitura das complexidades em que somos férteis, eis o poema:

 

 

Cantam ao longe

Cantam ao longe. Anoitece.
Faz frio pensar na vida;
E a natureza parece
Dizer em voz comovida,
Que o homem não a merece.

 

Publicado em Desaparecido, único livro do poeta, prémio Antero de Quental de 1935.

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Edvard Munch (1863-1944), Melancolia, de 1891.

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Varinas de Lisboa em poemas de Almada Negreiros e Carlos Queiroz

30 Segunda-feira Out 2017

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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Almada negreiros, Carlos Queiroz

E vós varinas que sabeis a sal
e trazeis o mar no vosso avental!
(Almada Negreiros)

 

Mulheres esbeltas de língua afiada e resposta pronta, tanto quanto a memória infantil mo permite recordar, foram por séculos presença assídua nas ruas de Lisboa.
Levando à cabeça a cesta de peixe fresco, ecoavam pelas manhãs da cidade os pregões a anunciá-lo, rivalizando com outras vendedeiras, como o recorda Gomes Leal (1948-1921) no soneto Pregões matinais:

…
De manhã é que passa a leiteirinha,
Com seu pregão chilrado de andorinha,
Passam varinas de gargantas sãs…
…

 

Imagem de propaganda de uma Lisboa popular durante o Estado Novo, surgiram na arte pública por aqui e por ali na sua elegância, decorando entradas e fachadas de prédios na nova Lisboa dos anos 40, transmitindo a imagem sensual que o imaginário popular a pouco e pouco incorporou, e os poetas deram voz, sobretudo David Mourão-Ferreira com Maria Lisboa, tornada famosíssima pelo fado na voz de Amália Rodrigues.
Vinham sobretudo de Alfama, e hoje são apenas uma ténue memória, mesmo para os mais velhos que ainda lá vivem. Encontramos imagens deste mundo urbano nas prosas de cidade de Irene Lisboa (1892-1958), contadas com o pudor e empatia que atravessa toda a sua escrita.
Hoje recordo varinas em dois poemas: Varina de Carlos Queiroz (1909-1949) e Varina de Almada Negreiros (1893-1970).
Se no poema de Carlos Queiroz lemos a mitificação de um tipo humano, com Almada Negreiros estamos no mundo da brincadeira (séria) recusando tal tipo, como matéria para lá do desejo que o mito induz.

 

Varina — poema de Carlos Queiroz

Ó Varina, passa,
passa tu primeiro…
que és a flor da raça,
a mais séria graça
do país inteiro!

Teu orgulho seja
sonora fanfarra,
zimbório igreja!
Que logo te veja
quem entra na Barra.

Lisboa, esquecida
que é porto-de-mar,
fica esclarecida
e reconhecida
se te vê passar.

Dá-lhe a tua graça
clássica e sadia.
Ó varina passa…
na noite da raça
teu pregão faz dia!

Vê que toda a gente
ao ver-te, sorri.
Não sabe o que sente,
mas fica contente
de olhar para ti.

E sobre o que pensa
quem te vê passar,
eterna, suspensa,
acena a imensa
presença do mar!

1929

A Varina — poema de Almada Negreiros

Lá na Ribeira Nova
onde nasce Lisboa inteira
na manhã de cada dia
há uma varina
e se não fosse ela
ai não sei
não sei que seria de mim!
Por ela
fiz dois versos a todas as varinas:
E vós varinas que sabeis a sal
e trazeis o mar no vosso avental!
Acho parecidos estes versos
com as varinas de Portugal.

Uma vez falei-lhe
para ouvi-la
e vê-la
ao pé.
A voz saborosa
os olhos de variar
castanhos de variar
castanhos-escuros de variar
com reflexos de variar
desde o rosa
até ao verde
desde o verde
até ao mar.

Num reflexo refleti:
não dar aquele destino
ao meu destino aqui.

Escrito em 1926

 

Termino com a nota humana do sofrimento que esta dura vida popular consigo trazia, evocada no poema Desenho, também de Carlos Queiroz.

 

Desenho — poema de Carlos Queiroz

Varina
sentada
na areia:
— Que sina
te é dada,
na manhã chegada
com a maré cheia?

— “Canastra vazia,
Barqueiro morrido…”
— Vem da maresia
teu pensar dorido.

Não penses tão claro;
vai à tua lida.
Pensar, é amaro
padecer da vida.

