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A viagem de Brandão ao Paraíso

10 Segunda-feira Mar 2014

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poesia Antiga, Raros/Curiosos

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Benedeit, Bosch

Triptych of Garden of Earthly Delights (central panel) det8

São os leitores do blog pessoas de austero gosto e ocupadas em elevados pensamentos. Procurando ir ao seu encontro, o que nem sempre se proporciona, transcrevo a visita que Brandão, abade irlandês, terá feito ao paraíso terreal no século VI.

 

…

Eles navegaram quarenta dias no alto-mar

…

Sob a protecção do rei divino

Se acercaram da neblina espessa

Que envolvia aquele lugar do Paraíso.

…

Era a neblina tão cerrada e escura

Que engolia quem nela entrasse

…

Ao acercarem-se viram a nuvem partir-se ao meio

E abrir um espaço com a largura de uma rua

…

Durante três dias navegaram velozes

Por aquele caminho certo e seguro.

…

E ao longe avistaram o Paraíso.

Viram primeiro uma alta muralha

Erguida a direito até às nuvens.

…

Triptych of Garden of Earthly Delights (left wing) det4Introduzidos que estão os leitores no quadro temporal e geográfico da viagem, talvez se perguntem agora:

Mas afinal quem era este Brandão?

 

O Abade Brandão, homem que era

De muito siso, prudente e sagaz,

…

 

E que queria da vida?

 

Queria saber antes ainda da sua morte

Como é a casa onde só os bons podem entrar

E qual o lugar aos maus destinado

Triptych of Garden of Earthly Delights (central panel) det9

Pelos vistos Deus concedeu-lhe o desejo. Aí vai uma parte da história. O resto conta-a Benedeit em A viagem de São Brandão.

 

Visão do Paraíso

 

Abriu-se a porta de par em par

E eles entraram na verdadeira glória.

Seguiu adiante o formoso donzel

Que lhes foi mostrando o Paraíso.

Formosíssimos bosques rios e ribeiras

Cobrem e sulcam aquela terra.

São um jardim as pradarias

Florido tapete das mais belas flores.

Como em lugar piedoso e santo

As flores exalam suaves aromas.

Árvores frondosas flores preciosas

Variados frutos de raro perfume.

Não se vêem ortigas e cardos não há

Não crescem silvas nem matagais.

Árvores e ervas flores e plantas

Tudo desprende suave doçura.

As árvores dão frutos abrem-se as flores

Em cada dia de qualquer estação.

Os dias de verbosas todos os dias

Nas árvores medram as flores e a fruta

Nos bosques pastam veados sem conto

Saborosos peixes nadam nos rios

Nos Campos correm regatos de leite.

É uma terra abundante e farta!

Como o rocio caído do céu

O mel escorre de arbustos e juncos.

Generoso em ouro e pedras de preço

Ergue-se um monte como um tesouro.

Ali é eterno o esplendor do sol

O vento e a brisa não movem um pelo

E não há uma nuvem a pairar no ar

Roubando ao sol claridade e luz.

Quem ali morar penas não sofre

Nem há nenhum mal que lhe toque em sorte

Borrasca ou calor o gelo e o frio

A fome e a sede ou a vil miséria.

A sua riqueza será abundante

De tudo terá mais que à vontade.

Sem nada perder é certo e seguro

No dia a dia tudo há-de achar.

Brandão deleitou-se na alegria

Daquela hora que parece breve.

Ele bem queria ver e gozar

Demorar o olhar sem tempo nem pressa.

O donzel o levou por ali adentro

E muitas coisas lhe foi ensinando

E descrevendo com muitas minúcias

Prazeres e delícias que haverá de gozar.

Foi o donzel com o abade atrás

Até um monte de ciprestes coberto.

Do cume do monte ele viu maravilhas

Que estas palavras não podem contar.

Ele viu os anjos e também os ouviu

Cantar a alegria pela sua chegada.

Jamais escutara tão suave melodia

Tão branda e tão doce que fazia sofrer

E de seu natural não entendia

Não sabia gozar tão imensa glória.

Disse o donzel:  “Regressemos agora!

Mais adiante não vos posso levar

Mais vos mostrar não é permitido

Embora haja ainda muito a saber.

