Nestas já longas férias, acompanhado apenas de uma pequena biblioteca virtual, alguma poesia para traduzir, e pouco mais, tenho deixado os leitores amantes da transcendência na poesia à míngua de alimento espiritual adequado. E não será ainda hoje que a coisa muda, pelo contrário, em vez da densa filosofia que interroga o mundo e o seu devir, trago alguns epigramas da Antologia Grega onde o gosto por carpe diem se espelha e alguma brejeirice alegra as almas.

Começo com um epigrama de Páladas de Alexandria (n. 392 d.C.) incluído no livro XI da Antologia Grega, onde no sine Baccho Venus friget (sem Baco Vénus congela) se plasma:

 

 

 

55 Páladas

 

Dá-me de beber para que Baco dissipe minhas penas
e devolva o calor a meu gelado coração!
Liv XI

 

 

Este epigrama dá o mote para continuar, agora citando uma das Notas Simposiais de Perseu de Cítio (306-243 a.C.)(1):
De temas sexuais é apropriado entre copos de vinho fazer menção, pois também a estas coisas, quando bebemos, estamos propensos“.

 

 

Continuemos com Páladas e uma reflexão chamando a companhia de Baco (Brómio) e Vênus (Páfia):

 

 

 

62 Páladas

 

Os homens, todos, hão-de morrer, e não há
mortal que saiba se amanhã viverá.
Agora que bem o sabes, homem, alegra-te
e faz de Brómio olvido da morte.
Desfruta também com a Páfia, dilatando esta vida fugaz;
tudo o resto, deixa decidi-lo o Destino.
Liv XI

 

 

 

No entanto, a moderação é absolutamente aconselhável para que não surjam surpresas na festa do amor, e isso mesmo aconselha Eveno de Paros (V-IV a.C.) no epigrama 49 do mesmo livro:

 

 

 

49 Eveno de Paros(?)

 

A melhor medida de Baco: nem muito nem pouco,
pois causa é de tristeza ou de loucura.
Se está misturado, quarto companheiro das três ninfas(2),
faz desfrutar, e assim é quem melhor dispõe para o leito;
mas se alegra demasiado, afasta os amores,
e no sono, da morte vizinho, te mergulha.
Liv XI

 

 

 

De posse destes conselhos, ainda assim, as surpresas às vezes espreitam, como sabemos, e Rufino (II d.C.) refere num epigrama, agora do livro V da Antologia Grega.

 

 

 

47 Rufino

 

Muitas vezes desejei, Talia, possuir-te uma noite e saciar
minha paixão no teu florido frenesi de amor.
Mas agora que nua, com teu doce corpo me tocas,
esgotado sucumbo à fadiga e ao sono.
Pobre coração meu, que tens? desperta, não te rendas,
essa suprema felicidade com prantos encontrarás.
Liv V

 

 

 

O passar do tempo é inexorável e algum arrefecimento acontece, por isso mesmo termino com o conselho final:

Quanto possas, desfruta, partilha, come e pensa como mortal

dado por um Anónimo num outro epigrama do já referido livro XI da Antologia Grega:

 

 

 

56 Anónimo

 

Bebe e goza. Que acontecerá amanhã, o quê no futuro?
ninguém o sabe. Não corras, não te canses.
Quanto possas, desfruta, partilha, come e pensa como mortal:
entre viver e não viver não há nem um passo.
Toda a vida é, sim, equilíbrio: se tomas a iniciativa,
tudo será teu, mas se morres, de outro será, e tu nada terás.
Liv XI

 

 

Versões de Carlos Mendonça Lopes

 

 

 

Abre o artigo a imagem de um detalhe de uma pintura de Nicolas Poussin (1594-1665), Midas e Baco, pintado depois de 1624, e pertencente à colecção do museu de arte antiga de Munique.

 

 

Notas

 

(1) Citado por Ateneu de Náucratis (II d.C.) no livro XIII de Deipnosophistai (O banquete dos eruditos).

(2) a mistura de vinho e água entre os gregos podia variar, sendo usual uma parte de vinho para duas de água. Aqui o conselho é de uma parte de vinho para três partes de água, metonimicamente referido pelas três ninfas.