E a vida é sonhada
viagem incerta…
— Varina sentada
na praia deserta!

 

Poemas de Carlos Queiroz transcritos de Desaparecido e Outros Poemas, Livraria Bertrand, Lisboa, 1950.

Poema de Almada Negreiros transcrito de Obras Completas, vol.I, INCM, Lisboa, 1990.

O poema Pregões matinais (citado em fragmento) foi publicado em Gomes Leal, Mefistófeles em Lisboa, 1907.

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Jorge Barradas (1894-1971), Varinas de 1930, da coleção do Museu do Chiado.

Antes do poema de Almada Negreiros surge a variação digital sobre um desenho do artista que acompanha a edição referida da sua poesia.

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Canção do Mundo Perdido de Carlos Queiroz

22 Domingo Dez 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poetas e Poemas

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Carlos Queiroz

Gerard DAVID - Virgem do leite e o menino 1490Entre azáfama e melancolia foge o tempo com o Natal no horizonte. Cada ano assiste à luta da memória com a circunstância, na exigência da aprendizagem permanente que a vida obriga. Há sempre mundos perdidos para que outros sejam ganhos, ainda que um canto para a nostalgia possa ser reservado.

 

Canção do Mundo Perdido

 

Menino: o teu mundo,

Também já foi meu;

Tão belo e profundo,

Tão perto do céu!

 

Mas o tempo veio

E fez-me (tão cedo!)

Acordar, a meio

Do sonho mais ledo.

 

A chave emprestada,

Quis restituída;

Ou antes: trocada

P’la chave da vida.

 

Poema de Carlos Queiroz (1907-1949), transcrito de Desaparecido e Outros Poemas, Livraria Bertrand, Lisboa, 1950.

 

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Canção Grata seguido de Ode Pagã – 2 poemas de Carlos Queiroz

13 Terça-feira Abr 2010

Posted by viciodapoesia in Cânone XXI

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Carlos Queiroz

Canção Grata

Por tudo o que me deste:

– Inquietação, cuidado,

(Um pouco de ternura? É certo, mas tão pouco!)

Noites de insónia, pela ruas, como um louco…

– Obrigado, obrigado!

 

Por aquela tão doce e tão breve ilusão,

(Embora nunca mais, depois que a vi desfeita,

Eu volte a ser quem fui), sem ironia: aceita

A minha gratidão!

 

Que bem me faz, agora, o mal que me fizeste!

– Mais forte, mais sereno, e livre, e descuidado…

Sem ironia, amor: – Obrigado, obrigado

Por tudo o que me deste!

 

 

Volto amiúde à poesia de Carlos Queirós (1907-1949). Poeta de um requintado lirismo, no quase não-dito dos seus versos encontro o desafio de me pensar, como por exemplo neste espantoso Quase Tudo: “Que pouco-imenso falta à minha vida / para poder sentir que sou poeta!” e conclui “Uma fatal anímica explosão!”.

 

O poema que aqui deixo, Canção Grata, tornado famoso, em tempos, na voz de uma fadista, faz parte daquele grupo que me acompanha como expressão superior da paixão desfeita.

 

Mas não resisto a deixar um outro poema, este agora um hino à vida:

 

Ode Pagã

 

Viver! – O corpo nu, a saltar, a correr,

Numa prais deserta… Ou rolando, na areia,

Rolando, até ao mar… Que importa o que a alma anseia?

– Isto sim, é viver!

 

O paraiso é nosso e está na terra. Nós,

É que temos o olhar velado de incerteza;

E julgamos ouvir a voz da natureza,

Ouvindo a nossa voz.

 

Ilusões! A cultura, o amor, a poesia…

Não igualam, sequer, um dia à beira-mar,

Vivido plenamente, – a sorver, a beijar

O vento e a maresia!

 

Viver, é estar assim: a fronte ao céu erguida,

Os membros livres, as narinas dilatadas;

Com toda a natureza, em espírito, as mãos dadas…

– O resto, não é Vida!

 

Que venha pois, a brisa, e me trespasse a pele,

Para melhor poder compreendê-la e amá-la!

Que a voz do mar me chame e, ouvindo a sua fala,

Eu vá e seja dele!

 

Que o sol penetre bem na minha carne e a deixe

Queimada, para sempre; as ondas, uma a uma,

Rebentem no meu corpo! E eu fique, ébrio de espuma,

Contente como um peixe!

 

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