…

Triptych of Garden of Earthly Delights (central panel) det7Tal como Brandão, quando ao paraíso voltar o resto verá, assim os leitores das outras maravilhas saberão quando desta vida partirem…

 

Transcrevi da tradução de José Domingos Morais, edição Assírio & Alvim, Lisboa 2005.

Triptych of Garden of Earthly Delights (central panel) det2Acompanham o artigo imagens do tríptico de Hieronymus Bosch (1450-1516), O Jardim das Delícias.

Bosch_Hieronymus-The_Garden_of_Earthly_Delights

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Aproximação ao Natal com Natal Chique e Anjos de Vitorino Nemésio

19 Quinta-feira Dez 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poetas e Poemas

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Bosch, Fra Angelico, Gerard David, Vitorino Nemésio

MASTER of Moulins 1480A azáfama que se espera de nós no corropio das prendas, e a realidade social que nos envolve, mostra-a Vitorino Nemésio (1901-1978) neste poema, Natal Chique, na metáfora da compra do anjo anunciado no jornal e do príncipe pedinte.

 

Natal Chique

 

Percorro o dia que esmorece

Nas ruas cheias de rumor;

Minha alma vã desaparece

Na muita pressa e pouco amor.

 

Hoje é Natal. Comprei um anjo,

Dos que anunciam no jornal;

Mas houve um etéreo desarranjo

E o efeito em casa saiu mal

 

Valeu-me um príncipe esfarrapado

A quem dão coroas no meio disto,

Um moço doente, desanimado…

Só esse pobre me pareceu Cristo.

 

Mas nem só deste embrulho de papel colorido se faz o Natal. Há uma sub-reptícia corrente mística que permanece, e nela, os anjos têm fulcral protagonismo anunciador.

 Fra Angelico (1400-1455) Altar do PradoA

Foi um anjo que anunciou a Maria a concepção divina.

Para os meninos educados na religião católica são anjos que os acompanham na forma de anjo da guarda. É talvez esse o anjo temido por Vitorino Nemésio, capaz de informar Deus das suas traquinices, e assim referido no poema Anjos:

 DAVID, Gerard - Anunciação 1506

Anjos são os terríveis / Modos de Deus connosco; / Nós, as suas possíveis / Transparências a fosco.

 

Lívidos, sem respiração / Ficávamos do toque / Da primeira asa vinda; / Mas eles rondam apenas a oração / Que múrmura os evoque, / E vão-se, e tornam ainda.

 

Enquanto exército imaginado de emissários de Deus, têm presença forte na vida dos crentes, ainda que nos nossos dias esteja um pouco fora de moda a invocação da sua companhia.

Bosch - Triptych of Haywain (left wing) -1500-02 detalhe

Figuras centrais da mitologia do Natal, e imagem de excelência do Paraíso como quotidiano, leia-se a visão deles por um homem religioso.

 

Anjos

 

Os anjos são rijos como as pedras

E leves como as prumas.

Na leira rasa de aves, Tu, que redras

Terra, névoas e espumas,

—Deus, de teu nome! —sabes

Que um anjo é pouco e imenso:

Por isso cabes

No anjo e ergues o incenso.

 

Desfaleço a pensar-te,

Ó ser de Anjos e Deus

Que baixa em mim:

Sobe-me na alma, que ando a procurar-te

E dizendo-te Deus

Acho-te assim.

 

Anjos são os terríveis

Modos de Deus connosco;

Nós, as suas possíveis

Transparências a fosco.

 

Lívidos, sem respiração

Ficávamos do toque

Da primeira asa vinda;

Mas eles rondam apenas a oração

Que múrmura os evoque,

E vão-se, e tornam ainda.

 

Deles para cima, ainda mais graus de glória

Relutam ao sentido

Que deles vem à memória

Como uma bolha de ar na água do olvido:

No mais, são tão pesados,

Os anjos leves ao justo…

Tão alados,

Mas desgostosos do nosso susto!

 

É isso! Disse-mo agora

O verbo súbito surpreso:

Ser anjo é espanto da demora

Nossa e do peso pávido

Que nos estende.

Terrível é quem toca terra

Para a levar, e não a rende.

 

Que o anjo, de si, é àvido

De transe e rapidez,

E é ele que chora

Nosso chumbo, hora a hora:

É ele que não entende

A nossa estupidez.

 

Poemas de O Pão e a Culpa, Lisboa 1955.

 

 

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