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William-Adolphe_Bouguereau_(1825-1905)_-_Biblis_(1884)A750

É uma espécie de itinerário de busca…, de busca da mulher e do amor, o caminho que os poemas de António Ramos Rosa (1924-2013) a seguir transcritos, nos convidam a percorrer.

Os poemas têm, por um lado um aroma de enigma, do enigma das coisas intuídas, e acrescentam-lhe o sabor do ritmo que distingue a poesia de outras formas de dizer.

 

A mulher  A casa

 

A casa é viva

(A mulher dorme)

Dorme na espuma

nas cores puras

Dorme na espuma do silêncio

 

Planos brancos

e cores lisas

 

Dorme no vidro

tranquilo

 

Dorme viva

 

A casa é branca

É mais branca no silêncio

É mais branca entre as árvores

 

A própria cidade é branca

 

A cabra

cheirou a casa

cheirou o branco

 

O puro nó

do silêncio

 

Chego em silêncio

à mulher viva

dormindo

 

A casa é ela

em espiral

rodando

branca

 

É fino o ar

quase sem pó

Uma árvore dá

uma curta sombra

 

Uma brisa lava

a casa fresca

 

A varanda nua

é seca e branca

com sede de mar

 

A varanda é nua

A mulher é nua

 

Da casa branca

vê-se o mar

o fulvo dorso

da praia

nu

 

mulher de areia

deitada e panda

na frescura azul

 

Uma vela branca

de minúcia fresca

 

dá ao olhar a brisa

dá ao silêncio o mar

 

A mulher dorme

viva

na espuma

do silêncio

 

 

Onde o caminho

 

Onde o caminho é a mão que se abre,

a mão que vai.

O silêncio que respiro é o caminho que vem.

 

A mão nova palpa a parede do ar.

Uma parede nova.

 

Caminho para o solo alto.

Desloco a terra.

 

O fragor branco do céu.

 

O dia não estala.

 

Termino com o perfume de erotismo que o poema Onde é aqui exala.

 

 

Onde é aqui

 

Onde é aqui,

o centro,

onde se respira,

a cama limpa

o corpo inteiro e nu.

Onde é a fome e o braço toca

o esplendor.

Respira o ventre,

a vela incha

ao sol e ao mar sem fim.

 

Onde é aqui,

a fome nua,

a árvore exacta

no centro

da alegria,

a luz e o olhar

aberto ao mar.

Poemas transcritos de A Palavra do Lugar, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1977.

A imagem de abertura respeita a uma pintura de William-Adolphe Bouguereau (1825-1905).