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Falar de amor e desejo, publicamente, através da poesia, no século XVI, tem as suas exigências de convenção, ainda que, sem grande subtileza espreite o eterno da atracção homem/mulher.
Vem isto a propósito de um vilancete de D. Francisco de Portugal ( 14??-1549), 1º Conde de Vimioso, que a seguir transcrevo. Nele o poeta recusa ousar o desejo que supostamente ofenderia o pudor da amada. A seguir diz-nos o poeta quanto esse desejo o incendeia, pois mesmo quando, por não o satisfazer, chama a morte como remédio, o desejo não parte, e permanece.

 

Vilancete

Meu amor, tanto vos amo,
Que meu desejo não ousa
Desejar nenhuma cousa

Porque se a desejasse
Logo a esperaria
E se a eu esperasse
Sei que vos anojaria.
Mil vezes a morte chamo
E meu desejo não ousa
Desejar-me outra cousa.

 

Agora, é a dor da ausência da amada o que o poeta sofre neste outro vilancete  de elegante versificação:

 

Vilancete

Meu bem sem vos ver
se vivo um dia
viver nam queria.

Caland’e sofrendo
meu mal sem medida,
mil mortes na vida
sinto não vos vendo.
E pois que vivendo
moiro todavia,
viver nam queria.

 

São poemas ao gosto de uma época que, na simplicidade da sua versificação, guardam o eterno do amor na ansiedade do desejo e dor do afastamento.

Termino esta pequena amostra da poesia de D. Francisco de Portugal com uma das suas sentenças rimadas:

 

Sentença

Que grande espanto é cuidar
Como se sustém o mundo.
Quam perto está de pasmar
Quem às cousas vê o fundo.

 

Publicado no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende.

Transcritos de Sentenças de D. Francisco de Portugal, 1º Conde de Vimioso,  seguidas das suas poesias publicadas no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, revistas e prefaciaras por Mendes dos Remédios, Coimbra, França Amado Editor, 1905.

Abre o artigo a imagem de um detalhe de uma iluminura dos Irmãos Limbourg (início sec. XV), Les Trés Riches Heures du Duc du Berry, cena cortês no mês de Abril.